A Canção de Coimbra no século XIX
(Era uma vez... ele há teorias e teorias)
V. Um Património à espera, por António M. Nunes
Património cultural é o conjunto de bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais que, pelo seu reconhecido valor intrínseco, são ou podem vir a ser considerados como de interesse relevante para a permanência e identidade da cultura portuguesa, seja ela nacional ou de âmbito regional.
Até à Revolução de 1974, o Estado e os poderes municipais tiveram do património uma visão estreita, essencialmente alicerçada na ideia de monumento. Visão estreita e monumentalista[1], porquanto o património não se cinge apenas aos castelos, conventos, igrejas, pelourinhos e espólio depositado nas variegadas instituições museológicas. Este estado de coisas começou a sofrer erosões, não tendo cessado de alargar-se depois da Revolução de 1974.
Três anos após os acontecimentos de 1974, o Decreto-Lei 79/77, de 25 de Outubro, cometia às Assembleias Distritais competências para deliberarem sobre problemas atinentes à investigação, inventariação, divulgação e conservação dos valores concelhios. Este diploma terá, porventura, pesado na proposta da Dra. Maria Judite Mendes de Abreu, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra que sacralizou o repto para a realização do 1º Seminário do Fado de Coimbra (1978).
Não obstante as querelas surgidas entre os participantes – para uns, o “chamado Fado de Coimbra” estava definitivamente morto, restando tão só a hipótese de o estudar; para outros, “os clássicos” estavam mortos, devendo revitalizar-se apenas as trovas e baladas de intervenção; para outros, ainda, nada estava morto - , resultou claro que a CC deveria ser entendida na categoria de Património Cultural.
Em Janeiro/Fevereiro de 1978, a RTP exibiu uma série de cinco programas sobre os percursos da CC (“Coimbra Musical”), projecto que suscitou grande interesse e motivação entre os adeptos do género. A propósito da série exibida na RTP e do “1º Seminário do Fado de Coimbra” que se avizinhava para breve, o semanário Expresso enviou a Coimbra o repórter António Luís Peralta. Ouvidos os testemunhos de António Portugal, António Pinho de Brojo e Joaquim Pinho, os entrevistados não hesitaram no emprego da palavra “património” (“O Fado de Coimbra ou a propósito do semi-silêncio dos rouxinóis do Mondego”, Expresso, 11/02/1978).
O mesmo foi afirmado imperativamente por Afonso de Sousa na parte final da palestra O Fado propriamente dito e o chamado Fado de Coimbra. Na sua edição de 21 de Maio de 1978, o Jornal de Notícias efectuou um breve balanço das actividades e propostas desenvolvidas e afloradas na tarde do dia 20 de Maio de 1978. Além do tema apresentado por Afonso de Sousa, tinham sido postos a debate “O canto, a música e a poesia”, “A guitarra e a viola”, “O solo e o acompanhamento”, tendo exercido a função de moderadores Florêncio de Carvalho (música), Manuel Louzã Henriques (poesia), António Portugal (acompanhamento), António Brojo (solo). Durante a primeira sessão fora distribuído um documento intitulado “Achegas para as conclusões do Seminário”, em cujas páginas se podia ler:
-o reconhecimento do valor cultural da CC;
-a necessidade de um plano de salvaguarda urgente;
-a feitura e publicação de uma História da CC;
-a recolha/inventário de “letras” e “músicas”;
-a criação de uma “escola” de formação, ensino e transmissão de conhecimentos;
-a promoção de encontros anuais de antigos e actuais cultores/executantes[2].
Património cultural digno de estudo, preservação e divulgação, assim o entendeu a Câmara Municipal de Coimbra, instituição que nos anos imediatos promoveu novos seminários e apoiou directamente a criação da Escola Municipal do Chiado (1978-1990).
O regime jurídico do património cultural português foi regulamentado pela Lei nº 13/85, de 6 de Julho, em articulação com as directrizes consignadas na Constituição da República Portuguesa. O diploma de 1985 (Lei do Património Cultural Português), não chegava a falar em património musical, embora o artigo 8º, alínea d) permitisse subentender tal interpretação. Competia directamente ao Estado promover o estudo e salvaguarda do património, e incrementar a sua inventariação e protecção, por intermédio do Ministério da Cultura. Mais se adiantava que o processo de classificação poderia ser aberto pelo Estado, regiões autónomas, municípios, ou quaisquer pessoas singulares ou colectivas. O Instituto Português do Património Cultural ficava incumbido das tarefas a realizar, devendo cooperar com as associações de defesa do património.
Por seu turno, os direitos de autor estão regulamentados e protegidos desde longa data. Recordem-se o Decreto-Lei nº 13.725, de 27 de Maio de 1927 (Regime de Propriedade Literária Científica e Artística), e o Decreto-Lei nº 46.980, de 27 de Abril de 1966 (Código de Direito de Autor), diplomas que positivavam normas de protecção de direitos autorais e morais.
A antiga legislação portuguesa sofreria desactualizações decorrentes do confronto com diplomas produzidos no estrangeiro e posteriormente ratificados internamente. Refira-se a adesão de Portugal aos actos de revisão da Convenção de Berna para a Protecção de Obras Literárias e Artísticas (Decreto nº 73/78, de 26 de Julho), e da Convenção Universal sobre o Direito do Autor (Decreto nº 140-A/79, de 26 de Dezembro), elaborados em Paris a 24 de Julho de 1971. Outrotanto, não poderiam ser ignoradas as propostas da Convenção de Roma para Protecção de Artistas, Intérpretes ou Executantes, de Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão (1961), bem como a Convenção de Genebra para Protecção dos Produtores contra Reprodução não Autorizada dos seus Fonogramas (1971).
A primeira tentativa interna de actualização destas matérias encontrou eco no Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março, mediante o qual se procedeu à aprovação do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos. O novo instrumento jurídico veio a sofrer importantes actualizações, presentes na Lei nº 45/85, de 17 de Setembro.
O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos positiva um importante conjunto de normas, da maior relevância para a dignificação da CC.
Assim:
-as criações de autor são consideradas obras juridicamente protegidas (art. 1º);
-são obras originais as composições musicais, com ou sem palavras e as obras fonográficas (art. 2º);
-são equiparados a obras originais os arranjos e instrumentações (art. 3º);
-o título original da obra é protegido (art. 4º);
-o direito de autor abrange direitos patrimoniais e de natureza moral (art. 9º);
-após a extinção dos direitos patrimoniais e independentemente daqueles, o autor goza de direitos de protecção moral, podendo reivindicar a paternidade, genuidade e integridade da obra;
-a faculdade de introduzir modificações numa obra original depende do acordo expresso do respectivo autor (art. 15º);
-consideram-se autores da obra fonográfica os autores do texto ou da música fixada e ainda o realizador (art. 24º);
-salvo disposição em contrário, o autor é o criador intelectual da obra (art. 27º);
-a referência ao autor da obra abrange o sucessor e o transmissário dos respectivos direitos (art. 27º);
-o exercído do direito de autor caduca cinquenta anos após a morte do criador da obra (art. 31º);
-a obra anónima, ou de autor anónimo, é alvo de protecção durante cinquenta anos após a primeira publicação/registo sonoro (art. 33º). No tocante às edições fonográficas (1ª matriz) o direito de reedição caduca ao fim de 50 anos após a primeira edição, caso o editor não volte a reeditar o fonograma. Adquire a titularidade dos direitos fonográficos o primeiro reeditor;
-a autorização concedida a terceiros pelo autor para divulgar, utilizar, explorar ou gravar, não implica a transmissão do direito de autor (art. 41º);
-se o titular do direito de reedição se recusar a exercê-lo ou a autorizar a reedição, uma vez esgotadas as edições feitas, poderá qualquer interessado requerer autorização judicial para tal efeito (art. 52º);
-compete aos tribunais definir as condições a que deve obedecer a reedição, tendo em conta “o interesse público” (art. 52º);
-os direitos morais são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, perpetuando-se após a morte do autor, competindo aos respectivos herdeiros exigir a integridade da obra enquanto esta não cair no domínio público (arts. 56º e 57º);
-a defesa da obra após cair no domínio público é exercida pelo Ministério da Cultura (art. 57º);
-não são admitidas modificações da obra sem o consentimento do autor, que deve ser dado através de carta registada com aviso de recepção (art. 59º);
-cabe aos herdeiros do autor decidir sobre a utilização e publicação de obras inéditas (art. 70º);
-em princípio, a utilização da obra para fins científico-investigativos, pedagógicos, reprodução na comunicação social, não carece de autorização do autor (art. 75º), ficando os utilizadores obrigados a indicarem o nome do autor, o título da obra e demais elementos identificativos (art. 76º);
-a utilização da obra para fins de representação cénica (espectáculos, actuações), carece da autorização do autor (art. 108º);
-a representação não autorizada, ou que viole o conteúdo da autorização, confere ao autor o direito de fazer cessar a representação (art. 112º);
-a entidade promotora do espectáculo deve afixar previamente o respectivo programa, indicando correctamente os títulos das obras e respectivas autorias (art. 122º);
-a entidade promotora do espectáculo dever fornecer ao autor, ou ao seu representante, uma cópia do programa (art. 122º);
-carece de autorização expressa do autor a fixação fonográfica da obra por terceiros (art. 141º)[3];
-a autorização de fixação fonográfica (gravação em disco, vídeo, filme, etc.) deve ser requerida ao autor por escrito (art. 141º);
-nos fonogramas (discos), devem constar o título da obra e respectiva autoria (art. 142º)[4];
-a transformação da obra original, por meio de adaptações, arranjos instrumentais, modificação do texto, depende de autorização escrita do autor (art. 146º);
-são ilícitas as utilizações que desfigurem uma obra original ou atinjam o autor na sua honra (art. 182º);
-comete crime de usurpação quem, sem autorização do autor, utilizar a obra (art. 195º);
-comete crime de contrafacção quem utilizar fraudulentamente, como sendo criação sua, uma obra de autor (art. 196º);
-incorre em violação dos direitos morais de autor quem se arrogar fraudulentamente a paternidade de obra alheia (art. 198º), ou quem atentar contra a integridade e genuidade da obra, por forma a desvirtuá-la, afectando a honra do autor (art. 198º);
-o procedimento criminal contra os fautores não depende de queixa do ofendido, excepto quando a infracção disser respeito à violação de direitos morais (art. 200º);
-tratando-se de obras caídas no domínio público, a queixa deverá ser apresentada pelo Ministério da Cultura (art. 200º).
Nos dias 8 e 9 de Novembro de 1991, no Luxembro, durante a 1ª Cimeira Europeia das Federações Musicais dos Estados Membros da Comunidade Europeia, foi aprovada a Carta dos Músicos Amadores da Comunidade Europeia (transcrição em Noémia Leitão e José Machado Lopes, Munda, nº 24, Novembro de 1992, págs. 31-32). Os governos dos países membros eram invectivados a criarem mecanismos jurídicos aptos a forneceram apoio moral, social e financeiro aos praticantes de música amadora, e aos indivíduos e associações vocacionados para “a salvaguarda e desenvolvimento do património cultural”.
Nas décadas de 1980 e 1990, o conceito de património não cessou de alargar as suas fronteiras, tendo atingido horizontes anteriormente inimagináveis, onde passaram a ter guarida as várias expressões de música tradicional, a gastronomia, o ambiente, as reservas naturais, falares e dialectos locais, os animais e espécies em vias de extinção. Um tal alargamento levou Marques de Almeida e Pedro Barbosa a perguntarem “preservar o quê?”, ou quando é que um bem cultural ganha a qualificação de património (Cf. “O património Local e Regional, Lisboa, Ministério da Cultura, 1998, págs. 16 e 19-25), inquietação que também se faz sentir junto dos juristas da especialidade (José Casalta Nabais, “Introdução ao Direito do Património Cultural”, Coimbra, Almedina, 2004, págs. 15-23).
Reflectindo os novos modos de olhar o património, a Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, veio estabelecer as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Estruturado em 12 títulos e 115 artigos, o diploma enfatiza o valor do património cultural, enquanto traço basilar da identidade nacional (art. 1º).
Passam a integrar o conceito e âmbito do património cultural “todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização” (art. 2º). O interesse cultural estende-se a manifestações linguísticas, históricas, arqueológicas, arquitectónicas, documentais, artisticas, etnográficas, sociais, paleontológicas, consideradas comprovadamente antigas, raras, autênticas, originais, singulares ou exemplares. Integram o conceito de património cultural os bens imateriais considerados parcelas estruturantes da identidade e da memória. A cultura tradicional e a cultura tradicional popular passam a ocupar posição de relevo na política do Estado em termos de protecção e valorização. Cabe ao Estado em geral e aos orgãos regionais representativos do Estado apoiar, salvaguardar, valorizar, promover o estudo do património cultural (art. 3º).
São igualmente tipificados os critérios de apreciação com vista à classificação e inventariação dos bens culturais, entre eles:
a) o carácter matricial do bem;
b) o génio do respectivo criador;
c) o interesse do bem como testemunho simbólico;
d) o interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos;
e) o valor estético intrínseco do bem;
f) a extensão do bem e o que nele se reflecte do ponto de vista da memória colectiva;
g) a importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica;
h) as circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem.
São património alvo de protecção registos audio-visuais e fonográficos (art. 89º). O artigo 91º incide sobre formas de cultura oral e de cunho etnoantropológico, assinalando-se a premência dos registos e recolhas. Constituem deveres do Estado (art. 92º) e dos municípios (art. 93º) apoiar, proteger e valorizar o património cultural tradicional, para tanto atribuindo fundos e comparticipações. A classificação dos bens culturais de interesse municipal incumbe às câmaras municipais (art. 94º).
Por força do etnocídio que conduziu à captura ideológica e morte simbólica da CC entre as décadas de 1960/1970, este género artístico passou a ser tacitamente entendido como um Património Cultural digno de interesse e preservação junto dos seus cultores e consumidores mais esclarecidos. A nova maneira de olhar e de conceber a CC emergiu quase isoladamente em contexto agonístico, na década de 1960, numa época em que ainda prevaleciam princípios discutíveis como o usar e abusar irresponsavelmente, a falsificação de autorias, o estropiamento de textos e títulos, a violação dos direitos de autor, o utilizar e deitar fora. Era o princípio do Utilizador Irresponsável.
Em Dezembro de 1970, nas vésperas do nonagésimo aniversário da fundação do Orfeon Académico, a CC, na sua vertente mais “clássica” achava-se irreversivelmente minada pelas triunfantes e agressivas arremetidas polarizadas em torno do Movimento da Trova e da Balada. À entrada da década de setenta, o Movimento da Trova, enquanto contracultura, conquistara invejável espaço de afirmação junto de certas elites restritas, pese embora as dificuldades de aceitação no interior de algumas franjas da Sociedade Académica.
O modelo cultural-tradicional dominante, em fase acelerada de decomposição desde 1969, rejeitava assimilar as novas contra-instituições. Só verdadeiramente depois da Revolução de 1974, e em conjuntura de revitalização das instituições tradicionais, se viria a operar a assimilação/recuperação parcial da contracultura dos “sixties” pela cultura tradicional dominante.
Em ambiência de luto e de perplexidades, o Orfeon Académico remeteu em 2 de Dezembro de 1970 uma carta-convite aos seus antigos membros e colaboradores. A carta anunciava a realização de um “Colóquio” que se debruçaria “não tanto sobre a origem e história”, “mas sobre o momento que ele atravessa, sobre a evolução que vem sofrendo e sobre o seu futuro previsível e desejável”.
O “Colóquio sobre o Fado de Coimbra”, organizado pela direcção do Orfeon Académico, teve lugar entre os dias 4 e 6 de Dezembro de 1970 no Instituto de Coimbra. Participaram, entre outros, Manuel Julião (cantor), Jorge de Morais Xabregas (guitarrista), Ângelo de Araújo (compositor), Afonso de Sousa (guitarrista), Luís Goes (cantor), Fernando Rolim (cantor), Augusto Camacho (cantor), Ernesto de Melo (guitarrista), Eduardo de Melo (guitarrista), José Miguel Baptista (cantor), Durval Moreirinhas (violonista), António Andias (guitarrista), José Horácio de Miranda (cantor), Hermínio Menino (guitarrista), Manuel Vaz Craveiro (cantor) e José Adelino Gomes Leitão (cantor).
É já em ambiente de velório e de morte simbólica da CC que o formador Jorge Gomes inicia em 1972, e de modo sistemático, o ensino da guitarra coimbrã (núcleo sediado no Complexo das Piscinas Municipais). Às atitudes isoladas e pontuais registadas antes de 1974 sucede uma consciência patrimonial perante um mundo de melodias, instrumentos, poemas cantáveis, emoções, que pareciam ecoar tumularmente do fundo de um tempo perdido. Mais ou menos na mesma altura o antigo cultor Afonso de Sousa, radicado em Leiria, e o coleccionador e investigador Divaldo Gaspar de Freitas, domiciliado no Brasil, distanciam-se dos movimentos mais radicais e insistem no conceito de “património” a preservar.
Em tempo de aliviar luto, gerações de antigos e de jovens universitários, a Câmara Municipal de Coimbra (1978) e a titubeante Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (fundada em 1980) desempenharam um papel activo na recuperação/revitalização da CC.
Porém, em 1990, a Câmara Municipal de Coimbra mandava suspender as actividades da Escola do Chiado[5], deixando o árduo trabalho de formação a cargo da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (AAC) e de uma escola aberta na Tuna Académica (TAUC).
A CC tem sido considerada um Património Cultural, postura reiterada por Luiz Goes e demais participantes nos dias um e dois de Maio de 1998, no decurso das “Comemorações dos 20 Anos do 1º Seminário do Fado de Coimbra”, e no colóquio “A Canção de Coimbra em 17 de Abril de 1969 e 2001”. Neste último colóquio, organizado pela Minerva Coimbra, em 17 de Abril de 2001, Jorge Cravo terminou a sua intervenção enunciando oito propostas atinentes à valorização cultural e patrimonial da CC. Propunha o palestrante a abertura de novas escolas de ensinança, o apoio a oficinas de construção de instrumentos, o incentivo a trabalhos de pesquisa e de investigação, o mecenato como apoio à gravação discográfica de jovens grupos, a criação de uma revista apostada na divulgação regular de trabalhos, projectos de divulgação internacional, etc..
Escusado será dizer que até ao crepúsculo do século XX não se registou qualquer atitude, seja da parte dos variegados organismos culturais académicos, seja da parte da Reitoria da UC, seja da parte da Câmara Muncipal de Coimbra, seja da parte da Associação de Antigos Estudantes e suas ramificações regionais, no sentido de formalizar um estatuto jurídico para um Património Cultural escassamente conhecido.
A CC não necessita, em bom rigor, de um estatuto jurídico para sobreviver. Mas dele poderia extrair extensos benefícios, em termos de investigação, inventariação, desocultamento de contrafacções e fraudes, reedição de fontes sonoras esgotadas no mercado, edição de fontes sonoras inéditas, publicação de antologias documentais, restauro e reconstrução de instrumentos, incentivos de gravação a grupos jovens, celebração de protocolos de resgaste fonográfico com instituições como a RTP, RDP, RDP-Centro. E não menos importante, traria aos cultores e executantes no activo uma outra atitude de responsabilização e dignificação perante um bem cultural frequentemente abusado e sujeito a contrafacções. A instituição que se arroga defensora desta modalidade de manifestações culturais, o Ministério da Educação, não conhece a CC, e que saibamos, jamais disponibilizou verbas destinadas a trabalhos de campo, gravações, investigação, restauro e construção de instrumentos, edição de fontes[6]. Não se pode defender nem apoiar aquilo que se desconhece, ou que se olha de soslaio como epifenómeno “menor”[7]. O mesmo se diga da Sociedade Portuguesa de Direitos de Autor, foco onde foram convergindo as mais temíveis contrafacções e falsificações de autorias e de obras[8], uma vez que a SPA aceita as declarações de autorias mas não tem capacidade de verificação da autenticidade do teor das declarações prestadas.
Em finais do século XX, diversos municípios portugueses haviam procedido à outorga da categoria de património de interesse municipal aos bens mais impensáveis, mesmo em se tratando de queijos holandeses. Outros ainda, como Paços de Ferreira e Armamar, travaram batalhas em prol dos chamados produtos com “Denominação de Origem Protegida”. Em Coimbra, perante um Património Cultural progressivamente ameaçado de desterritorialização, nenhuma atitude, nenhuma movimentação[9]. Preservar o valor patrimonial de um determinado género musical não significa cercear a prática aberta e livre fruição do mesmo. Cabe interrogar directamente um poder municipal que entre 1990-2002 se serviu da CC para efeitos de afirmação da sua imagem interna e externa, com amnésico esquecimento das suas responsabilidades: “Fado Académico” ou Canção de Coimbra? “Guitarra Portuguesa” ou Guitarra de Coimbra? Percorrendo a agenda cultural da Câmara Municipal de Coimbra para os meses de Julho/Agosto de 2001, ali se via importante amostra de grupos intérpretes da Canção de Coimbra, alinhados para efeitos de representação[10]. O município usa mas não se responsabiliza. Nós entendemos precisamente o contrário: usar com consciência jurídica e ética, à luz do princípio do Utilizador Responsável.
No espectro cultural proposto pela agenda Coimbra Viva eram apresentados o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Ceira (1962), Grupo Folclórico Os Camponeses de Vila Nova de Cernache (1982), Grupo Folclórico e Etnográfico As Tecedeiras de Almalaguês (1977), Grupo Folclórico Os Camponeses do Mondego/Ribeira de Frades (1975), Rancho Típico de Vila Nova de Cernache (1974), Grupo Regional de Danças e Cantares do Mondego/Fala (1977), Grupo Folclórico de Torre de Bera/Almalaguês (1938), Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila (1974), Rancho Típico da Palheira (1971), e Grupo Folclórico de Coimbra (1986).
Na nota de apresentação, praticamente todos os grupos se declaravam classificados na categoria de “agrupamento de interesse folclórico” pela Câmara Municipal de Coimbra. Quer isto significar que o grosso dos agrupamentos “folclóricos” activos no Concelho de Coimbra passou a nortear a sua actividade por sólidas regras de rigor na reconstituição de danças, cantares, trajos populares, rituais de dimensão etnográfica e religiosa.
Ora, se o Pelouro da Cultura da Câmara Muncipal de Coimbra classifica, reconhece e certifica a música popular detectada nos povoados do Concelho como bem cultural digno de interesse, considerado o trabalho sério e rigoroso levado a cabo pelos grupos de etnografia e folclore, representa esta atitude um grande avanço em relação ao passado recente. Falta, no entanto, o segundo e não menos importante passo que é atribuir à CC o estatuto de Património Cultural de Interesse Municipal, uma vez que a CC também é parte integrante da Música Tradicional de Coimbra (não obstante a sua identidade peculiar).
A formalização jurídico-administrativa do processo CC/Património Cultural de Interesse Municipal como que se tornou inevitável nos horizontes dos debates teóricos.
Até que se verifique uma sólida e notória mudança de atitudes, a CC demora e demorará um “Património à espera...”. Até aqui abordou-se a questão em termos culturais, antropológicos e psico-sociológicos. A abordagem estritamente jurídica coloca-nos perante outro tipo de dificuldades.
Vejamos resumidamente[11]:
-da leitura atenta da actual Lei de Bases do regime de protecção e valorização do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro), não resulta suficientemente claro que géneros poético-musicais como a CC possam ser alvo de classificação e de consequente protecção jurídica. No plano do direito comparado, não existem antecedentes para géneros como a Canção Napolitana, o Tango ou o Jazz[12].
-o objecto cultural que se pretende classificar padece ainda de uma ausência de definição musicológica rigorosa. As tentativas de definição conhecidas são meramente empíricas.
-levanta-se a questão da extensão do Bem a classificar. Seria possível classificar a CC no seu todo, quando o seu todo ainda não foi estudado? O objecto considerado, além de eclético, é vasto em produções. Como tal, dificilmente se poderia classificar segundo os operadores usuais em imóveis, artesanato ou receitas de culinária.
-o processo de classificação/protecção exige um trabalho de inventariação exaustiva de títulos e de autorias que anda longe de concretizado[13].
-a protecção jurídica do Bem não lesaria por algum meio os legítimos direitos dos autores e seus herdeiros? Além do mais, no tocante a este ponto, a Lei nº 45/85, de 17 de Setembro (Código do Direito de Autor) define o quadro legal de protecção dos direitos autorais. Como tal, grande parte das matérias positivadas naquele diploma já conferem protecção a um género musical que nas suas traves mestras é fruto de produções de autor(es). Coisa diversa é objectar-se que os instrumentos de protecção/fiscalização presentes no Código do Direito de Autor não têm encontrado aplicação prática no tocante às lesões habitualmente desferidas sobre a CC.
-a protecção do Bem não colidiria com os interesses das editoras discográficas detentoras dos direitos de edição de determinadas etiquetas?
-em vez de uma tentativa de protecção genérica, talvez seja mais procedente começar pela classificação parcelar de lotes de partituras, edições discográficas de certos e determinados vocalistas ou instrumentistas, pela designação deste género musical ou pela própria Guitarra de Coimbra.
-por fim, caso se obtivesse a protecção genérica do Bem, não se correria o risco de integrar no conceito de Património projectos fonográficos de menor valia estética, com manifesto proveito dos comerciantes de emoções e prejuízo do objecto protegido?
Rematando: algumas das ideias afloradas neste capítulo, redigidas entre 2000-2002, sofreram desactualizações face aos acontecimentos ocorridos em 2004-2005, desde logo:
-em 3/09/2003, aprovação da proposta de publicação de um cancioneiro literário-musical da CC em 6 tomos, pelo Pelouro da Cultura a CMC (transferido para o projecto Unesco em Abril de 2004, mas não concretizado);
-em 15/03/2004, aprovação por unanimidade no Executivo Municipal de Coimbra da candidatura da CC a Património Oral Imaterial da Humanidade junto da UNESCO;
-em 15/04/2004, constituição de uma Comissão de trabalho e aprovação do projecto de investigação/edição para apoio da candidatura;
-em 11/05/2004, celebração de um acordo entre a CMC e a Reitoria da Universidade de Coimbra com vista a uma eventual integração da CC no projecto de candidatura do Paço das Escolas a Património Mundial da UNESCO;
-em 2/12/2004, protocolo entre a CMC e a Reitoria da UC visando a integração do projecto CC enquanto Património Imaterial no projecto de candidatura da UC.
Porém, desde Maio de 2004 até finais de 2005 a Comissão não conseguiu viabilizar qualquer dos projectos editoriais alinhavados por total falta de cabimentação orçamental.
Até à Revolução de 1974, o Estado e os poderes municipais tiveram do património uma visão estreita, essencialmente alicerçada na ideia de monumento. Visão estreita e monumentalista[1], porquanto o património não se cinge apenas aos castelos, conventos, igrejas, pelourinhos e espólio depositado nas variegadas instituições museológicas. Este estado de coisas começou a sofrer erosões, não tendo cessado de alargar-se depois da Revolução de 1974.
Três anos após os acontecimentos de 1974, o Decreto-Lei 79/77, de 25 de Outubro, cometia às Assembleias Distritais competências para deliberarem sobre problemas atinentes à investigação, inventariação, divulgação e conservação dos valores concelhios. Este diploma terá, porventura, pesado na proposta da Dra. Maria Judite Mendes de Abreu, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra que sacralizou o repto para a realização do 1º Seminário do Fado de Coimbra (1978).
Não obstante as querelas surgidas entre os participantes – para uns, o “chamado Fado de Coimbra” estava definitivamente morto, restando tão só a hipótese de o estudar; para outros, “os clássicos” estavam mortos, devendo revitalizar-se apenas as trovas e baladas de intervenção; para outros, ainda, nada estava morto - , resultou claro que a CC deveria ser entendida na categoria de Património Cultural.
Em Janeiro/Fevereiro de 1978, a RTP exibiu uma série de cinco programas sobre os percursos da CC (“Coimbra Musical”), projecto que suscitou grande interesse e motivação entre os adeptos do género. A propósito da série exibida na RTP e do “1º Seminário do Fado de Coimbra” que se avizinhava para breve, o semanário Expresso enviou a Coimbra o repórter António Luís Peralta. Ouvidos os testemunhos de António Portugal, António Pinho de Brojo e Joaquim Pinho, os entrevistados não hesitaram no emprego da palavra “património” (“O Fado de Coimbra ou a propósito do semi-silêncio dos rouxinóis do Mondego”, Expresso, 11/02/1978).
O mesmo foi afirmado imperativamente por Afonso de Sousa na parte final da palestra O Fado propriamente dito e o chamado Fado de Coimbra. Na sua edição de 21 de Maio de 1978, o Jornal de Notícias efectuou um breve balanço das actividades e propostas desenvolvidas e afloradas na tarde do dia 20 de Maio de 1978. Além do tema apresentado por Afonso de Sousa, tinham sido postos a debate “O canto, a música e a poesia”, “A guitarra e a viola”, “O solo e o acompanhamento”, tendo exercido a função de moderadores Florêncio de Carvalho (música), Manuel Louzã Henriques (poesia), António Portugal (acompanhamento), António Brojo (solo). Durante a primeira sessão fora distribuído um documento intitulado “Achegas para as conclusões do Seminário”, em cujas páginas se podia ler:
-o reconhecimento do valor cultural da CC;
-a necessidade de um plano de salvaguarda urgente;
-a feitura e publicação de uma História da CC;
-a recolha/inventário de “letras” e “músicas”;
-a criação de uma “escola” de formação, ensino e transmissão de conhecimentos;
-a promoção de encontros anuais de antigos e actuais cultores/executantes[2].
Património cultural digno de estudo, preservação e divulgação, assim o entendeu a Câmara Municipal de Coimbra, instituição que nos anos imediatos promoveu novos seminários e apoiou directamente a criação da Escola Municipal do Chiado (1978-1990).
O regime jurídico do património cultural português foi regulamentado pela Lei nº 13/85, de 6 de Julho, em articulação com as directrizes consignadas na Constituição da República Portuguesa. O diploma de 1985 (Lei do Património Cultural Português), não chegava a falar em património musical, embora o artigo 8º, alínea d) permitisse subentender tal interpretação. Competia directamente ao Estado promover o estudo e salvaguarda do património, e incrementar a sua inventariação e protecção, por intermédio do Ministério da Cultura. Mais se adiantava que o processo de classificação poderia ser aberto pelo Estado, regiões autónomas, municípios, ou quaisquer pessoas singulares ou colectivas. O Instituto Português do Património Cultural ficava incumbido das tarefas a realizar, devendo cooperar com as associações de defesa do património.
Por seu turno, os direitos de autor estão regulamentados e protegidos desde longa data. Recordem-se o Decreto-Lei nº 13.725, de 27 de Maio de 1927 (Regime de Propriedade Literária Científica e Artística), e o Decreto-Lei nº 46.980, de 27 de Abril de 1966 (Código de Direito de Autor), diplomas que positivavam normas de protecção de direitos autorais e morais.
A antiga legislação portuguesa sofreria desactualizações decorrentes do confronto com diplomas produzidos no estrangeiro e posteriormente ratificados internamente. Refira-se a adesão de Portugal aos actos de revisão da Convenção de Berna para a Protecção de Obras Literárias e Artísticas (Decreto nº 73/78, de 26 de Julho), e da Convenção Universal sobre o Direito do Autor (Decreto nº 140-A/79, de 26 de Dezembro), elaborados em Paris a 24 de Julho de 1971. Outrotanto, não poderiam ser ignoradas as propostas da Convenção de Roma para Protecção de Artistas, Intérpretes ou Executantes, de Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão (1961), bem como a Convenção de Genebra para Protecção dos Produtores contra Reprodução não Autorizada dos seus Fonogramas (1971).
A primeira tentativa interna de actualização destas matérias encontrou eco no Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março, mediante o qual se procedeu à aprovação do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos. O novo instrumento jurídico veio a sofrer importantes actualizações, presentes na Lei nº 45/85, de 17 de Setembro.
O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos positiva um importante conjunto de normas, da maior relevância para a dignificação da CC.
Assim:
-as criações de autor são consideradas obras juridicamente protegidas (art. 1º);
-são obras originais as composições musicais, com ou sem palavras e as obras fonográficas (art. 2º);
-são equiparados a obras originais os arranjos e instrumentações (art. 3º);
-o título original da obra é protegido (art. 4º);
-o direito de autor abrange direitos patrimoniais e de natureza moral (art. 9º);
-após a extinção dos direitos patrimoniais e independentemente daqueles, o autor goza de direitos de protecção moral, podendo reivindicar a paternidade, genuidade e integridade da obra;
-a faculdade de introduzir modificações numa obra original depende do acordo expresso do respectivo autor (art. 15º);
-consideram-se autores da obra fonográfica os autores do texto ou da música fixada e ainda o realizador (art. 24º);
-salvo disposição em contrário, o autor é o criador intelectual da obra (art. 27º);
-a referência ao autor da obra abrange o sucessor e o transmissário dos respectivos direitos (art. 27º);
-o exercído do direito de autor caduca cinquenta anos após a morte do criador da obra (art. 31º);
-a obra anónima, ou de autor anónimo, é alvo de protecção durante cinquenta anos após a primeira publicação/registo sonoro (art. 33º). No tocante às edições fonográficas (1ª matriz) o direito de reedição caduca ao fim de 50 anos após a primeira edição, caso o editor não volte a reeditar o fonograma. Adquire a titularidade dos direitos fonográficos o primeiro reeditor;
-a autorização concedida a terceiros pelo autor para divulgar, utilizar, explorar ou gravar, não implica a transmissão do direito de autor (art. 41º);
-se o titular do direito de reedição se recusar a exercê-lo ou a autorizar a reedição, uma vez esgotadas as edições feitas, poderá qualquer interessado requerer autorização judicial para tal efeito (art. 52º);
-compete aos tribunais definir as condições a que deve obedecer a reedição, tendo em conta “o interesse público” (art. 52º);
-os direitos morais são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, perpetuando-se após a morte do autor, competindo aos respectivos herdeiros exigir a integridade da obra enquanto esta não cair no domínio público (arts. 56º e 57º);
-a defesa da obra após cair no domínio público é exercida pelo Ministério da Cultura (art. 57º);
-não são admitidas modificações da obra sem o consentimento do autor, que deve ser dado através de carta registada com aviso de recepção (art. 59º);
-cabe aos herdeiros do autor decidir sobre a utilização e publicação de obras inéditas (art. 70º);
-em princípio, a utilização da obra para fins científico-investigativos, pedagógicos, reprodução na comunicação social, não carece de autorização do autor (art. 75º), ficando os utilizadores obrigados a indicarem o nome do autor, o título da obra e demais elementos identificativos (art. 76º);
-a utilização da obra para fins de representação cénica (espectáculos, actuações), carece da autorização do autor (art. 108º);
-a representação não autorizada, ou que viole o conteúdo da autorização, confere ao autor o direito de fazer cessar a representação (art. 112º);
-a entidade promotora do espectáculo deve afixar previamente o respectivo programa, indicando correctamente os títulos das obras e respectivas autorias (art. 122º);
-a entidade promotora do espectáculo dever fornecer ao autor, ou ao seu representante, uma cópia do programa (art. 122º);
-carece de autorização expressa do autor a fixação fonográfica da obra por terceiros (art. 141º)[3];
-a autorização de fixação fonográfica (gravação em disco, vídeo, filme, etc.) deve ser requerida ao autor por escrito (art. 141º);
-nos fonogramas (discos), devem constar o título da obra e respectiva autoria (art. 142º)[4];
-a transformação da obra original, por meio de adaptações, arranjos instrumentais, modificação do texto, depende de autorização escrita do autor (art. 146º);
-são ilícitas as utilizações que desfigurem uma obra original ou atinjam o autor na sua honra (art. 182º);
-comete crime de usurpação quem, sem autorização do autor, utilizar a obra (art. 195º);
-comete crime de contrafacção quem utilizar fraudulentamente, como sendo criação sua, uma obra de autor (art. 196º);
-incorre em violação dos direitos morais de autor quem se arrogar fraudulentamente a paternidade de obra alheia (art. 198º), ou quem atentar contra a integridade e genuidade da obra, por forma a desvirtuá-la, afectando a honra do autor (art. 198º);
-o procedimento criminal contra os fautores não depende de queixa do ofendido, excepto quando a infracção disser respeito à violação de direitos morais (art. 200º);
-tratando-se de obras caídas no domínio público, a queixa deverá ser apresentada pelo Ministério da Cultura (art. 200º).
Nos dias 8 e 9 de Novembro de 1991, no Luxembro, durante a 1ª Cimeira Europeia das Federações Musicais dos Estados Membros da Comunidade Europeia, foi aprovada a Carta dos Músicos Amadores da Comunidade Europeia (transcrição em Noémia Leitão e José Machado Lopes, Munda, nº 24, Novembro de 1992, págs. 31-32). Os governos dos países membros eram invectivados a criarem mecanismos jurídicos aptos a forneceram apoio moral, social e financeiro aos praticantes de música amadora, e aos indivíduos e associações vocacionados para “a salvaguarda e desenvolvimento do património cultural”.
Nas décadas de 1980 e 1990, o conceito de património não cessou de alargar as suas fronteiras, tendo atingido horizontes anteriormente inimagináveis, onde passaram a ter guarida as várias expressões de música tradicional, a gastronomia, o ambiente, as reservas naturais, falares e dialectos locais, os animais e espécies em vias de extinção. Um tal alargamento levou Marques de Almeida e Pedro Barbosa a perguntarem “preservar o quê?”, ou quando é que um bem cultural ganha a qualificação de património (Cf. “O património Local e Regional, Lisboa, Ministério da Cultura, 1998, págs. 16 e 19-25), inquietação que também se faz sentir junto dos juristas da especialidade (José Casalta Nabais, “Introdução ao Direito do Património Cultural”, Coimbra, Almedina, 2004, págs. 15-23).
Reflectindo os novos modos de olhar o património, a Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, veio estabelecer as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Estruturado em 12 títulos e 115 artigos, o diploma enfatiza o valor do património cultural, enquanto traço basilar da identidade nacional (art. 1º).
Passam a integrar o conceito e âmbito do património cultural “todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização” (art. 2º). O interesse cultural estende-se a manifestações linguísticas, históricas, arqueológicas, arquitectónicas, documentais, artisticas, etnográficas, sociais, paleontológicas, consideradas comprovadamente antigas, raras, autênticas, originais, singulares ou exemplares. Integram o conceito de património cultural os bens imateriais considerados parcelas estruturantes da identidade e da memória. A cultura tradicional e a cultura tradicional popular passam a ocupar posição de relevo na política do Estado em termos de protecção e valorização. Cabe ao Estado em geral e aos orgãos regionais representativos do Estado apoiar, salvaguardar, valorizar, promover o estudo do património cultural (art. 3º).
São igualmente tipificados os critérios de apreciação com vista à classificação e inventariação dos bens culturais, entre eles:
a) o carácter matricial do bem;
b) o génio do respectivo criador;
c) o interesse do bem como testemunho simbólico;
d) o interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos;
e) o valor estético intrínseco do bem;
f) a extensão do bem e o que nele se reflecte do ponto de vista da memória colectiva;
g) a importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica;
h) as circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem.
São património alvo de protecção registos audio-visuais e fonográficos (art. 89º). O artigo 91º incide sobre formas de cultura oral e de cunho etnoantropológico, assinalando-se a premência dos registos e recolhas. Constituem deveres do Estado (art. 92º) e dos municípios (art. 93º) apoiar, proteger e valorizar o património cultural tradicional, para tanto atribuindo fundos e comparticipações. A classificação dos bens culturais de interesse municipal incumbe às câmaras municipais (art. 94º).
Por força do etnocídio que conduziu à captura ideológica e morte simbólica da CC entre as décadas de 1960/1970, este género artístico passou a ser tacitamente entendido como um Património Cultural digno de interesse e preservação junto dos seus cultores e consumidores mais esclarecidos. A nova maneira de olhar e de conceber a CC emergiu quase isoladamente em contexto agonístico, na década de 1960, numa época em que ainda prevaleciam princípios discutíveis como o usar e abusar irresponsavelmente, a falsificação de autorias, o estropiamento de textos e títulos, a violação dos direitos de autor, o utilizar e deitar fora. Era o princípio do Utilizador Irresponsável.
Em Dezembro de 1970, nas vésperas do nonagésimo aniversário da fundação do Orfeon Académico, a CC, na sua vertente mais “clássica” achava-se irreversivelmente minada pelas triunfantes e agressivas arremetidas polarizadas em torno do Movimento da Trova e da Balada. À entrada da década de setenta, o Movimento da Trova, enquanto contracultura, conquistara invejável espaço de afirmação junto de certas elites restritas, pese embora as dificuldades de aceitação no interior de algumas franjas da Sociedade Académica.
O modelo cultural-tradicional dominante, em fase acelerada de decomposição desde 1969, rejeitava assimilar as novas contra-instituições. Só verdadeiramente depois da Revolução de 1974, e em conjuntura de revitalização das instituições tradicionais, se viria a operar a assimilação/recuperação parcial da contracultura dos “sixties” pela cultura tradicional dominante.
Em ambiência de luto e de perplexidades, o Orfeon Académico remeteu em 2 de Dezembro de 1970 uma carta-convite aos seus antigos membros e colaboradores. A carta anunciava a realização de um “Colóquio” que se debruçaria “não tanto sobre a origem e história”, “mas sobre o momento que ele atravessa, sobre a evolução que vem sofrendo e sobre o seu futuro previsível e desejável”.
O “Colóquio sobre o Fado de Coimbra”, organizado pela direcção do Orfeon Académico, teve lugar entre os dias 4 e 6 de Dezembro de 1970 no Instituto de Coimbra. Participaram, entre outros, Manuel Julião (cantor), Jorge de Morais Xabregas (guitarrista), Ângelo de Araújo (compositor), Afonso de Sousa (guitarrista), Luís Goes (cantor), Fernando Rolim (cantor), Augusto Camacho (cantor), Ernesto de Melo (guitarrista), Eduardo de Melo (guitarrista), José Miguel Baptista (cantor), Durval Moreirinhas (violonista), António Andias (guitarrista), José Horácio de Miranda (cantor), Hermínio Menino (guitarrista), Manuel Vaz Craveiro (cantor) e José Adelino Gomes Leitão (cantor).
É já em ambiente de velório e de morte simbólica da CC que o formador Jorge Gomes inicia em 1972, e de modo sistemático, o ensino da guitarra coimbrã (núcleo sediado no Complexo das Piscinas Municipais). Às atitudes isoladas e pontuais registadas antes de 1974 sucede uma consciência patrimonial perante um mundo de melodias, instrumentos, poemas cantáveis, emoções, que pareciam ecoar tumularmente do fundo de um tempo perdido. Mais ou menos na mesma altura o antigo cultor Afonso de Sousa, radicado em Leiria, e o coleccionador e investigador Divaldo Gaspar de Freitas, domiciliado no Brasil, distanciam-se dos movimentos mais radicais e insistem no conceito de “património” a preservar.
Em tempo de aliviar luto, gerações de antigos e de jovens universitários, a Câmara Municipal de Coimbra (1978) e a titubeante Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (fundada em 1980) desempenharam um papel activo na recuperação/revitalização da CC.
Porém, em 1990, a Câmara Municipal de Coimbra mandava suspender as actividades da Escola do Chiado[5], deixando o árduo trabalho de formação a cargo da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (AAC) e de uma escola aberta na Tuna Académica (TAUC).
A CC tem sido considerada um Património Cultural, postura reiterada por Luiz Goes e demais participantes nos dias um e dois de Maio de 1998, no decurso das “Comemorações dos 20 Anos do 1º Seminário do Fado de Coimbra”, e no colóquio “A Canção de Coimbra em 17 de Abril de 1969 e 2001”. Neste último colóquio, organizado pela Minerva Coimbra, em 17 de Abril de 2001, Jorge Cravo terminou a sua intervenção enunciando oito propostas atinentes à valorização cultural e patrimonial da CC. Propunha o palestrante a abertura de novas escolas de ensinança, o apoio a oficinas de construção de instrumentos, o incentivo a trabalhos de pesquisa e de investigação, o mecenato como apoio à gravação discográfica de jovens grupos, a criação de uma revista apostada na divulgação regular de trabalhos, projectos de divulgação internacional, etc..
Escusado será dizer que até ao crepúsculo do século XX não se registou qualquer atitude, seja da parte dos variegados organismos culturais académicos, seja da parte da Reitoria da UC, seja da parte da Câmara Muncipal de Coimbra, seja da parte da Associação de Antigos Estudantes e suas ramificações regionais, no sentido de formalizar um estatuto jurídico para um Património Cultural escassamente conhecido.
A CC não necessita, em bom rigor, de um estatuto jurídico para sobreviver. Mas dele poderia extrair extensos benefícios, em termos de investigação, inventariação, desocultamento de contrafacções e fraudes, reedição de fontes sonoras esgotadas no mercado, edição de fontes sonoras inéditas, publicação de antologias documentais, restauro e reconstrução de instrumentos, incentivos de gravação a grupos jovens, celebração de protocolos de resgaste fonográfico com instituições como a RTP, RDP, RDP-Centro. E não menos importante, traria aos cultores e executantes no activo uma outra atitude de responsabilização e dignificação perante um bem cultural frequentemente abusado e sujeito a contrafacções. A instituição que se arroga defensora desta modalidade de manifestações culturais, o Ministério da Educação, não conhece a CC, e que saibamos, jamais disponibilizou verbas destinadas a trabalhos de campo, gravações, investigação, restauro e construção de instrumentos, edição de fontes[6]. Não se pode defender nem apoiar aquilo que se desconhece, ou que se olha de soslaio como epifenómeno “menor”[7]. O mesmo se diga da Sociedade Portuguesa de Direitos de Autor, foco onde foram convergindo as mais temíveis contrafacções e falsificações de autorias e de obras[8], uma vez que a SPA aceita as declarações de autorias mas não tem capacidade de verificação da autenticidade do teor das declarações prestadas.
Em finais do século XX, diversos municípios portugueses haviam procedido à outorga da categoria de património de interesse municipal aos bens mais impensáveis, mesmo em se tratando de queijos holandeses. Outros ainda, como Paços de Ferreira e Armamar, travaram batalhas em prol dos chamados produtos com “Denominação de Origem Protegida”. Em Coimbra, perante um Património Cultural progressivamente ameaçado de desterritorialização, nenhuma atitude, nenhuma movimentação[9]. Preservar o valor patrimonial de um determinado género musical não significa cercear a prática aberta e livre fruição do mesmo. Cabe interrogar directamente um poder municipal que entre 1990-2002 se serviu da CC para efeitos de afirmação da sua imagem interna e externa, com amnésico esquecimento das suas responsabilidades: “Fado Académico” ou Canção de Coimbra? “Guitarra Portuguesa” ou Guitarra de Coimbra? Percorrendo a agenda cultural da Câmara Municipal de Coimbra para os meses de Julho/Agosto de 2001, ali se via importante amostra de grupos intérpretes da Canção de Coimbra, alinhados para efeitos de representação[10]. O município usa mas não se responsabiliza. Nós entendemos precisamente o contrário: usar com consciência jurídica e ética, à luz do princípio do Utilizador Responsável.
No espectro cultural proposto pela agenda Coimbra Viva eram apresentados o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Ceira (1962), Grupo Folclórico Os Camponeses de Vila Nova de Cernache (1982), Grupo Folclórico e Etnográfico As Tecedeiras de Almalaguês (1977), Grupo Folclórico Os Camponeses do Mondego/Ribeira de Frades (1975), Rancho Típico de Vila Nova de Cernache (1974), Grupo Regional de Danças e Cantares do Mondego/Fala (1977), Grupo Folclórico de Torre de Bera/Almalaguês (1938), Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila (1974), Rancho Típico da Palheira (1971), e Grupo Folclórico de Coimbra (1986).
Na nota de apresentação, praticamente todos os grupos se declaravam classificados na categoria de “agrupamento de interesse folclórico” pela Câmara Municipal de Coimbra. Quer isto significar que o grosso dos agrupamentos “folclóricos” activos no Concelho de Coimbra passou a nortear a sua actividade por sólidas regras de rigor na reconstituição de danças, cantares, trajos populares, rituais de dimensão etnográfica e religiosa.
Ora, se o Pelouro da Cultura da Câmara Muncipal de Coimbra classifica, reconhece e certifica a música popular detectada nos povoados do Concelho como bem cultural digno de interesse, considerado o trabalho sério e rigoroso levado a cabo pelos grupos de etnografia e folclore, representa esta atitude um grande avanço em relação ao passado recente. Falta, no entanto, o segundo e não menos importante passo que é atribuir à CC o estatuto de Património Cultural de Interesse Municipal, uma vez que a CC também é parte integrante da Música Tradicional de Coimbra (não obstante a sua identidade peculiar).
A formalização jurídico-administrativa do processo CC/Património Cultural de Interesse Municipal como que se tornou inevitável nos horizontes dos debates teóricos.
Até que se verifique uma sólida e notória mudança de atitudes, a CC demora e demorará um “Património à espera...”. Até aqui abordou-se a questão em termos culturais, antropológicos e psico-sociológicos. A abordagem estritamente jurídica coloca-nos perante outro tipo de dificuldades.
Vejamos resumidamente[11]:
-da leitura atenta da actual Lei de Bases do regime de protecção e valorização do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro), não resulta suficientemente claro que géneros poético-musicais como a CC possam ser alvo de classificação e de consequente protecção jurídica. No plano do direito comparado, não existem antecedentes para géneros como a Canção Napolitana, o Tango ou o Jazz[12].
-o objecto cultural que se pretende classificar padece ainda de uma ausência de definição musicológica rigorosa. As tentativas de definição conhecidas são meramente empíricas.
-levanta-se a questão da extensão do Bem a classificar. Seria possível classificar a CC no seu todo, quando o seu todo ainda não foi estudado? O objecto considerado, além de eclético, é vasto em produções. Como tal, dificilmente se poderia classificar segundo os operadores usuais em imóveis, artesanato ou receitas de culinária.
-o processo de classificação/protecção exige um trabalho de inventariação exaustiva de títulos e de autorias que anda longe de concretizado[13].
-a protecção jurídica do Bem não lesaria por algum meio os legítimos direitos dos autores e seus herdeiros? Além do mais, no tocante a este ponto, a Lei nº 45/85, de 17 de Setembro (Código do Direito de Autor) define o quadro legal de protecção dos direitos autorais. Como tal, grande parte das matérias positivadas naquele diploma já conferem protecção a um género musical que nas suas traves mestras é fruto de produções de autor(es). Coisa diversa é objectar-se que os instrumentos de protecção/fiscalização presentes no Código do Direito de Autor não têm encontrado aplicação prática no tocante às lesões habitualmente desferidas sobre a CC.
-a protecção do Bem não colidiria com os interesses das editoras discográficas detentoras dos direitos de edição de determinadas etiquetas?
-em vez de uma tentativa de protecção genérica, talvez seja mais procedente começar pela classificação parcelar de lotes de partituras, edições discográficas de certos e determinados vocalistas ou instrumentistas, pela designação deste género musical ou pela própria Guitarra de Coimbra.
-por fim, caso se obtivesse a protecção genérica do Bem, não se correria o risco de integrar no conceito de Património projectos fonográficos de menor valia estética, com manifesto proveito dos comerciantes de emoções e prejuízo do objecto protegido?
Rematando: algumas das ideias afloradas neste capítulo, redigidas entre 2000-2002, sofreram desactualizações face aos acontecimentos ocorridos em 2004-2005, desde logo:
-em 3/09/2003, aprovação da proposta de publicação de um cancioneiro literário-musical da CC em 6 tomos, pelo Pelouro da Cultura a CMC (transferido para o projecto Unesco em Abril de 2004, mas não concretizado);
-em 15/03/2004, aprovação por unanimidade no Executivo Municipal de Coimbra da candidatura da CC a Património Oral Imaterial da Humanidade junto da UNESCO;
-em 15/04/2004, constituição de uma Comissão de trabalho e aprovação do projecto de investigação/edição para apoio da candidatura;
-em 11/05/2004, celebração de um acordo entre a CMC e a Reitoria da Universidade de Coimbra com vista a uma eventual integração da CC no projecto de candidatura do Paço das Escolas a Património Mundial da UNESCO;
-em 2/12/2004, protocolo entre a CMC e a Reitoria da UC visando a integração do projecto CC enquanto Património Imaterial no projecto de candidatura da UC.
Porém, desde Maio de 2004 até finais de 2005 a Comissão não conseguiu viabilizar qualquer dos projectos editoriais alinhavados por total falta de cabimentação orçamental.
NOTAS:
[1] A expressão “monumentalista, historicista, culturalista e elitista” foi apresentada em 1987 pelo jurista Vital Moreira. Cf. Vital Moreira, “O património e a lei”, in Alta de Coimbra. 1º Encontro sobre a Alta de Coimbra, Coimbra, 23, 24, 25 e 28 de Outubro de 1987, Coimbra, GAAC, 1988, pág. 267.
[2] Sendo de lamentar a não edição das actas dos seminários realizados entre 1978-1983, cuja documentação era dada como extraviada, ou com paradeiro desconhecido em 2004.
[3] Recorde-se o caso do Dr. Eduardo Manuel Tavares de Melo (1924-1992) que em Agosto de 1988 me denunciou a sua discordância relativamente à gravação de “Incerteza” por José Afonso, registo efectuado sem pedido de autorização ao legítimo autor. Ou o corte de relações entre António Pinho de Brojo e José Maria Amaral, pelo facto de Brojo ter procedido a alterações não autorizadas pelo autor nos temas “Variações em Mi Menor” e “Variações em Lá menor” (o esfriamento de relações surgiu com o boicote à serenata do Seminário de Maio de 1983 e radicalizou-se com as “adulterações” não autorizadas em peças “arranjadas” para o álbum vinil Tempos de Coimbra).
[4] Com efeito, é nas fichas técnicas dos discos lançados no mercado que se observam as mais graves violações no tocante à falta de respeito pelos títulos originais das obras, autorias de letras e músicas, a que acrescem estropiamentos de letras. Para um exemplo acabado deste modo de proceder, leia-se a recolha aleatória de José Ribeiro de Morais, Colectânea de fados e canções de Coimbra, 2ª edição, Porto, Almeida & Leitão, Lda., 1998, obra que logo no tema de abertura apresenta “Saudades de Coimbra” como “Saudação a Coimbra”.
[5] Não se pode considerar revitalização da extinta Escola do Chiado a inauguração da Escola dos Antigos Orfeonistas, em Maio de 2002, confiada à orientação do guitarrista Paulo Soares.
[6] Refiro-me a uma política cultural consistente e não subsídios episódicos, como o atribuído pelo Ministério João de Deus Pinheiro em 1986 à obra de Carlos Manuel Simões Caiado, Antologia do Fado de Coimbra, Coimbra, 1986.
[7] O que esperar de ministros da cultura ou de antigos ministros da pasta, quando em declarações a um jornal, com data de 17 de Março de 2004, o antigo ministro do Governo Socialista de António Guterres e agora Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, José Sasportes, aconselhava a que o “chamado Fado de Coimbra” se fundisse com o Fado de Lisboa para efeitos de candidatura única ao estatuto de património cultural da UNESCO?
[8] Para se aquilatar o grau de interesse da SPA pela actualização da sua base de dados, cite-se a querela havida entre a instituição e a Tuna Académica da Univiversidade de Coimbra no último semestre de 2001. A propósito do CD Orquestra da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, Public-Art Editora 19301, lançado em 16 de Dezembro de 2001, pretendeu o Director da Tuna, Adamo Caetano, registar correctamente o nome do autor do “Hino Académico de Coimbra”. A SPA objectou que não poderia ficar José Cristiano de Medeiros (Açores, 1827; Leiria, 1908), pois que do registo constava Jota Ponto Medeiros. Assim, por obra e graça da estultícia burocrática muito à portuguesa, José Cristiano Ó Neil de Medeiros é “Jota Ponto Medeiros”. Outro episódio caricato: em Outubro de 2002, o guitarrista Francisco Dias remeteu à SPA a ficha técnica de um disco em preparação onde se pretendia alinhar “Bailados do Minho”. Para surpresa de todos, a SPA exigiu que este tema, da autoria de Antero da Veiga, trouxesse apenso o nome de António Portugal.
[9] Saliente-se a atitude do Dr. Mário Nunes, vereador do Pelouro da Cultura da CMC (Março de 2002-Outubro de 2005). Entre os cultores da CC e a RDP/Centro (antigo Emissor Regional da Emissora Nacional) existia de certa forma um litígio implícito, resultante do facto da mesma RDP/Centro manter os arquivos sonoros teimosamente fechados a qualquer hipótese de pesquisa. Dizia-se que os arquivos sonoros da RDP/Centro eram valiosíssimos para a História da CC no período Dezembro de 1946/Abril de 1974. Face ao mutismo da RDP/Centro corriam rumores não oficialmente confirmados, onde desaguavam coisas como “as antigas bobines estão perdidas porque foram reutilizadas”; “as transmissões mais antigas não foram gravadas em bobine”. Em Março de 2002 a situação de mal estar agravou-se com outra notícia também não oficialmente confirmada: a RDP pretendia transferir a curto prazo todo o arquivo sonoro do antigo Emissor Regional de Coimbra para Lisboa. A notícia originou de imediato uma reunião de emergência no gabinete do vereador da Cultura, onde marcaram presença os Drs. Mário Nunes e Jorge Cravo e ainda a Presidente da Secção de Fado da Associação Académica. Nesta reunião se firmou um acordo de cavalheiros no sentido de a Secção de Fado da AAC criar uma fonoteca, com base num protocolo entre a CMC e a RDP/Centro. Numa vistoria por mim efectuada aos referidos arqquivos, em Maio de 2004, constatei que as antigas bobines de fita de aço relativas às “serenatas” realizadas entre 1946-1960 não haviam sido conservadas. Posteriormente, no primeiro semestre de 2005, o grosso do arquivo discográfico da RDP/Centro deu entrada na Fonoteca Municipal de Coimbra.
[10] Eram eles Grupo Verdes Anos, Quarteto Aeminium, Guitarras do Mondego, Guitarras de Coimbra, Tradição de Coimbra, Quinteto de Coimbra, Saudade Coimbrã. Cf. Coimbra Viva. Agenda nº 15, Julho/Agosto 2001, Coimbra, Edição da CMC, 2001.
[11] As reflexões apresentadas em epígrafe são resultado de uma mesa redonda informal, organizada em casa do autor, no dia 1 de Maio de 2002. Participaram os magistrados e antigos estudantes de Coimbra Dra. Carla Silveira, Dr. Paulo Sérgio Ferreira, Dr. Pedro Menezes, e ainda a Dra. Rosário Marques, especializada em arqueologia e museologia pela Universidade do Porto, técnica no Museu Municipal de Penafiel.
[12] O Tango e o Flamenco, melhor conhecidos internacionalmente, já intentaram candidatar-se ao galardão da UNESCO, mas sem sucesso. Em inícios de 2004 a Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Pedro Santana Lopes, também anunciou a intenção de candidatar o Fado de Lisboa, tendo precisado mais tarde que a intenção de protecção visava apenas as modalidades mais tradicionais do Fado, concretamente Fado Corrido, Fado Menor e Fado Mouraria.
[13] O Pelouro da Cultura da CMC, mediante ofício de 3 de Setembro de 2003, nomeava uma comissão de trabalho, coordenada pelo autor deste texto, com vista à produção de um cancioneiro geral literário-musical da CC em 6 tomos. Os trabalhos foram efectivamente organizados, em esforçada colaboração do Coronel José Anjos de Carvalho, mas até finais do mandado (Outubro de 2005) nada foi viabilizado em termos de transcrições musicais e de respectivas edições.
[2] Sendo de lamentar a não edição das actas dos seminários realizados entre 1978-1983, cuja documentação era dada como extraviada, ou com paradeiro desconhecido em 2004.
[3] Recorde-se o caso do Dr. Eduardo Manuel Tavares de Melo (1924-1992) que em Agosto de 1988 me denunciou a sua discordância relativamente à gravação de “Incerteza” por José Afonso, registo efectuado sem pedido de autorização ao legítimo autor. Ou o corte de relações entre António Pinho de Brojo e José Maria Amaral, pelo facto de Brojo ter procedido a alterações não autorizadas pelo autor nos temas “Variações em Mi Menor” e “Variações em Lá menor” (o esfriamento de relações surgiu com o boicote à serenata do Seminário de Maio de 1983 e radicalizou-se com as “adulterações” não autorizadas em peças “arranjadas” para o álbum vinil Tempos de Coimbra).
[4] Com efeito, é nas fichas técnicas dos discos lançados no mercado que se observam as mais graves violações no tocante à falta de respeito pelos títulos originais das obras, autorias de letras e músicas, a que acrescem estropiamentos de letras. Para um exemplo acabado deste modo de proceder, leia-se a recolha aleatória de José Ribeiro de Morais, Colectânea de fados e canções de Coimbra, 2ª edição, Porto, Almeida & Leitão, Lda., 1998, obra que logo no tema de abertura apresenta “Saudades de Coimbra” como “Saudação a Coimbra”.
[5] Não se pode considerar revitalização da extinta Escola do Chiado a inauguração da Escola dos Antigos Orfeonistas, em Maio de 2002, confiada à orientação do guitarrista Paulo Soares.
[6] Refiro-me a uma política cultural consistente e não subsídios episódicos, como o atribuído pelo Ministério João de Deus Pinheiro em 1986 à obra de Carlos Manuel Simões Caiado, Antologia do Fado de Coimbra, Coimbra, 1986.
[7] O que esperar de ministros da cultura ou de antigos ministros da pasta, quando em declarações a um jornal, com data de 17 de Março de 2004, o antigo ministro do Governo Socialista de António Guterres e agora Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, José Sasportes, aconselhava a que o “chamado Fado de Coimbra” se fundisse com o Fado de Lisboa para efeitos de candidatura única ao estatuto de património cultural da UNESCO?
[8] Para se aquilatar o grau de interesse da SPA pela actualização da sua base de dados, cite-se a querela havida entre a instituição e a Tuna Académica da Univiversidade de Coimbra no último semestre de 2001. A propósito do CD Orquestra da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, Public-Art Editora 19301, lançado em 16 de Dezembro de 2001, pretendeu o Director da Tuna, Adamo Caetano, registar correctamente o nome do autor do “Hino Académico de Coimbra”. A SPA objectou que não poderia ficar José Cristiano de Medeiros (Açores, 1827; Leiria, 1908), pois que do registo constava Jota Ponto Medeiros. Assim, por obra e graça da estultícia burocrática muito à portuguesa, José Cristiano Ó Neil de Medeiros é “Jota Ponto Medeiros”. Outro episódio caricato: em Outubro de 2002, o guitarrista Francisco Dias remeteu à SPA a ficha técnica de um disco em preparação onde se pretendia alinhar “Bailados do Minho”. Para surpresa de todos, a SPA exigiu que este tema, da autoria de Antero da Veiga, trouxesse apenso o nome de António Portugal.
[9] Saliente-se a atitude do Dr. Mário Nunes, vereador do Pelouro da Cultura da CMC (Março de 2002-Outubro de 2005). Entre os cultores da CC e a RDP/Centro (antigo Emissor Regional da Emissora Nacional) existia de certa forma um litígio implícito, resultante do facto da mesma RDP/Centro manter os arquivos sonoros teimosamente fechados a qualquer hipótese de pesquisa. Dizia-se que os arquivos sonoros da RDP/Centro eram valiosíssimos para a História da CC no período Dezembro de 1946/Abril de 1974. Face ao mutismo da RDP/Centro corriam rumores não oficialmente confirmados, onde desaguavam coisas como “as antigas bobines estão perdidas porque foram reutilizadas”; “as transmissões mais antigas não foram gravadas em bobine”. Em Março de 2002 a situação de mal estar agravou-se com outra notícia também não oficialmente confirmada: a RDP pretendia transferir a curto prazo todo o arquivo sonoro do antigo Emissor Regional de Coimbra para Lisboa. A notícia originou de imediato uma reunião de emergência no gabinete do vereador da Cultura, onde marcaram presença os Drs. Mário Nunes e Jorge Cravo e ainda a Presidente da Secção de Fado da Associação Académica. Nesta reunião se firmou um acordo de cavalheiros no sentido de a Secção de Fado da AAC criar uma fonoteca, com base num protocolo entre a CMC e a RDP/Centro. Numa vistoria por mim efectuada aos referidos arqquivos, em Maio de 2004, constatei que as antigas bobines de fita de aço relativas às “serenatas” realizadas entre 1946-1960 não haviam sido conservadas. Posteriormente, no primeiro semestre de 2005, o grosso do arquivo discográfico da RDP/Centro deu entrada na Fonoteca Municipal de Coimbra.
[10] Eram eles Grupo Verdes Anos, Quarteto Aeminium, Guitarras do Mondego, Guitarras de Coimbra, Tradição de Coimbra, Quinteto de Coimbra, Saudade Coimbrã. Cf. Coimbra Viva. Agenda nº 15, Julho/Agosto 2001, Coimbra, Edição da CMC, 2001.
[11] As reflexões apresentadas em epígrafe são resultado de uma mesa redonda informal, organizada em casa do autor, no dia 1 de Maio de 2002. Participaram os magistrados e antigos estudantes de Coimbra Dra. Carla Silveira, Dr. Paulo Sérgio Ferreira, Dr. Pedro Menezes, e ainda a Dra. Rosário Marques, especializada em arqueologia e museologia pela Universidade do Porto, técnica no Museu Municipal de Penafiel.
[12] O Tango e o Flamenco, melhor conhecidos internacionalmente, já intentaram candidatar-se ao galardão da UNESCO, mas sem sucesso. Em inícios de 2004 a Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Pedro Santana Lopes, também anunciou a intenção de candidatar o Fado de Lisboa, tendo precisado mais tarde que a intenção de protecção visava apenas as modalidades mais tradicionais do Fado, concretamente Fado Corrido, Fado Menor e Fado Mouraria.
[13] O Pelouro da Cultura da CMC, mediante ofício de 3 de Setembro de 2003, nomeava uma comissão de trabalho, coordenada pelo autor deste texto, com vista à produção de um cancioneiro geral literário-musical da CC em 6 tomos. Os trabalhos foram efectivamente organizados, em esforçada colaboração do Coronel José Anjos de Carvalho, mas até finais do mandado (Outubro de 2005) nada foi viabilizado em termos de transcrições musicais e de respectivas edições.
<< Home