segunda-feira, abril 18, 2005


Capa do livro "No Rasto de Edmundo de Bettencourt - uma voz para a medernidade", de António M. Nunes; edição da DRAC - Madeira, 1999, que António M. Nunes teve a amabilidade de me oferecer. É este o livro que faltava para se ficar a ter um conhecimento profundo da mítica figura de Edmundo de Bettencourt que, juntamente com Artur Paredes, criou a canção de Coimbra, tal como a conhecemos agora. António M. Nunes é um historiador já de há longos anos conhecido, desde os polémicos escritos do "Diário de Coimbra" cuja leitura me deliciava, até às suas actuações nos seminários do Fado de Coimbra que se foram realizando. Mas, sabendo eu já da sua incontestável competência no tratamento de assuntos relacionados com o Fado de Coimbra, foi para mim uma surpresa muito agradável a leitura deste livro. Aqui, António M. Nunes mostra o seu profundo conhecimento no campo da investigação e no tratamento de toda a documentação. O livro entusiasma-nos como se de um romance policial se tratasse: ficamos ansiosos por saber o que vem a seguir! As fotografias são valiosas e raras, assim como os documentos nele incluídos. Aguardamos que mais trabalhos destes venham engrandecer o espólio coimbrão. Seguem-se partes do primeiro capítulo do livro, gentilmente postas à disposição pelo autor:
No Rasto de Edmundo de Bettencourt

"A ideia de saber mais sobre a vida e obra de Edmundo de Bettencourt (que nos meus tempos de Coimbra passava ignaramente por açoriano, terra onde também há copiosa cepa de Bettencourts), começou a ganhar forma na sequência de contactos havidos com o Dr. Afonso de Sousa ...
... Os anos foram passando até que, em Maio de 1998, durante a minha participação no V Seminário do Fado de Coimbra, alguns dos presentes acharam por bem convencer-me a retomar as investigações d'algum tempo. Vencido, mas não convencido, faço, não faço, o meu ilustre amigo Dr. Jorge Gomes, mais que doutorado nas coisas da Escola Presencista, fornece-me o endereço da Exa. Sra. D. Maria José de Bettencourt. Sem perder um segundo, telefonei imediatamente para Lisboa e instei a amável senhora a receber-me. Da conversa, dos telefonemas, dos documentos gentilmente emprestados, resultou este livrinho ...
... Em jeito de tese, pretendo demonstrar que o cantor funchalense fundou a Canção de Coimbra; que a sua obra, acima de tudo, foi pouco ou nada compreendida, quer no seu tempo, quer posteriormente; que o peso da sua herança foi enorme, mormente junto de homens como Fernando Machado Soares (entenda-se o Machado Soares dos Anos 50), Luís Goes, José Afonso; que foi apropriado por certas ideologias de esquerda e visto como inspirador da música de intervenção social; que a sua memória continua a ocupar um importante segmento junto dos artistas coimbrãos nos Anos 80 e 90; que a sua voz conquistou projecção internacional, sobretudo no Brasil, em Espanha, África e no Extremo-Oriente ...
... Alguém escreveu, viesse Augusto Hilário ao mundo dos Anos 20 e já não reconheceria o "seu" Fado de Coimbra. Eu escreveria: viesse José Dória, com a sua Viola Toeira, suas baladas e variações, e tudo acharia tão demudado. As gerações de cultores da Canção de Coimbra deste final de século não conseguem imaginar a abissal diferença de posturas e sonoridades que separa o Fado de Coimbra da Canção de Coimbra. Por outras palavras, não passa pela cabeça de ninguém que antes do Método Paredes tenham vegetado em Coimbra outros sistemas de digitação. Só um trabalho de etnomusicologia solidamente concebido pode recriar, ou devolver ao presente, uma ideia aproximada daquilo que foram os velhos ciclos da Viola Toeira, da Guitarra de Lisboa, da Antiga Guitarra de Coimbra. E aqui, novamente, imperam as "falsificações" e manipulações da história. Primeiro porque persiste a falsa crença que antes de Augusto Hilário nada se cantou e serenateou; segundo porque todos os temas anteriores a Artur Paredes são hoje interpretados segundo o Método Paredes, o que em vez de clarificar só confunde; terceiro porque Artur Paredes (mal estudado) tem sido apresentado como um instrumentista de transição cujo resultado final seria Carlos Paredes. Ora, qualquer destes enunciados é um presente armadilhado ...
... Além do autor, também ajudaram a fazer este trabalho o Dr. Afonso de Sousa, o Dr. Afonso de Oliveira Sousa, a D. Maria José de Bettencourt, o Dr. José Jorge Gomes e o Dr. Nelson Veríssimo, na qualidade de representante da Secretaria Regional do Turismo e Cultura - D.R.A.C..
Na sequência da sugestão que me foi lançada em Maio de 1998, durante o V Seminário do Fado de Coimbra (Homenagem ao Dr. Luís Goes), este ensaio constitui o primeiro de uma série a que espero conseguir dar continuidade. Começo com Edmundo de Bettencourt, revisitado no ano de 1999, precisamente quando passam 100 anos sobre o seu nascimento na cidade do Funchal. À semelhança de Edmundo de Bettencourt, número significativo dos intérpretes da Canção de Coimbra provém de outros espaços geográficos.
A Universidade de Coimbra e a sua Academia (e isto talvez seja astúcia hegeliana) conhecem muito mal Edmundo de Bettencourt. Isto mesmo foi constatado no ano da sua morte, em 1973, por uma jornalista que se deslocou à cidade de Coimbra. O ser humano é o único do reino animal capaz de criar e preservar memórias. Mas, se as sabe criar, também as sabe desacreditar, omitir, enviesar, esquecer".

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