Bloco de Notas (10)
1979 ... Estive na Rapada, Oliveira do Hospital, terra da Inês, esposa de Durval Moreirinhas. Foram também António Bernardino e Rui Gomes Pereira. Passaram-se dois dias muito bem passados, com a casa a dois passos do rio Alva, onde tomei três magníficos banhos. A terra é pequena mas encantadora, com acentuada arborização.
António Bernardino, (Berna), diz ter três discos em perspectiva, um sobre Menano, outro sobre o Bettencourt e o terceiro uma antologia. Vai pedir colaboração a António Portugal, Luís Filipe e eventualmente António Brojo, se este o convidar a ir ao Brasil, embora pretenda dizer que não vai. Penso que é boa altura para fazer estes trabalhos, pois está a cantar com uma voz bastante amadurecida, mas ainda fresca.
Contou há dias um episódio passado com ele na viagem aos Estados Unidos em 1965, com o Orfeão Académico. Como era ainda novato, só o chamavam quando não havia mais ninguém! Não foi, pois, actuar na televisão americana. Ficou fulo e exigiu junto da direcção que o mandassem de volta a Portugal, a não ser que lhe pagassem o mesmo que tinham pago aos outros. A presidência tinha-lhe oferecido cinco dólares para o calar, mas acabou por receber os mesmos cento e cinquenta que os outros.
Depois de voltar, constatou que os organismos académicos continuavam a chamá-lo apenas quando não havia mais ninguém. Usou então um estratagema, uma vez que verificou que quando iam ter com ele estavam mesmo aflitos. Começou a exigir dinheiro por cada actuação - à volta de cinco contos.
Carlos Figueiredo telefonou-me a dizer que Artur Paredes estava aborrecido comigo por não ter aparecido. De facto não pude ir, pois meteram-se de permeio uns exames orais e uma ida a Espanha com a família. No próximo ensaio lá estarei.
Fui convidado pelo Durval Moreirinhas a gravar para a semana um LP com Rui Gomes Pereira a cantar. Vão colaborar também António Parreira, José Luís Nobre Costa e Francisco Gonçalves, cultores do Fado de Lisboa. É um disco para a emigração, diz o Rui. Será gravado numa segunda-feira que é o dia de descanso das Casas de Fado.
A minha paciência por vezes é ilimitada. Vejam só o que agora encontro no bloco de notas: Hoje dei-me ao trabalho de contar o número de notas que tem o “Movimento Perpétuo” de Carlos Paredes. São 696 até à suspensão, mais 106 até final, o que dá 802. O tempo de execução é de 75 segundos. Dividindo, dá 10,7 notas por segundo, aproximadamente. Já tinha chegado a este resultado, como referi atrás, utilizando apenas uma amostra.
Vou gravar o LP com o Rui Gomes Pereira. Tivemos dois dias de ensaios, e apenas eu e o Durval Moreirinhas. Os outros ensaiam no próprio estúdio.
Lá estivemos a gravar não na segunda, mas na quarta e sexta-feira, pois só eu o Durval e o Rui comparecemos. Pelo que ouvi, os restantes elementos vão gravar por cima do que fizemos. Ainda faltam números. Não sei quais, pois o Rui ainda está indeciso. É a minha primeira gravação. Serão todas assim de improviso? Penso que não. Isto deve ser à moda de Lisboa!
Voltei hoje a casa de Artur Paredes. O Sol maior já está diferente outra vez. Cortou-lhe um grande bocado com características um pouco folclóricas e introduziu-lhe uma parte nova. Para mim, melhorou com a troca.
No ensaio, deu-me um cavalete para pôr na guitarra de Carlos Figueiredo (Kim Grácio) – ando agora a tocar com ela – para ver se melhora o som.
Artur Paredes usa nas guitarras dois cavaletes com alturas diferentes, um para a época fria outro para a quente.
Finalmente chegou ao fim a gravação de Rui Gomes Pereira. Tudo muito improvisado, mas lá se chegou ao fim. O resultado não pode ser o melhor!
Convenci-me que tocar guitarradas “piano” faz aumentar a agilidade dos dedos. Lembro-me dos ralhetes que Piñero Nagy me dava quando começava na viola a tocar “forte”. Dizia que se tocasse “piano” também era capaz de tocar “forte”. Penso agora que o inverso pode não ser verdadeiro!
Voltei a interessar-me pela composição, depois de alguns meses de interregno. Peguei no que já tinha elaborado para um teatro infantil e continuei-o. Estou a gostar. A peça vai chamar-se “Marionetas”.
Novamente em casa de Artur Paredes. Novamente o Sol maior modificado! Na semana passada tinha “jurado” que não lhe mexia mais! Hoje voltou a “jurar” o mesmo. Carlos Figueiredo continua a ser o alvo da “ira” de Artur Paredes. Cada vez que se engana, ouve um sermão.
Fui hoje convidado pelo Durval Moreirinhas a ir tocar a uma reunião de columbófilos, no Barreiro. Foi Barros Madeira que lhe falou, na qualidade de presidente da zona sul columbófila. Fiquei a saber que Barros Madeira é médico e que quando começou a exercer clínica foi para o consultório de um médico bastante idoso, que morreu passado um ano. Então ele herdou toda a aparelhagem e clientela, que era muito grande, ficando a pagar por mês, à viúva, uma quantia acordada entre ele e esta. Nas horas vagas ainda continua a cantar o “Fado de Coimbra”, com aquela voz magnífica de tenor.
1979 ... Estive na Rapada, Oliveira do Hospital, terra da Inês, esposa de Durval Moreirinhas. Foram também António Bernardino e Rui Gomes Pereira. Passaram-se dois dias muito bem passados, com a casa a dois passos do rio Alva, onde tomei três magníficos banhos. A terra é pequena mas encantadora, com acentuada arborização.
António Bernardino, (Berna), diz ter três discos em perspectiva, um sobre Menano, outro sobre o Bettencourt e o terceiro uma antologia. Vai pedir colaboração a António Portugal, Luís Filipe e eventualmente António Brojo, se este o convidar a ir ao Brasil, embora pretenda dizer que não vai. Penso que é boa altura para fazer estes trabalhos, pois está a cantar com uma voz bastante amadurecida, mas ainda fresca.
Contou há dias um episódio passado com ele na viagem aos Estados Unidos em 1965, com o Orfeão Académico. Como era ainda novato, só o chamavam quando não havia mais ninguém! Não foi, pois, actuar na televisão americana. Ficou fulo e exigiu junto da direcção que o mandassem de volta a Portugal, a não ser que lhe pagassem o mesmo que tinham pago aos outros. A presidência tinha-lhe oferecido cinco dólares para o calar, mas acabou por receber os mesmos cento e cinquenta que os outros.
Depois de voltar, constatou que os organismos académicos continuavam a chamá-lo apenas quando não havia mais ninguém. Usou então um estratagema, uma vez que verificou que quando iam ter com ele estavam mesmo aflitos. Começou a exigir dinheiro por cada actuação - à volta de cinco contos.
Carlos Figueiredo telefonou-me a dizer que Artur Paredes estava aborrecido comigo por não ter aparecido. De facto não pude ir, pois meteram-se de permeio uns exames orais e uma ida a Espanha com a família. No próximo ensaio lá estarei.
Fui convidado pelo Durval Moreirinhas a gravar para a semana um LP com Rui Gomes Pereira a cantar. Vão colaborar também António Parreira, José Luís Nobre Costa e Francisco Gonçalves, cultores do Fado de Lisboa. É um disco para a emigração, diz o Rui. Será gravado numa segunda-feira que é o dia de descanso das Casas de Fado.
A minha paciência por vezes é ilimitada. Vejam só o que agora encontro no bloco de notas: Hoje dei-me ao trabalho de contar o número de notas que tem o “Movimento Perpétuo” de Carlos Paredes. São 696 até à suspensão, mais 106 até final, o que dá 802. O tempo de execução é de 75 segundos. Dividindo, dá 10,7 notas por segundo, aproximadamente. Já tinha chegado a este resultado, como referi atrás, utilizando apenas uma amostra.
Vou gravar o LP com o Rui Gomes Pereira. Tivemos dois dias de ensaios, e apenas eu e o Durval Moreirinhas. Os outros ensaiam no próprio estúdio.
Lá estivemos a gravar não na segunda, mas na quarta e sexta-feira, pois só eu o Durval e o Rui comparecemos. Pelo que ouvi, os restantes elementos vão gravar por cima do que fizemos. Ainda faltam números. Não sei quais, pois o Rui ainda está indeciso. É a minha primeira gravação. Serão todas assim de improviso? Penso que não. Isto deve ser à moda de Lisboa!
Voltei hoje a casa de Artur Paredes. O Sol maior já está diferente outra vez. Cortou-lhe um grande bocado com características um pouco folclóricas e introduziu-lhe uma parte nova. Para mim, melhorou com a troca.
No ensaio, deu-me um cavalete para pôr na guitarra de Carlos Figueiredo (Kim Grácio) – ando agora a tocar com ela – para ver se melhora o som.
Artur Paredes usa nas guitarras dois cavaletes com alturas diferentes, um para a época fria outro para a quente.
Finalmente chegou ao fim a gravação de Rui Gomes Pereira. Tudo muito improvisado, mas lá se chegou ao fim. O resultado não pode ser o melhor!
Convenci-me que tocar guitarradas “piano” faz aumentar a agilidade dos dedos. Lembro-me dos ralhetes que Piñero Nagy me dava quando começava na viola a tocar “forte”. Dizia que se tocasse “piano” também era capaz de tocar “forte”. Penso agora que o inverso pode não ser verdadeiro!
Voltei a interessar-me pela composição, depois de alguns meses de interregno. Peguei no que já tinha elaborado para um teatro infantil e continuei-o. Estou a gostar. A peça vai chamar-se “Marionetas”.
Novamente em casa de Artur Paredes. Novamente o Sol maior modificado! Na semana passada tinha “jurado” que não lhe mexia mais! Hoje voltou a “jurar” o mesmo. Carlos Figueiredo continua a ser o alvo da “ira” de Artur Paredes. Cada vez que se engana, ouve um sermão.
Fui hoje convidado pelo Durval Moreirinhas a ir tocar a uma reunião de columbófilos, no Barreiro. Foi Barros Madeira que lhe falou, na qualidade de presidente da zona sul columbófila. Fiquei a saber que Barros Madeira é médico e que quando começou a exercer clínica foi para o consultório de um médico bastante idoso, que morreu passado um ano. Então ele herdou toda a aparelhagem e clientela, que era muito grande, ficando a pagar por mês, à viúva, uma quantia acordada entre ele e esta. Nas horas vagas ainda continua a cantar o “Fado de Coimbra”, com aquela voz magnífica de tenor.
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