quinta-feira, maio 12, 2005

Registos fonográficos de Lucas Rodrigues Junot (1902-1968)

Por António Manuel Nunes

Os registos fonográficos efectuados pelo cantor e guitarrista Lucas Junot decorreram em Londres, nos estúdios Columbia, no mês de Maio de 1927. O cantor deslocou-se propositadamente a Londres de barco, acompanhado por Abel Negrão (aclamado executante de violão com cordas de aço do Fado de Lisboa). Além de ter vocalizado os temas, Junot executou a guitarra de acompanhamento, instrumento que aprendera a dedilhar rudimentarmente com o seu amigo Francisco da Silveira Morais.

Inventário

Referência: Columbia 8101-WP189
(Columbia 5016-B-WP 189, edição brasileira)
(Columbia 1035-X-WP 189, edição norte americana)
Título: Triste (fado)
Incipit: Ai daqueles que só amam
Música: Fortunato Roma da Fonseca
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de João Silva Tavares
Data: circa 1915-1920

Ai daqueles que só amam
Ou são ceguinhos na estrada
Mas pior os que não amam
E não são cegos nem nada.

Da miséria e da desgraça
Não te rias, meu amor:
O pobrezinho que passa
Pode ser Nosso Senhor.

O primeiro registo fonográfico conhecido remonta a 1926, numa vocalização protagonizada pelo estudante de Direito António Batoque (78 rotações Columbia). Batoque segue uma interpretação menos afadistada do que a de Junot, convocando duas quadras do poeta Júlio Brandão mais tarde apropriadas ad libitum por Florêncio de Carvalho no seu “Vento não batas à porta”:

Vento não batas à porta
Que ela julga que sou eu
É uma quimera morta
Não chames por quem morreu.

Ó vento, não metas medo
Ao que aí está p’ra morrer
Não arranques um segredo
A quem não quere viver.

Este tema também foi gravado por José Paradela de Oliveira em 1927, nas matrizes His Master’s Voice EQ 82 e His Master’s Voice Victor 81460/master 7-62175. Porém, Paradela de Oliveira interpreta uma letra totalmente diferente da adoptada por Lucas Junot:

Assim chego a teus pés
Curada da dor levada
Como já chegaste aos meus
Sem alma e asas, sem nada.

A luz desse olhar tristonho
Que ninguém tem, faz lembrar
Essa luz feita de sonho
Que a Lua deita no mar.

Canção musical estrófica, assente em duas quadrinhas de sete pés (redondilha maior), de pendor tristonho e afadistado, cuja letra se aproxima dos temas à época glosados no Fado de Lisboa. Não existem informações disponíveis sobre o autor da música, bastante conhecido graças ao título Fado de Santa Cruz. Trata-se de um fado em modo menor, de claras reminiscências lisboetas, no estilo dos fadinhos lamentosos divulgados a nível regional pelos ceguinhos de feira.

Referência: Columbia 8101-WP192
(Columbia 5016-B-WP 192, edição brasileira)
(Columbia 1035-X-WP 192, edição norte americana)
Título: Vira de Coimbra (vira)
Incipit: Coimbra p’ra ser Coimbra
Música: popular
Letra: popular
Data: anterior ao século XVIII

Coimbra, p’ra ser Coimbra
Três coisas há-de contar
Guitarras, tricanas lindas
E um estudante a cantar.

Ó Portugal trovador
Ó Portugal das cantigas
Tuas canções têm a cor
Da boca das raparigas.

Ó Portugal que mais queres
Que mais podes desejar,
Quem tem tão lindas mulheres
O teu fado, o teu luar?

Dizem que amor de estudante
Não dura mais que uma hora
Só o meu é tão velhinho
E inda não se foi embora.

Moda coreográfica tradicional de Coimbra, ocorrendo na cidade e povoados circundantes com variações sobre o mesmo padrão melódico. Trata-se de um descante em compasso 3/8 e modo maior, alegre e vivaz, forçadamente incorporado na Canção de Coimbra, quando o seu lugar por excelência é a Música Tradicional de Coimbra. Nos séculos XVIII e XIX era frequentemente cantado, com quadras livres, pelos estudantes em convívios informais, tabernas e bordeis. O Vira de Coimbra mereceu ao guitarrista Reinaldo Varela uma “variação” instrumental, indicando o autor num dos seus métodos de guitarra a respectiva tablatura. A quadra Ó Portugal que mais queres foi adaptada em Coimbra a partir da Canção do Ribatejo, anterior a 1917. Esta variante académica do Vira de Coimbra seria regravada por José Afonso, Fernando Machado Soares, José Mesquita e José Miguel Baptista, intérpretes que não cantam as mesmas quadras do repertório Junot, ou quando as cantam, as mesmas apresentam variantes/adulterações por via da transmissão oral.

Referência: Columbia 8102-WP193
Título original: Fado Maria (serenata)
Incipit: Fecha os olhos de mansinho
Título vulgarizado: Fado Manassés
Título adoptado: Um Fado de Coimbra
Música: Manassés de Lacerda Botelho
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de Vicente Arnoso
Data: cerca de 1902-1904

Fecha os olhos de mansinho
(Ai2) Não os abras para ver
Que a vida de olhos fechados
(Ai2) Custa menos a viver.

Os teus olhos são tão lindos (original de 1907: O teu olhar é tão doce)
(Ai2) Que me lembram não sei bem
Se a mãe de Nosso Senhor
(Ai2) Se a minha mãe que Deus tem.

Serenata dos inícios do século XX, em modo maior. A letra original, e que consta da respectiva partitura, era bem mais extensa. Precise-se que nem Lucas Junot, nem António Menano, gravaram a letra original do Fado Maria. O autor da melodia, Manassés de Lacerda Botelho (1885-1962), estudou no Liceu de Coimbra entre 1901 e 1904, tendo feito parte da Tuna Académica. Residindo no Porto, gravou entre o 2º semestre de 1906 e 1907 inúmeros discos de 78 rotações para a Companhia Francesa de Gramophone e para a Beka-Grand-Record. A primeira matriz sonora do Fado Maria foi gravada pelo tenor Manassés de Lacerda no disco Gramophone 52063. Esta letra é, com diminutas alterações, a mesma que na segunda metade da década de 1950 Fernando Machado Soares incorporou no conhecido Fado do Estudante (gravado em 1957 por Luís Goes). A 2ª quadra acha-se publicada por Vicente Arnoso em Cantigas para as raparigas de Coimbra, Coimbra, Lytographia e Typographia Corrêa Cardoso, 1907. Vicente Arnoso, na obra Cantigas... leva-as o vento, Porto, 1916, pág. 82, modificou o primeiro verso para “Os teus olhos são tão lindos”. Com esta variante também aparece na Cantiga da Beira, da autoria do músico e amigo de Arnoso, Alberto Sarti (edição Sassetti).

Referência: Columbia 8102-WP195
Título: Fado de Santa Clara (serenata)
Incipit: Eu ouvi, de Santa Clara
Música: Francisco Paulo Menano
Letra: Lucas Rodrigues Junot
Data: cerca 1923

Eu ouvi, de Santa Clara,
Lamentos de alguém que chora; (canta “Gemidos”)
(Ai1)Era a Rainha pedindo
(Ai2) Por mim a Nossa Senhora.

Com pena, Nossa Senhora,
Chorando, pediu-me, um dia,
(Ai1)Que não chorasse, cantando,
(Ai2) Que aos anjos entristecia. (canta “os”)

São simples estes teus versos,
Que os anjos entristecia.
Fazes deles os seus terços,
À noite, quando ao deitar.

Canção musical estrófica em compasso quaternário e modo maior, posteriormente regravada nas vozes de João Barros Madeira e Manuel Duarte Branquinho. Lucas Junot apenas gravou as duas primeiras quadras. O texto original completo vem publicado em Lucas Junot, Cantos Outonais (poesias)/ Edição Póstuma, Santos, 1977, pág. 72. Tema também gravado por José Paradela de Oliveira em Maio de 1927, Lisboa, acompanhado por Francisco da Silveira Morais (g) e António Dias (v), no disco His Master’s Voice EQ 174. O registo de Barros Madeira, comercializado em 1962, encontra-se no EPF Discos Rapsódia 5.187, Porto, com adulteração da 2ª quadra e atribuição errada a António Menano. A vocalização protagonizada por Barros Madeira é notável, com a parte instrumental a cargo de António Portugal e António Pinho Brojo (guitarras), e Jorge Moutinho (viola de cordas de nylon). No ano de 1961, Barros Madeira acompanhou o Orfeon em digressão aos EUA tendo obtido retumbante aplauso com Fado de Santa Clara. A versão Barros Madeira reaparece na colectânea LP Rapsódia LDF 006/Coimbra Serenade, sem indicação de data. Também reeditado no CD Coimbra Serenade/Edisco ECD 5, e no CD Fado de Coimbra/nº 2/Ediclube/1999.

Referência: Columbia 8103-WP190
Título: Fado Sepúlveda
Incipit: Dizem que amar é viver
Música original: Júlio César Afonso Sepúlveda
Versão musical coimbrã: autor desconhecido
Letra: 1ª quadra de Carlos Amaro e João Lúcio Pousão Ferreira; 2ª quadra popular
Data do original: cerca de 1899/1900
Data da adaptação coimbrã: cerca de 1910-1915

Dizem que amar é viver (original: Dizem que amar é morrer)
Mas mesmo morte que fosse (original: E mesmo morte que fosse)
Que m’ importava morrer (original: Se acaso amar é tão doce)
Pois que o amar é tão doce (original: Quem me dera a mim morrer)

Se os meus olhos t’ incomodam
Quando estão à tua frente
Eu prometo arrancá-los
Para te amar cegamente.

Fado de origem lisboeta, localmente aclimatado com encurtamento da linha melódica, vertida em modo maior, correspondente à primeira parte da versão original.
A 1ª quadra veio publicada na revista Illustração Portugueza, Volume III, de 22 de Julho de 1907, página 130, embora seja anterior a esta data (cerca de 1902-1903). A versão adoptada por Lucas Junot constitui um estropiamento do original. A 2ª quadra faz parte do folclore de Ançã, Concelho de Cantanhede, integrando a letra da moda popular Penteei o Meu Cabelo. Ali canta-se da seguinte forma: Se os meus olhos te incomodam/Quando estão na minha frente/Ai, ai, ai, eu consigo arrancá-los/Ai, ai, ai, e amar-te cegamente (Cf. CD Do Terreiro à Fonte, Grupo Típico de Ançã, AGT 00500, 2000, moda nº 9). Além de Ançã, a 2ª quadra, com ou sem variantes literárias, foi detectada nos cancioneiros populares do Algarve, Vila Velha de Ródão, Castelo Branco, Ovelha do Marão e Oliveira do Bairro.
A única regravação conhecida deste espécime foi protagonizada pelo cantor Alfredo da Glória Correia, na antologia Tempos de Coimbra/Oito Décadas no Canto e na Guitarra (1984), produzida pelo grupo de António Portugal/António Brojo, cumprindo assinalar que Alfredo Correia não respeita a versão literária seleccionada por Lucas Junot.

Referência: Columbia 8103-WP193
Título: Fado dos Passarinhos (canção)
Incipit: Passarinho da Ribeira
Música: António Paulo Menano
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de António Correia de Oliveira; 3ª quadra de autor desconhecido
Data: 1918

Passarinho da ribeira,
Se não és meu inimigo,
Empresta-me as tuas asas,
Deixa-me ir voar contigo.

Coração és como um sino
Na igreja do sentimento
Ora bates de tristeza
Ora de contentamento.

Ao longe, cortando o espaço,
Vai um bando de andorinhas...
Que te leva um abraço
E muitas saudades minhas.

Anteriormente aos registos fonográficos de António Menano (Paris, 1927) e Lucas Junot (Londres, 1927), Fado dos Passarinhos conheceu 12 edições em partitura, com a chancela do Salão Mozart (Lisboa), também comercializadas no Brasil.
Na partitura, dedicada “ao muito amigo Marcos Pinto Basto” António Menano é apontado como autor da música. Mas será efectivamente António Menano o autor desta melodia? A dúvida é pertinente, dado que em 1912 a Litografia e Tipografia Correia Cardoso, sediada na Rua Cândido dos Reis, nº 15, Coimbra, editou Fado dos Passarinhos em bilhetes postais, custando cada um 20 réis.
Não tendo localizado em arquivo exemplares da edição de 1912, cremos que o espécime de 1912 é diferente do de 1918. António Menano não foi propriamente uma figura modelar no que toca a indicação rigorosa de autorias. Sabe-se que se apropriou de peças de Alexandre Rezende e de seus irmãos Francisco e Horácio Menano. Quando se trata de partituras comerciais de autor diverso, mas cantadas por António Menano, a referência habitual é “por António Menano”. Quando a música é efectivamente de António Menano, a referência é “de António Menano”.
A autoria da 1ª e 3ª quadras é igualmente desconhecida, pese embora o facto de a 1ª quadra ter sido detectada na Ilha das Flores pelo poeta e recolector Armando Cortes Rodrigues (in Cancioneiro Geral dos Açores), e ainda em Castro Marim (Cf. Cancioneiro Popular do Algarve). António Menano na sua gravação omitiu a 2ª quadra.


Referência: Columbia 8104-WP194
Título: Fado Rezende
Incipit: Ao morrer os olhos dizem
Música: Alexandre Rezende
Letra: Manuel Fernandes Laranjeira
Data: cerca 1912

Ao morrer, os olhos dizem:
Pára, Morte e s’ pera aí... (original: Sempre o mesmo: - Espera ahi!)
Vida, não vás tão depressa,
Que eu ainda te não vivi. (original: Que ainda não te vivi)

E a Vida vai, e a Morte, (original: E a Vida passa, e a Morte)
É que responde em vez dela:
Mas que culpa tem a vida
De que não saibam vivê-la? (original: De não saberem vivê-la?)

A composição de árias autobiográficas (celebrativas de guitarristas e cantores) é uma moda importada do Fado de Lisboa, com radicações no mito da Severa (vide Fado da Severa). Localmente foi cultivada por Augusto Hilário, Manassés de Lacerda e Alexandre Rezende. A vaga dos “fados” autobiográficos em Coimbra ocorreu no Período Ultra-Romântico (circa 1890-1930), justamente aquele que, pelo teor das práticas estéticas e representações mentais dos seus agentes, menos se distancia do Fado de Lisboa.
José Paradela de Oliveira também gravou este mesmo tema, alterando o título para Fado da Vida (fonograma His Master’s Voice EQ 85, master 7-6271, ano de 1927), com letra praticamente idêntica. Levantam-se dúvidas quanto à autoria da letra. Segundo declarações prestadas pelo filho de Rezende a Divaldo de Freitas, o autor da letra seria o próprio Alexandre Rezende (Cf. Divaldo de Freitas, Emudecem rouxinóis do Mondego, São Paulo, Editora Comercial Safady, 1972, pág. 29). Porém, o verdadeiro autor do poema cantado de forma estropiada por Lucas Junot, e erroneamente atribuído ao engenho de Alexandre Rezende, é Manuel Fernandes Laranjeiro. Manuel Laranjeiro nasceu em Vergada, Concelho de Santa Maria da Feira, a 17 de Setembro de 1877 e suicidou-se em Espinho no dia 12 de Novembro de 1912. Que conste, não estudou em Coimbra. Fez estudos superiores no Porto, tendo terminado o curso de Medicina na Escola Médico Cirúrgica em 1904, com a dissertação A doença da santidade. Ensaio psicopatológico sobre o misticismo de forma religiosa. Poeta, autor de peças de teatro, as suas crenças e produção cultural reflectem o decandentismo pessimista e o tédio existencial comum a muitos intelectuais portugueses amadurados na transição do século XIX para o século XX. A sífilis incurável ter-lhe-á apressado o fim. As duas quadras em epígrafe constam de O último diálogo.

Referência: Columbia 8104-WP 196
Título: Fado Corrido de Coimbra (fado-corrido)
Incipit: Coimbra, rio Mondego
Música: autor desconhecido
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de Augusto Hilário; 3ª quadra popular
Data: inícios do século XX

Coimbra, rio Mondego
Choupos, sinos ao luar
Santa Isabel deu-te rosas
E saudades a adejar.

A minha capa velhinha
É da cor da noite escura (original: Tem a cor da noite escura)
Quero ir nela amortalhado (original: Não a quero por mortalha)
Quando for p’rá sepultura.

Hei-de perguntar um dia
Ao vento o que diz às flores
Para saber se é só uma
Esta linguagem d’amores.

O fado corrido, que não se dilui nem confunde com as tradicionais desgarradas ou desafios populares, configura uma das estruturas padronizadas do núcleo duro do fado castiço de Lisboa (a par do Menor e do Mouraria). Detectado episodicamente em Coimbra, o fado corrido é algo de exógeno e de contingente à identidade da Canção de Coimbra. A tentativa de emprestar ao presente espécime o etno-estilo vocal coimbrão não consegue disfarçar-lhe as raízes lisboetas. Tal qual foi gravado por Lucas Junot, Fado Corrido de Coimbra é uma peça concebida em compasso quaternário e tom de Si Bemol Maior, com acompanhamento harpejado. Porventura sucedâneo dos primitivos fados coreográficos, o corrido obedece a um padrão fixo que apenas autoriza “estilizações” consoante a personalidade do cantor. Ora, na Canção de Coimbra não existem subgéneros fixos, mas tão somente tendências. Por conseguinte o corrido não só não está na origem da Canção de Coimbra como também não pertence à sua multímoda estrutura musical.


Fado Corrido de Coimbra voltou a fazer época na década de 1960, nas vozes de Casimiro Ferreira e António Bernardino. O registo de Casimiro Ferreira, da primeira metade de sessenta, foi editado no EPF 5.084 Rapsódia, com o título Fado Corrido de Coimbra. Asseguraram a parte instrumental António Portugal e Eduardo Melo (guitarras), Manuel Pepe e Paulo Alão (violas de cordas de nylon). Neste 45 rotações, a autoria da música vinha expressamente indicada “António Portugal/Popular”, o que não deixa de constituir erro, pois António Portugal não poderia ser autor de uma peça largamente anterior ao nascimento daquele guitarrista. António Portugal foi, isso sim, autor do arranjo instrumental de guitarra que acompanha a gravação de Casimiro Ferreira, proposta aliás esteticamente discutível, uma vez que fere o padrão de acompanhamento primitivo. Explicitando, o Corrido obedece a um padrão rítmico e um esquema harmónico fixos, com um padrão de acompanhamento igualmente fixo que consiste na repetição de um breve motivo melódico.
A interpretação de António Bernardino consta do EP Fado Corrido de Coimbra, OFIR AM 4.101, Porto, 1967 (guitarras de Nuno Guimarães/Manuel Borralho; violas de Jorge Rino/Rui Borralho). Traz a indicação genérica de “popular” para a música e letra, o que não é correcto, acrescida da nota “arranjo de Rui Pato”. A terceira quadra vocalizada por Bernardino (Coimbra, terra de encantos) é da autoria de Armando Cortes Rodrigues. Fonograma reditado no CD Fados e Baladas de Coimbra/Recordando Nuno Guimarães, OFIR DAS-CD-401, Porto, 1997. Com duração de três minutos e cinco segundos, o registo concretizado pelo barítono José Miguel Baptista constitui a faixa nº 1 do LP Portugal: Fados from Coimbra (Holanda, Philips, 1965), com Eduardo de Melo, Ernesto de Melo e Durval Moreirinhas. Na ficha técnica figura indicação singela de “popular”.
Com o título simples de Fado Corrido ocorre no LP POLYGRAM/Fhilips 830 371-1, editado em 1986 por Fernando Machado Soares (Coimbra tem mais encanto), estando a parte instrumental a cargo do guitarrista do Fado de Lisboa José Fontes Rocha e Durval Moreirinhas (viola).
A versão literária coimbrã tem sofrido alterações, facto compreensível, numa peça com natureza de descante, em que as quadras podem ser improvisadas no momento ou cantadas à desgarrada entre dois e mais cantores. Uma quadra que se veio a tradicionalizar neste fado, pela década de 1950, foi justamente Coimbra terra d’encantos, da autoria do poeta açoriano Armando Cortes Rodrigues.

A estética de Lucas Junot

Nascido no Brasil, filho de emigrantes, Lucas Junot foi em Coimbra uma voz de “exílio” que se aclimatou (1914-1927). Discípulo do guitarrista Francisco da Silveira Morais, Junot fez a sua iniciação na guitarra toeira de 17 trastos um pouco antes de 1920, ainda com uso da afinação natural. A sua técnica, de digitação rudimentar, nunca foi além do virtuosismo de sol-e-dó, radicando no emprego de acordes simples com alternância do esquema tónica/dominante.
Junot afirma-se na continuidade de uma tradição de guitarristas-cantores que soíam autoacompanhar-se sentados em palco, ou tanger a guitarra suspensa do pescoço por um cordel. No entanto, aquilo que fora tido como suprema virtude na época de Hilário, perdera acuidade da década de 1920, em confronto com os novos contributos trazidos por Artur Paredes. Francisco Serrano Baptista, João Gonçalves Jardim e Manuel Duarte Branquinho foram os derradeiros protagonistas desta arte.
Cantor, Junot não foi exactamente o criador de um estilo vocal individualizado. Terá recebido influências de seu irmão Jaime Junot e de António Menano. Procurando respeitar a pronúncia escorreita de Coimbra, Junot resvala para escolhos peculiares, exemplificados na excessiva abertura de vogais e na conversão do E em I (Sinhóra; Impresta-me).
Primeiríssimo tenor, de timbre nazalado, Lucas Junot era dotado de aparelho fónico invulgar, navegando com grande à vontade nos graves e transitando para registos agudos com extraordinária facilidade. Conseguia cantar quase um tom acima da voz de António Menano, e nos registos mais agudos não precisava de recorrer ao falsete, a tal ponto que em Fado Sepúlveda se aproxima de limites reservados às sopranos. Junot ultrapassa o chamado Dó de Peito, vai ao Ré – na afinação coimbrã trata-se do Mi, com a peculiaridade da subida vocal para atingir tal nota constituir uma sexta aumentada. Proeza notável, pois tais subidas vocais são extremamente difíceis, sobretudo quando se aproximam do limite superior da tessitura da voz (a maioria dos vocalistas locais opta por cantar um ou meio tom mais baixo).
Cultor da arte pela arte, posicionado à margem de qualquer questionamento das eventuais funções sociais da arte, Junot não era um intérprete nem exigente nem selectivo.
O repto crítico, formulado pelo presencista Alberto Serpa em 1929, fala-nos de um artista que tocava e cantava “tudo o que vier à rede é peixe”, “pequenino e efeminado, o rapaz que mais cantou em Coimbra, perdulário, incapaz de negar uma trova a quem quer que fosse”. Detestado pelos modernistas da Presença, Junot não se livraria da alcunha de Gata Miadeira, verrina lançada por Artur Paredes, contra uma voz com queda para o melodrama xaroposo, patética, tristonha e melancólica.
A estética de Lucas Junot, tal como a dos seus colegas ultra-românticos, estava condenada a breve trecho, envelhecida pelo advento das modernidades que lançaram a Canção de Coimbra noutros trilhos. José Paradela de Oliveira foi o seu único e último imitador conhecido. Uma voz invulgar dos dourados anos 20? Sem dúvida! Bem aproveitada? Nem por isso!

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