sexta-feira, julho 08, 2005

Apresentação do GUITOLÃO no Museu do Fado, em Lisboa

Perante uma sala a abarrotar de gente, Gilberto Grácio e António Eustáquio apresentaram o novo instrumento a que Gilberto Grácio deu o nome de Guitolão. Seguem-se as palavras do seu construtor e autor:
“Tinha um projecto antigo que começou por ser uma guitarra barítono, com caixa de tamanho normal, modelo de Coimbra, e com o braço mais comprido seis polegadas de escala. Resultou de uma conversa com Carlos Paredes em 1970 onde, timidamente como era apanágio dele, mostrou vontade de ter uma guitarra com o braço mais comprido, pois lhe dava mais espaço de execução e outras afinações. Não me disse qual o comprimento, mas eu estudei esse desejo e executei a guitarra barítono que vou mostrar. Esta guitarra foi tocada ainda por Carlos Paredes mas em 1974/75 ele pô-la de parte, sem eu saber por quê.
Há já alguns anos que pensei em construir um instrumento diferente, pois alguns executantes da guitarra, não só tocavam a solo como tocavam com orquestra ou grupo de cordas. Havia um vazio, a adaptação não era perfeita. Foi este o motivo que me fez avançar com o projecto do guitolão, tendo no fim a preciosa ajuda de Luísa Amaro que o tocou para eu testar as cordas e a afinação.
Foi assim que António Eustáquio experimentou e ficou fascinado. No passado dia 18 na vila de Marvão, foi inaugurado o instrumento. E por quê Marvão? A história começa em 1987 quando despachei madeiras e outros materiais na Alfândega de Marvão, madeiras essas usadas agora neste instrumento. António Eustáquio é de lá e foi a Senhora Vereadora do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Marvão, Dra Madalena Tavares, à qual agradeço estar presente neste auditório, que me pediu que o guitolão fizesse parte do concerto que seria gravado em DVD e que irá integrar a candidatura de Marvão a Património Mundial da Unesco. É desse concerto com o guitolão executado por António Eustáquio e o Quarteto Ibero-Americano que vão ver e ouvir alguns momentos”.

A primeira peça que se ouviu é de um encanto celestial. António Eustáquio tem aqui uma obra de grande mérito, com uma melodia nos violinos simplesmente divinal. O quarteto é de grande nível.
A segunda peça põe mais em evidência as possibilidades do guitolão, com uma sonoridade surpreendente.
António Eustáquio referiu que o instrumento é maravilhoso, com um equilíbrio fantástico, uma sonoridade com os graves bem definidos, além de ser lindíssimo.
Tocou depois ao vivo, uma peça a solo que, segundo disse, foi para destacar a parte mais grave do instrumento. E que delícia de peça!
Reparei que o istrumento numa gravação fica bem melhor que ao vivo. Ao natural não fiquei totalmente convencido mas depois de ouvir a gravação, mudei de opinião. Gravar com este instrumento é uma boa aposta. Valeu a pena o esforço de Gilberto Grácio. O instrumento, bem executado, basta-se a si próprio.
António Eustáquio tocou de seguida uma peça bem elaborada que pôs em evidência o aspecto melodioso do instrumento.
Seguiram-se esclarecimentos a que Gilberto Grácio respondeu, sempre que achou oportuno. Ficou a saber-se que a afinação do instrumento é Mi, Ré, Lá, Mi, Ré, Sol, das finas para os bordões. A corda mais fina do guitolão soa como o Mi da guitarra de Coimbra, ou seja, se fizermos travessão no quinto ponto, soa como uma guitarra de Coimbra em cordas soltas. Possui 20 trastes e, do cavalete à pestana, vão 24,5 polegadas. A parte interior é totalmente diferente da guitarra normal.
A sessão terminou ainda com outra peça tocada no guitolão por António Eustáquio a que chamou uma adaptação da “Titi” de Carlos Paredes.
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Comentário à sessão de apresentação do guitolão de Gilberto Grácio, por Paulo Soares
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Este construtor de guitarras relatou sucintamente como lhe havia ocorrido a construção do guitolão, justificando-a com a sua sensação de faltar um instrumento de sonoridade intermédia entre a guitarra e o violão. Afirmou tê-lo construído baseado exclusivamente sobre as suas ideias e tendências de design, sem se apoiar em nenhum outro instrumento porventura existente.

O guitolão tem um pouco mais de 60 cm e tiro de corda (distância do cavalete à pestana). A largura da caixa é apenas 1,5 m mais larga que o seu modelo de Lisboa. Não foi respeitada a proporção entre este comprimento e o da porção de corda desde o cavalete ao atadilho (na guitarra moderna é de um terço). Verifiquei que soava uma sexta maior acima da corda solta em vez da quinta perfeita característica das guitarras.
Perguntei-lhe qual o critério para a forma da caixa, ao que GG respondeu ter sido a estética e nada mais. Reforçou dizendo que tentou fazer um instrumento completamente novo.

Depois perguntei-lhe qual o barramento interno da caixa; se havia alguma diferença relativamente aos dois barramentos existentes (de duas e três travessas). Disse que era diferente, apenas. Chegou a afirmar que a rosácea na boca se destinava a embelezar o instrumento.

Sobre o António Eustáquio:

Grande simpatia e grande simplicidade. Qualidades que já lhe conhecia. Assistiu-se a uma gravação vídeo da estreia do guitolão tocado pelo Eustáquio acompanhado de quarteto de cordas. Peças dele, pelo menos uma integrada na sua Suite das Folhas, rearranjada para guitolão e quarteto de cordas, com transposição do arranjo original de uma quinta para o adaptar à afinação do guitolão.

Sobre o Guitolão:

Gostei da sonoridade. Tem grande riqueza de harmónicos, certamente devido ao grande comprimento de corda. É equilibrado e distinguem-se suficientemente bem as notas. Está bem construído. Arrisco-me a afirmar que, de todas as guitarras Gilberto Grácio que conheço, é a que melhor responde acima do 12º trasto, com uma resposta dinâmica agradável.
O instrumento tem sido usado com a afinação do Fado transposta uma quinta (três tons e meio) abaixo da afinação do Fado de Lisboa, resultando nas notas mi3-ré3-lá2-mi2-ré2-sol1 (do agudo para o grave).
Esta afinação não me parece que venha a vingar no instrumento, pois as distâncias entre os pontos é demasiado grande. Sugeri ao Eustáquio o estudo de outras afinações com o que ele concordou. Toquei um pouco e gostei da resposta do instrumento. Acho que com um guitolão conseguiria fazer um acompanhamento completo de Fado de Coimbra, com o carácter grave a que estamos habituados, prescindindo do violão.
Mas guitolão ainda só há um, e pertence ao Eustáquio que vive para as bandas de Portalegre...

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