sexta-feira, março 25, 2005

Bloco de Notas (4)

1979...Chegou ao fim o Seminário sobre o Fado de Coimbra. Armando Carvalho Homem, acompanhado à guitarra por Mário Freitas (actualmente médico cirurgião com clínica privada de gastrenterologia e medicina interna) e à viola pelo filho, Armando Luís de Carvalho Homem, tocou na Sé Velha o seu Ré menor. Disse-me que queria fazer um teste com público para ver se não se atrapalhava. Saíu bastante bem. Tira um belíssimo som da guitarra. Percute as cordas com uma pancada seca de muito bom efeito. Usa unha de plástico, comprida, apenas com o bico cortado, um pouco em diagonal, descaída para o dedo médio.
Faço aqui um pequeno parêntesis nas notas do bloco para referir que Armando Carvalho Homem foi meu professor de Matemática no quarto ano de liceu (agora oitavo). A sua especialidade era Físico-Químicas mas, naquele ano, teve que leccionar Matemática; mas Carvalho Homem saiu-se muito bem, e eu aprendi o suficiente para, no ano seguinte, enfrentar o exame final de Ciclo e passar com nota razoável. Eu mesmo, no primeiro ano de trabalho em Portimão, leccionei Geografia ao terceiro ano (agora sétimo). Os meus estudos de Geografia foram de três anos no liceu. Claro que sabia apenas o trivial. Estou a falar disto porque, como autodidacta na execução da guitarra, tinha curiosidade de ver como eram os dedos do meu professor e como seriam as unhas. Então, quando ele saía, seguia-o para tentar perscrutar alguma coisa. Que me lembre, nunca vi o que pretendia! Na altura, Carvalho Homem tocava com outro professor de Matemática, José Serrão, também à guitarra, e o filho deste Augusto Serrão na viola. Ainda os escutei numa festa do Liceu. Fiquei entusiasmadíssimo com o som das guitarras.
Volto às notas do bloco
Escutei uma valsa denominada “Noite de Estrelas”, composta por um brasileiro Dilermando Barbosa e com arranjo para guitarra portuguesa de Alexandre Brandão (oportunamente sairá aqui um Post sobre este Grande Senhor da guitarra de Coimbra, da autoria de Armando Luís de Carvalho Homem), tocada pelo Mário Freitas. Que maravilha! E que bem tocada; execução primorosa, com uma sonoridade ímpar, aveludada... Como é que no Porto se toca assim? Já o Cunha Pereira, também do Porto, me tinha impressionado com a sua execução sem falhas, a tocar Jorge Tuna e Carlos Paredes como se tudo fosse muito simples! O “Movimento Perpétuo” saía sem mácula, como se a guitarra estivesse já ensinada! E com o acompanhante na viola, Carlos Teixeira, faziam uma dupla de respeito.
Está a chegar a data em que Hermínio Menino queria que eu fosse a Viseu dar um concerto de guitarra. Se tivesse quem me acompanhasse até seria capaz, embora fosse um pouco arriscado. Pelo sim pelo não lá lhe fui dizendo que este ano não podia ser.
Estive em casa dele em Viseu e toquei a minha “Fantasia - A Espanhola”. Disse-me que nesta peça não tenho já a influência de ninguém, que é uma música de todos os quadrantes.
Artur Paredes quando me ouviu tocar o meu “Ensaio nº 1” disse que a minha música era futurista, que sabia empregar muito bem os meios tons, que ficava acima dos guitarristas que conhecia, que não copiava nada de ninguém e que, o que fazia, era mesmo meu. Ele deve ter ficado de facto muito surpreendido, pois esperaria que eu tocasse tudo menos o que toquei! Penso que não acharia verosímil algum guitarrista de Coimbra tocar assim!
Lembro-me agora de uma apreciação feita por Fernando Xavier (cirurgião urulogista), guitarrista de altíssima sensibilidade, quando me ouviu tocar a minha música que começa em fá sustenido (a esta distância no tempo já não sei a qual se refere), no primeiro jantar a que fui na Valenciana, organizado pelos Antigos Estudantes de Coimbra, em Lisboa; “que era uma variação muito fina”.
Há dias fui actuar a casa do Tomé (lembram-se do solista tenor do Orfeon?), agora é criador de vacas. Continua com a mesma voz, muito boa para cantar ópera mas pouco apropriada para o fado de Coimbra Foi sardinhada e carne a granel; mas um ambiente demasiado conservador para meu gosto! Quando comecei a tocar – o Lá menor de Afonso de Sousa – senti que estava a tirar as notas das entranhas da guitarra. Poucas vezes tenho tido esta sensação! Levei no final uma ovação como nunca me acontecera! Os convidados, mais de cem, levantaram-se aos gritos e palmas, pedindo bis! Será que o fado de Coimbra está condenado a ser só apreciado pelos conservadores? A Esquerda abandona-o? Depois não se queixem! (Isto eram desabafos de quem ainda sentia bem de perto a transformação operada com a Revolução de Abril de 74).
Lembro-me agora que há pouco mais de um ano, quando toquei a primeira vez para os componentes do grupo do João Bagão, executei as “Folias” (não sei a que peça me refiro, pois os nomes mudaram, entretanto). Todos gostaram muito. Disseram que fazia lembrar danças dos séculos passados! António Toscano mostrou-se tão entusiasmado que até me pediu o número de telefone. Até hoje nunca me telefonou!. O curioso é que o João Bagão, que de vez em quando me convidava para ir assistir aos seus ensaios, nunca mais me convidou! Porquê? Cada um tire as suas conclusões.
Já consigo tocar o Si menor do Carlos Paredes, sem ter que parar na parte difícil. A dificuldade estava na mão direita! Agora, é a esquerda que tem que avançar mais, mas isso parece-me fácil de atingir. O problema é mais de memorização.
Hoje não fui a casa de Artur Paredes. Não sei se houve ou não, ensaio. Carlos Figueiredo nada me comunicou!
Vim a saber no dia seguinte que, afinal, houve ensaio em casa de Artur Paredes. Ficou muito aborrecido por eu não ter aparecido. Segundo me disse Carlos Figueiredo, estiveram mais de meia hora a tentar descobrir um tom dissonante e não o conseguiram Por fim Artur Paredes dizia que “se cá estivesse o Dr Sérgio já o tinha descoberto”! Também afirmou que eu a acompanhá-lo era um bocado duro, que por vezes me sobrepunha ao primeiro guitarra. É natural que assim seja,. Praticamente nunca tinha acompanhado ninguém (exceptuam-se as poucas vezes que acompanhei António Portugal; mas isso foi antes do interregno, já atrás referido, de cerca de dez anos)! Espero vir a melhorar. Se ele me tivesse dito isso quando o acompanhava, teria tentado melhorar, mas nunca me diz nada. Diz depois a Carlos Figueiredo. Parece ter receio de me melindrar! Seja como for, prefiro assim. Artur Paredes está sempre a implicar com Carlos Figueiredo, mal ele se engana em qualquer passagem. Eu não aguentava aquele tratamento!
Há dias num ensaio em minha casa, em Almada, toquei o Ré menor nº 1 de Artur Paredes. Foi um sucesso! O Xavier (E agora não sei se o Fernando se o Teotónio, pois tocava com os dois) disse que tinha sido divinamente tocado. Ferreira Alves (primeiro viola de Carlos Paredes, como já referi neste Blog) acrescentou que toco como Carlos Paredes. É bom ouvir estes desabafos, mas não me envaideço, porque sei que são ditos de entusiasmo momentâneo!
Não sei o que se passa com o Conselheiro Toscano. Foi para férias no Algarve, por quinze dias segundo disse e nunca mais deu notícias, já lá vai mais de um mês.Tinha ficado de telefonar assim que chegasse! Quando partiu, parecia disposto a gravar um disco com aquelas músicas que tão bem executa. Será uma lástima se aquilo se perder!
Tenho que fazer um parêntesis nas notas do bloco para referir que o Conselheiro Toscano, tio de António Toscano, viola de Luiz Goes, era um exímio guitarrista, daquela escola do tempo do António Menano. Tinha uma sonoridade à antiga, lindíssima, usando afinaçõs diversas. Também tocava muito bem piano. Compôs muitas peças para este instrumento. Eu só pensava em como seriam aquelas peças se as tivesse composto para guitarra! Era um Senhor!. Fui muitas vezes a sua casa, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, ouvi-lo e acompanhá-lo à viola!

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