quarta-feira, setembro 28, 2005

DISCOGRAFIA DE ELISIO DE MATTOS E RESPECTIVAS LETRAS
Por José Anjos de Carvalho

Elísio da Silva Matos (Ovar, 26-06-1893; m. 18-07-1978) concluiu o curso dos Liceus no Porto, em 1912, ano da sua matrícula em Direito na Universidade de Coimbra, cujo curso frequenta até ao 4º ano. Transferiu-se seguidamente para Lisboa onde se licenciou.
Manifestou acentuado gosto pela música desde tenra idade. Aprendeu violino e, depois da vinda para Lisboa, canto. Foi cantor solista e desempenhou destacados papéis em diversas óperas no Teatro Nacional de São Carlos.
Gravou apenas 3 discos de 78 rpm para a His Master´s Voice, no Verão de 1928, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, à viola, pelo Professor Doutor José Carlos Moreira. Nos discos consta apenas o nome de Paulo de Sá como instrumentista, porque o acompanhante à viola preferiu que o seu nome não figurasse nos discos.
Elísio de Matos é autor da letra e da música de um único fado, o fado-canção O Meu Filho (Tive um amor pequenino), cuja letra e outros informes se transmitem no final do texto.

1. DISCOGRAFIA:

Disco His Master’s Voice, E.Q. 149
7-62210 – Fado das Alminhas (Pelas alminhas te peço)
7-62211 – Fado do Abandono (Se tu tens que me deixar)

Disco His Master’s Voice, E.Q. 159
7-62215 – Fado da Cruz (Não há nunca amor perfeito)
7-62216 – Fado de Portugal (Há um cantinho que encerra)

Disco His Master’s Voice, E.Q. 259
30-2379 – Fado do Mar Largo (Ó mar largo, ó mar largo)
30-2380 – Fado das Cotovias (Por eu ser pobre sorrias)


Pelo menos um desses três discos de 78 rpm veio a ser editado nos EUA, sob etiqueta Victor:
Disco Victor, 33002
7-62210 – Fado of the Purgatory (Pelas alminhas te peço)
7-62211 – Fado of the Abandoned (Se tu tens que me deixar)

2. LETRAS:

FADO DAS ALMINHAS
Música: Paulo de Sá, dedicada “Ao Nuno Quental
Letra: Popular (1ª <1903;>copyright de 1929.
I
Pelas alminhas te peço,
Dá devagar os teus passos,
Que debaixo dos teus pés
Anda a minh’alma em pedaços!
II
Ando triste como a noite,
Nada me alegra o sentido…
Ninguém sabe o bem que perde
Senão depois de perdido.
.
Informação complementar:
A quadra «Pelas alminhas te peço» já era considerada popular em 1903, data da 1ª edição do livro “Mil Trovas Populares Portuguesas”, coleccionadas por Agostinho de Campos e Alberto de Oliveira e por estes dedicadas “Às Senhoras Portuguesas”, fonte que constitui a mais antiga de que disponho para o efeito. Encontramo-la também na Enciclopédia das Famílias (Ano XXI, Nº 247, de 1907, pág. 536) e no livro de Jaime Cortesão, “O que o Povo canta em Portugal”, pág. 225.
A Quadra «Ando triste como a noite» já era popular em 1893, data do I volume do “Cancioneiro de Músicas Populares”, de César das Neves. Encontramo-la também em Mil Trovas, Cancioneiro Geral dos Açores (3º volume), Cancioneiro Transmontano e Alto Duriense, Cancioneiro Popular Português e Brasileiro, de Nuno Catarino Cardoso, etc.
.
FADO DO ABANDONO
Música: J. Nunes Pinto
Letra: (?)
Edição musical: Desconheço a sua existência.
I
Se tu tens que me deixar,
Deus eternize o meu sonho,
Mas que nem mesmo a sonhar
Eu sinta o teu abandono.
II
Já que todos os meus ais
Se encerram no teu caminho,
Por alma de quem lá tens
Não me deixes pobrezinho.

FADO DA CRUZ
Música: Paulo de Sá, dedicada “Ao D. Bernardo da Costa”
Letra: Augusto Gil (O Craveiro da Janela, 1920 e Versos, 1898)
Edição Musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1929.
I
Não há nunca amor-perfeito
Sem tortura e sem cuidado.
Amar é trazer Deus no peito
Outra vez crucificado…
II
Amas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente,
Só a mim não tens amor
Que morro por ti somente!

Informação complementar:
A 2ª quadra foi ligeiramente modificada no 3º verso, presumo que por razões de melhoria da prosódia, pois o seu 3º verso, na versão original, é “E a mim não me tens amor”.

FADO DE PORTUGAL
Música: Paulo de Sá, dedicada “Ao Elysio de Mattos”
Letra: Augusto Gil (O Craveiro da Janela, 1920)
Edição Musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1929.
I
Há um cantinho que encerra
O segredo d’amar bem.
É Portugal, minha terra,
Minha terra e minha mãe!
I
Rola que estás arrulhando
À beira do poço fundo,
Eu também sofro e não ando,
A queixar-me a todo o mundo.

Informação complementar:
O Fado de Portugal veio depois a ser gravado sob o título “Nossa Terra”, em 1995, por Augusto Camacho acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe Roxo Ferreira, mas substituiu a 2ª quadra de Augusto Gil por uma outra – “Do Choupal até à Lapa” – de António de Sousa (CD Dr. Camacho VieiraColectânea de Fados, Discossete, 1014-2).

FADO DO MAR LARGO
Música: Paulo de Sá, dedicada “Ao José Paradela
Letra: Popular (1ª <1903;>
Edição Musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1929.
I
Ó mar largo, ó mar largo,
Ó mar largo sem ter fundo,
Mais vale andar no mar largo
Que andar nas bocas do mundo.
II
A sereia quando canta,
Canta no meio do mar;
Quantos navios se perdem
Por causa do seu cantar.
.
Informação complementar:
A quadra «Ó mar largo, ó mar largo» já era considerada popular em 1903, data da 1ª edição do livro “Mil Trovas Populares Portuguesas”, coleccionadas por Agostinho de Campos e Alberto de Oliveira e por estes dedicadas “Às Senhoras Portuguesas”, fonte que constitui a mais antiga de que disponho para o efeito. Encontramo-la também no Romanceiro e Cancioneiro do Algarve, de Francisco de Ataíde Oliveira (1905), pág. 217, Cancioneiro Popular Português, de Leite de Vasconcelos (II Volume), pág.54, Cancioneiro de Entre Douro e Mondego, de Arlindo de Sousa, etc., etc. A quadra «A sereia quando canta» já era tida como popular em 1882, data da publicação de Tradições Populares de Portugal, de J. Leite de Vasconcelos. Encontramo-la também em mais uma dúzia de cancioneiros, entre os quais, o C. Geral dos Açores, C. Popular Português, Cantos Populares Portugueses, de Tomás Pires, C. Entre Douro e Mondego, etc., etc.
No início da década de 40 estava na berra o fado intitulado A Água da Fonte (A água da fonte é louca) cuja música original é a do Fado do Mar Largo. Augusto Camacho, acompanhado à guitarra por Carlos Paredes e, à viola, por António Leão Ferreira Alves, veio a gravar “A Água da Fonte” em Setembro de 1957 (EP Fado de Coimbra – Dr. Augusto Camacho, Columbia, SLEM 2008, editado em 1958). Augusto Camacho voltou a gravar este mesmo fado em 1988, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, á viola, por Aurélio Reis (LP Cantar Coimbra, MBP 7010061) e depois em 1995, com os mesmos instrumentistas, aos quais se juntou Luis Filipe Roxo Ferreira (CD Dr. Camacho Vieira – Colectânea de Fados, Discossete, 1014-2). A letra cantada é ligeiramente diferente nas três gravações e, nas duas últimas, o título que figura é “Água da Fonte”, tout court.
José Afonso gravou o Fado do Mar Largo em 1956, acompanhado à guitarra por António Portugal e Jorge Godinho e, à viola, por Manuel Pepe e Levy Baptista (violões aço), mas a 1ª quadra que canta difere ligeiramente da quadra original do fado e substituiu a 2ª quadra, “A sereia quando canta”, por uma variante literária de uma quadra de Edmundo Bettencourt “Fosse o meu destino o teu”, do fado Mar Alto (EP José Afonso – Coimbra, Alvorada, MEP 60280, editado em 1971).
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FADO DAS COTOVIAS
Música: Paulo de Sá, dedicada “Ao António Bernardo Ferreira
Letra: Augusto Gil (O Craveiro da Janela, 1920)
Edição Musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1929.
I
Por eu ser pobre sorrias
Da minha má condição.
Voam alto as cotovias
– E fazem ninho no chão…
II
Lá por ser de gente fina,
Não me tire a mim do rol.
A Lua é bem pequenina
– E às vezes encobre o Sol.

Informação extra: O Fado de Elísio de Matos e outros informes

Sei, pelo filho, Rui Rodrigues de Matos, que seu pai apenas gravou 3 discos, que a gravação ocorreu entre Agosto e Setembro de 1928 e que quem o acompanhou à viola foi o Professor Doutor José Carlos Moreira, que não quis que o seu nome figurasse nos discos. Os três, Paulo de Sá, José Carlos Moreira e Elísio de Matos eram grandes amigos.
Por ele soube também que seu pai é o autor da música e da letra, de um fado-canção intitulado O Meu Filho (Tive um amor pequenino), único fado que compôs. É um fado bastante triste, feito por Elísio de Matos em memória de um seu filho, que morreu muito pequenino e cuja morte desse menino foi por ele muito sentida. Na biografia dos cantores (cidadevirtual.pt/fado Coimbra) vem a indicação de Elísio de Matos ser autor de um «Fado Triste» pelo que presumo ser o mesmo. A letra é a seguinte:

O MEU FILHO

Tive um amor pequenino
Que pouco tempo durou
E para meu desatino
Deus m’o deu, Deus m’o levou.

(estribilho)
Ter filhos para os perder
É sentir a maior dor,
Andar na vida e não ver,
É ter coração sem amor
.

Se não ter filhos é triste,
Pior é vê-los morrer;
Com filhos a gente existe,
Sem filhos não é viver.

(estribilho)
Ter filhos para os perder
É sentir a maior dor,
Andar na vida e não ver,
É ter coração sem amor.

Tive oportunidade de ouvir e gravar este fado numa sessão em minha casa, na noite de 14 de Março de 1997, cantado por Rui Rodrigues de Matos, acompanhado à guitarra por Carlos Couceiro e Teotónio Xavier e, à viola, por Durval Moreirinhas.

Lisboa, 27 de Setembro de 2005

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