Capa do CD "António de Almeida Santos - Coimbra no Outono da Voz", uma edição Profissom, saído em 2004(?). Canta Almeida Santos, acompanhado por Durval Moreirinhas, Teotónio Xavier, Carlos Couceiro, Alexandre Bateiras, Rodrigues Rocha, Samuel, José Niza e Paco Bandeira. Almeida Santos mostra aqui a sua faceta de intérprete do "Fado de Coimbra", com a sua voz melodiosa, suave, aveludada, com uma dicção espantosa, a mostrar que o Inverno da Voz ainda está longe. Os acompanhantes estão perfeitamente à altura: mostram uma grande maturidade no domínio instrumental. Teotónio Xavier tem aqui uma perfeita interpretação do "Ré menor" de Almeida Santos, com belíssima sonoridade e boa interpretação. Registam-se ainda, neste disco, alguns inéditos interessantes.
Vou transcrever o que Almeida Santos escreveu na capa do CD:
"Dir-se-á, com razão, que já tenho idade, e até estatuto, para ter juízo. E que gravar com a sanfona já rouca do meu ténue fio de voz, um CD de canções de Coimbra, é prova provada de que só tenho a idade. O juízo não!
Confesso esse pecado! Mas não resisti à sedução que ele exerce sobre mim.
É claro que o gravei só para poder oferecê-lo aos que me são queridos. Não à procura de notoriedade, que aliás não estaria nunca ao meu alcance.
Melhor dizendo: para poder deixá-lo aos que, mais tarde, possam sentir gosto em recordar-me - os filhos, os netos, os amigos. A voz é a recordação mais fielmente transmissível. Ela poderá ser ouvida, sem limite de tempo, com a mesma sonoridade com que foi gravada. Nessa medida é a mais fiel ilusão de uma presença. Tudo o mais se esfuma: as recordações gastam-se, as saudades morrem, e os escritos, mesmo quando fieis ao pensamento que os animou, não devolvem a quem os lê - e serão cada vez mais raros - a sombra sequer de uma presença.
Não assim a voz. Essa, na fidelidade do seu registo, traz de novo o cantador.
Acresce que eu gravei a expressão musical de uma faceta que é comum a muitos dos meus amigos: a ligação afectiva a Coimbra e à sua canção. E embora sem a esperança de que esse sentimento seja partilhado por quem não cabe em tão romântica moldura, assumo a coragem dessa sinceríssima paixão, sem receio de que me chamem lírico, antes orgulhoso desse já pouco comum defeito. É bom que alguém resista à vaga de materialismo acéfalo que parece querer dirigir o mundo.
É uma voz outonal a que registo, já sem a sonoridade de outrora. Mas é a que me sobra. Já não tenho outra. E cada um vai às cantigas com as cordas vocais que tem. Registo também umas variações em ré menor, para guitarra, que compus nos meus recuados tempos de aprendiz de guitarrista. Disso não passei. Interpreta-a fielmente o Teotónio Xavier, que os meus dedos já não têm a agilidade que tinham. Completo assim o registo da modesta vocação musical de quem nunca soube uma nota de música.
Ninguém, no meu tempo, tocava ou cantava por música a canção de Coimbra. Nem o grande Artur Paredes, que já tarde conheci, e episodicamente acompanhei em encontros de amigos. Devo uma palavra de agradecimento aos instrumentistas que me dedicaram horas de confraternização e provas de amizade que não mais esqueço. E um pedido de compreensão aos poetas e compositores que em vão tentei interpretar como eles mereciam: aos ainda vivos e à memória dos que já se foram.
Uma última homenagem: a essa Coimbra, a cidade que mais amo, onde brotou, e corre mansamente, como as águas do seu rio, a seiva poética e lírica - mas revolucionária quando foi preciso - que inspira a mais bela canção portuguesa.
Tentei meter neste "envelope" um pouco de mim mesmo. Endereço: o dos meus familiares e amigos."
Confesso esse pecado! Mas não resisti à sedução que ele exerce sobre mim.
É claro que o gravei só para poder oferecê-lo aos que me são queridos. Não à procura de notoriedade, que aliás não estaria nunca ao meu alcance.
Melhor dizendo: para poder deixá-lo aos que, mais tarde, possam sentir gosto em recordar-me - os filhos, os netos, os amigos. A voz é a recordação mais fielmente transmissível. Ela poderá ser ouvida, sem limite de tempo, com a mesma sonoridade com que foi gravada. Nessa medida é a mais fiel ilusão de uma presença. Tudo o mais se esfuma: as recordações gastam-se, as saudades morrem, e os escritos, mesmo quando fieis ao pensamento que os animou, não devolvem a quem os lê - e serão cada vez mais raros - a sombra sequer de uma presença.
Não assim a voz. Essa, na fidelidade do seu registo, traz de novo o cantador.
Acresce que eu gravei a expressão musical de uma faceta que é comum a muitos dos meus amigos: a ligação afectiva a Coimbra e à sua canção. E embora sem a esperança de que esse sentimento seja partilhado por quem não cabe em tão romântica moldura, assumo a coragem dessa sinceríssima paixão, sem receio de que me chamem lírico, antes orgulhoso desse já pouco comum defeito. É bom que alguém resista à vaga de materialismo acéfalo que parece querer dirigir o mundo.
É uma voz outonal a que registo, já sem a sonoridade de outrora. Mas é a que me sobra. Já não tenho outra. E cada um vai às cantigas com as cordas vocais que tem. Registo também umas variações em ré menor, para guitarra, que compus nos meus recuados tempos de aprendiz de guitarrista. Disso não passei. Interpreta-a fielmente o Teotónio Xavier, que os meus dedos já não têm a agilidade que tinham. Completo assim o registo da modesta vocação musical de quem nunca soube uma nota de música.
Ninguém, no meu tempo, tocava ou cantava por música a canção de Coimbra. Nem o grande Artur Paredes, que já tarde conheci, e episodicamente acompanhei em encontros de amigos. Devo uma palavra de agradecimento aos instrumentistas que me dedicaram horas de confraternização e provas de amizade que não mais esqueço. E um pedido de compreensão aos poetas e compositores que em vão tentei interpretar como eles mereciam: aos ainda vivos e à memória dos que já se foram.
Uma última homenagem: a essa Coimbra, a cidade que mais amo, onde brotou, e corre mansamente, como as águas do seu rio, a seiva poética e lírica - mas revolucionária quando foi preciso - que inspira a mais bela canção portuguesa.
Tentei meter neste "envelope" um pouco de mim mesmo. Endereço: o dos meus familiares e amigos."
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