Capa do CD "Artur Paredes", da etiqueta Movieplay, saído em 2003. É uma remasterização dos dois EPs gravados em 1961 e que estão referenciados, mais abaixo, neste Blog.
Depois dos magníficos discos gravados ainda em 78 rotações, este conjunto de oito temas veio enriquecer, e de que maneira, o panorama guitarrístico de Coimbra.
Vou transcrever o texto incluído na caderno que acompanha o CD, da autoria de José Niza, texto este já fazendo parte dum magnífico livro, pág 79 a 82, "Um século de Fado - Fado de Coimbra II, da Ediclube, editado em 1999.
"Artur Paredes nasceu em Coimbra, a 10 de Maio de 1899 (no mesmo ano que Edmundo de Bettencourt) e morreu em Lisboa, a 20 de Dezembro de 1980, com 81 anos de idade.
Seus pais faleceram quando era ainda muito novo. Iniciou os seus estudos num colégio de Coimbra. Nunca estudou na Universidade e ganhou a sua vida como funcionário de um banco na cidade do Mondego (Banco Nacional Ultramarino), até ter sido transferido para Lisboa, em 1934. Foi ainda em Coimbra que nasceu seu filho, Carlos Paredes.
Artur Paredes foi um guitarrista genial, “o génio revolucionário da guitarra coimbrã”.
Muitos julgarão que a guitarra de Coimbra tenha começado com ele. Mas não é bem assim. Seu pai – Gonçalo Rodrigues Paredes, que se formou na Universidade em 1912, e seu tio, Manuel Paredes – foram seus antecessores na difícil arte de tocar guitarra. Artur Paredes foi, assim, o continuador de uma tradição familiar. Tradição familiar, aliás, cujo testemunho passou a seu filho – Carlos Paredes, outro genial guitarrista.
Segundo Nelson Correia Borges, “Artur Paredes foi o grande fenómeno da guitarra de Coimbra, apartou-a definitivamente da sua irmã de Lisboa, introduzindo-lhe características que melhor se coadunavam com o estilo Coimbrão, designadamente o formato da caixa harmónica. Desenvolveu uma técnica insuperável, de que foi herdeiro seu filho, Carlos Paredes. Introduziu nas suas “variações” a música popular, com predominância da música “futrica” de Coimbra, com extraordinário virtuosismo. Ninguém como ele toca a “Balada de Coimbra”, que passou a encerrar todas as serenatas. Paredes nunca cursou na Universidade, embora a Academia o considerasse como um membro seu”.
De sua profissão “empregado bancário”, Artur Paredes participou em muitos saraus da Tuna e do Orfeon, até ir residir para Lisboa, em 1934.
Em Agosto e Setembro de 1925 (já lá vão 78 anos), Artur Paredes deslocou-se ao Brasil, como “artista adjunto” da Tuna Académica.
Mas para que todos os astros se conjugassem para produzir a “geração de oiro” do Fado de Coimbra, Artur Paredes foi contemporâneo de cantores e autores como Edmundo de Bettencourt, António Menano, Paradela de Oliveira, Lucas Junot e Armando Goes.
Artur Paredes, como já foi referido, não se limitou a ser um genial guitarrista e um excelente compositor – ele deu à guitarra coimbrã novas sonoridades, através de uma investigação persistente e sistemática, apoiada por uma outra geração de grandes artistas da construção de guitarras, a família Grácio.
Sobretudo com Edmundo de Bettencourt (que, segundo Luiz Goes, Paredes preferia a qualquer dos outros cantores da sua geração) Artur Paredes teve intensa colaboração, aliás registada em discos admiráveis, embora gravados com as fracas condições técnicas disponíveis nos anos 1920 e 1930.
É que Artur Paredes, não só reinventou e renovou a guitarra coimbrã, não só criou admiráveis composições, como também reconstruiu a arte de acompanhar as vozes dos cantores de forma sublime. Os seus acompanhamentos, as introduções aos fados, a dinâmica, o clima, as atmosferas musicais com que envolvia o apoio instrumental às vozes dos cantores constituiram uma extraordinária mais valia, que aliás fez escola em guitarristas que lhe sucederam, como foi o caso de António Brojo, António Portugal e Jorge Tuna, para já não referir seu filho, Carlos Paredes.
Uma noite, numa república de Coimbra (já não me lembro qual, nem do ano, mas terá sido em finais dos anos 50) tive a honra de assistir e de participar, tocando guitarra, numa sessão única e ímpar: Artur Paredes acompanhado de seu filho Carlos Paredes e do seu viola de muitos anos, o excelente Arménio Silva. Foi um deslumbramento!
Mas foi, também, a demonstração de que o génio não gostava de repartir ou partilhar a sua arte com mais ninguém, mesmo que se tratasse de seu filho Carlos, na altura já também um genial guitarrista A verdade é que, nessa noite, Carlos Paredes se limitou a acompanhar o seu pai, sem direito a exibir o seu virtuosismo.
Um outro grande guitarrista de Coimbra, o Dr. Afonso de Sousa, contemporâneo de Artur Paredes e também seu 2º guitarra em gravações e espectáculos, deixou escrito o seguinte no seu livro, O Canto e a Guitarra na Década de Oiro da Academia de Coimbra (1920 – 1930), segunda edição ilustrada, 1986:
“A glória de Artur Paredes não reside apenas na excelência da dedilhação, na performance imprimida aos motivos preferidos, quase todos de sua criação, ou no requinte de interpretação com que revestiu temas alheios, em que conferiu auréola de valorização. Seria muito, mas não seria tudo.
A dimensão do seu triunfo espraia-se também na inovação imprimida ao habitual sistema de utilização da mão esquerda, que fez aliar modificações na estrutura do instrumento...
E assim cuidou da modificação anatómica do instrumento, alargando-lhe a escala, elevando o nível de pontuação, aumentando a altura das ilhargas, no objectivo de uma maior pureza de notas, isoladas ou em associação, e duma necessária ampliação do campo de ressonância. E tais resultados obteve que o tipo de guitarras que todos usamos é o de sua inteira responsabilidade.
Não lhe satisfazia a configuração e volume da que herdara de seu pai, aquela com que gravou a já célebre “Balada de Coimbra”, de Mestre Eliseu – guitarra que, por sugestão minha, pronta e gostosamente a ofereceu ao Museu da Associação Académica, mas cuja paragem tudo indicava já ignorar-se.
Quanto ao outro aspecto, o referente ao efeito melódico, travejamento do tema, detonador da frase – à orquestração digamos – atenda-se a que tudo até ali era desenhado, orientado e executado num sentido predominantemente “linear”, curso percorrido de alto a baixo, em que cada corda, isoladamente percutida e dedilhada, preenchia um esquema afim do sistema lisboeta, mais de melodia do que de harmonia.
E é então que este inovador, surpreendendo as virtualidades deste instrumrnto, afinal tão nobre como a viola clássica ou como a harpa, vai criar uma movimentação digital no sentido da lateralidade, antepondo-o ao da verticalidade, assim captando um efeito polifónico, proclamando a supremacia do acorde polivalente, agora possibilitado de incidências dissonânticas (até então desconhecidas), mercê do emprego simultâneo de todos os dedos – e isso é padrão a invocada Balada de Coimbra, com felicidade adoptada como indicativo em qualquer das nossas manifestações académicas.
Estava pois, vencido e ultrapassado um estilo certamente secular, que não passava do mavioso ou do brincado, utilizado embora com apurado talento e fino gosto, mas em que não se conheciam, ou mal se ensaiavam, as nuances que geram a espectativa, revelados no sistema de acordes.
Tal o segredo de Artur Paredes que, sem perder o sentido lírico da veia tradicional do nosso povo, arvorou o pendão da modalidade orquestral da guitarra portuguesa, agora com justificada audiência – Carlos Paredes o demonstrou – em conjuntos sinfónicos, orquestras incluídas.”
Este disco contém oito preciosas guitarradas que Artur Paredes gravou para a etiqueta Alvorada, em 1961, acompanhado por seu filho Carlos Paredes e pela viola de Arménio Silva. Ao tempo, com pouco mais de 60 anos, Artur Paredes atingia uma maturidade exigente, que só raramente o levava aos estúdios de gravação. Aliás, a sua genial e revolucionária obra caracteriza-se mais pela qualidade inovadora das composições do que pela sua vastidão.
Perfeccionista e rigoroso, trabalhava cada tema até à exaustão. E só se expunha ao público – mesmo em disco – quando estava certo de que tudo estava certo.
Estas oito guitarradas – Desfolhada, Dança, Variações em Ré Menor nº 2, Variações em Mi Menor, Variações em Ré Maior, Balada do Mondego, Cantares Portugueses e Passatempo – são do melhor que até hoje se compôs e se tocou na guitarra portuguesa."
Seus pais faleceram quando era ainda muito novo. Iniciou os seus estudos num colégio de Coimbra. Nunca estudou na Universidade e ganhou a sua vida como funcionário de um banco na cidade do Mondego (Banco Nacional Ultramarino), até ter sido transferido para Lisboa, em 1934. Foi ainda em Coimbra que nasceu seu filho, Carlos Paredes.
Artur Paredes foi um guitarrista genial, “o génio revolucionário da guitarra coimbrã”.
Muitos julgarão que a guitarra de Coimbra tenha começado com ele. Mas não é bem assim. Seu pai – Gonçalo Rodrigues Paredes, que se formou na Universidade em 1912, e seu tio, Manuel Paredes – foram seus antecessores na difícil arte de tocar guitarra. Artur Paredes foi, assim, o continuador de uma tradição familiar. Tradição familiar, aliás, cujo testemunho passou a seu filho – Carlos Paredes, outro genial guitarrista.
Segundo Nelson Correia Borges, “Artur Paredes foi o grande fenómeno da guitarra de Coimbra, apartou-a definitivamente da sua irmã de Lisboa, introduzindo-lhe características que melhor se coadunavam com o estilo Coimbrão, designadamente o formato da caixa harmónica. Desenvolveu uma técnica insuperável, de que foi herdeiro seu filho, Carlos Paredes. Introduziu nas suas “variações” a música popular, com predominância da música “futrica” de Coimbra, com extraordinário virtuosismo. Ninguém como ele toca a “Balada de Coimbra”, que passou a encerrar todas as serenatas. Paredes nunca cursou na Universidade, embora a Academia o considerasse como um membro seu”.
De sua profissão “empregado bancário”, Artur Paredes participou em muitos saraus da Tuna e do Orfeon, até ir residir para Lisboa, em 1934.
Em Agosto e Setembro de 1925 (já lá vão 78 anos), Artur Paredes deslocou-se ao Brasil, como “artista adjunto” da Tuna Académica.
Mas para que todos os astros se conjugassem para produzir a “geração de oiro” do Fado de Coimbra, Artur Paredes foi contemporâneo de cantores e autores como Edmundo de Bettencourt, António Menano, Paradela de Oliveira, Lucas Junot e Armando Goes.
Artur Paredes, como já foi referido, não se limitou a ser um genial guitarrista e um excelente compositor – ele deu à guitarra coimbrã novas sonoridades, através de uma investigação persistente e sistemática, apoiada por uma outra geração de grandes artistas da construção de guitarras, a família Grácio.
Sobretudo com Edmundo de Bettencourt (que, segundo Luiz Goes, Paredes preferia a qualquer dos outros cantores da sua geração) Artur Paredes teve intensa colaboração, aliás registada em discos admiráveis, embora gravados com as fracas condições técnicas disponíveis nos anos 1920 e 1930.
É que Artur Paredes, não só reinventou e renovou a guitarra coimbrã, não só criou admiráveis composições, como também reconstruiu a arte de acompanhar as vozes dos cantores de forma sublime. Os seus acompanhamentos, as introduções aos fados, a dinâmica, o clima, as atmosferas musicais com que envolvia o apoio instrumental às vozes dos cantores constituiram uma extraordinária mais valia, que aliás fez escola em guitarristas que lhe sucederam, como foi o caso de António Brojo, António Portugal e Jorge Tuna, para já não referir seu filho, Carlos Paredes.
Uma noite, numa república de Coimbra (já não me lembro qual, nem do ano, mas terá sido em finais dos anos 50) tive a honra de assistir e de participar, tocando guitarra, numa sessão única e ímpar: Artur Paredes acompanhado de seu filho Carlos Paredes e do seu viola de muitos anos, o excelente Arménio Silva. Foi um deslumbramento!
Mas foi, também, a demonstração de que o génio não gostava de repartir ou partilhar a sua arte com mais ninguém, mesmo que se tratasse de seu filho Carlos, na altura já também um genial guitarrista A verdade é que, nessa noite, Carlos Paredes se limitou a acompanhar o seu pai, sem direito a exibir o seu virtuosismo.
Um outro grande guitarrista de Coimbra, o Dr. Afonso de Sousa, contemporâneo de Artur Paredes e também seu 2º guitarra em gravações e espectáculos, deixou escrito o seguinte no seu livro, O Canto e a Guitarra na Década de Oiro da Academia de Coimbra (1920 – 1930), segunda edição ilustrada, 1986:
“A glória de Artur Paredes não reside apenas na excelência da dedilhação, na performance imprimida aos motivos preferidos, quase todos de sua criação, ou no requinte de interpretação com que revestiu temas alheios, em que conferiu auréola de valorização. Seria muito, mas não seria tudo.
A dimensão do seu triunfo espraia-se também na inovação imprimida ao habitual sistema de utilização da mão esquerda, que fez aliar modificações na estrutura do instrumento...
E assim cuidou da modificação anatómica do instrumento, alargando-lhe a escala, elevando o nível de pontuação, aumentando a altura das ilhargas, no objectivo de uma maior pureza de notas, isoladas ou em associação, e duma necessária ampliação do campo de ressonância. E tais resultados obteve que o tipo de guitarras que todos usamos é o de sua inteira responsabilidade.
Não lhe satisfazia a configuração e volume da que herdara de seu pai, aquela com que gravou a já célebre “Balada de Coimbra”, de Mestre Eliseu – guitarra que, por sugestão minha, pronta e gostosamente a ofereceu ao Museu da Associação Académica, mas cuja paragem tudo indicava já ignorar-se.
Quanto ao outro aspecto, o referente ao efeito melódico, travejamento do tema, detonador da frase – à orquestração digamos – atenda-se a que tudo até ali era desenhado, orientado e executado num sentido predominantemente “linear”, curso percorrido de alto a baixo, em que cada corda, isoladamente percutida e dedilhada, preenchia um esquema afim do sistema lisboeta, mais de melodia do que de harmonia.
E é então que este inovador, surpreendendo as virtualidades deste instrumrnto, afinal tão nobre como a viola clássica ou como a harpa, vai criar uma movimentação digital no sentido da lateralidade, antepondo-o ao da verticalidade, assim captando um efeito polifónico, proclamando a supremacia do acorde polivalente, agora possibilitado de incidências dissonânticas (até então desconhecidas), mercê do emprego simultâneo de todos os dedos – e isso é padrão a invocada Balada de Coimbra, com felicidade adoptada como indicativo em qualquer das nossas manifestações académicas.
Estava pois, vencido e ultrapassado um estilo certamente secular, que não passava do mavioso ou do brincado, utilizado embora com apurado talento e fino gosto, mas em que não se conheciam, ou mal se ensaiavam, as nuances que geram a espectativa, revelados no sistema de acordes.
Tal o segredo de Artur Paredes que, sem perder o sentido lírico da veia tradicional do nosso povo, arvorou o pendão da modalidade orquestral da guitarra portuguesa, agora com justificada audiência – Carlos Paredes o demonstrou – em conjuntos sinfónicos, orquestras incluídas.”
Este disco contém oito preciosas guitarradas que Artur Paredes gravou para a etiqueta Alvorada, em 1961, acompanhado por seu filho Carlos Paredes e pela viola de Arménio Silva. Ao tempo, com pouco mais de 60 anos, Artur Paredes atingia uma maturidade exigente, que só raramente o levava aos estúdios de gravação. Aliás, a sua genial e revolucionária obra caracteriza-se mais pela qualidade inovadora das composições do que pela sua vastidão.
Perfeccionista e rigoroso, trabalhava cada tema até à exaustão. E só se expunha ao público – mesmo em disco – quando estava certo de que tudo estava certo.
Estas oito guitarradas – Desfolhada, Dança, Variações em Ré Menor nº 2, Variações em Mi Menor, Variações em Ré Maior, Balada do Mondego, Cantares Portugueses e Passatempo – são do melhor que até hoje se compôs e se tocou na guitarra portuguesa."
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