Algumas Quadras da Malta
Por António M. Nunes
Na tradição coimbrã estudantil, o substantivo colectivo “malta” quer significar nada mais, nada menos do que os estudantes da Universidade de Coimbra. No século XIX, o conceito era extensivo aos estudantes do Liceu Nacional de Coimbra (=bichos do pátio), desde a sua fundação pelo Decreto de 17 de Novembro de 1836 (art.º 40 e art.º 43) até 1880, período em que o Reitor do Liceu era também o Rector Magnificus et Cancelarius Universitatis Conimbrigencis.
Eis umas quantas coplas, mais ou menos engenhosas que a partir de Coimbra, ou a pretexto e a contexto da cultura académica coimbrã, se foram divulgando pelo menos desde os séculos XVI-XVII um pouco por todo o Portugal “folk-lórico”. Elas constam das recolhas de Teófilo Braga, César das Neves, Fernando Pires de Lima, Afonso Lopes Vieira, Fernando Falcão Machado, Octaviano do Carmo e Sá, Pedro Fernandes Tomás, Nelson Correia Borges, Armando Cortes Rodrigues, José Leite de Vasconcelos, Jaime Cortesão, Francisco José Dias e outros. Não damos aqui conta de outras de refinada brejeirice, nem das pornográficas que corriam oralmente e para as quais a pudibundicia reinante interditou o direito de entrada em cancioneiros impressos. Lembremos, no entanto, esta imaginativa maravilha feita pelo curso de Trindade Coelho, pela primeira metade da década de 1880, ao maçador lente Chaves, onde se pediam esperançosos favores à pesada esfera armilar do ceptro da estátua da deusa Minerva que estava assente sobre a cátedra: “Minerva, faz-nos a esmola,/Se o pai dos deuses consente:/Deixa cair essa bola/Sobre a cabeça do lente!”
Sansão é dos frades crúzios;
A Calçada dos amantes,
A Praça das regateiras
A Feira dos estudantes.
Já não te quero nem ver
Nem para ti mais olhar
Stavas ontem à Porta Férrea
C’um estudante a conversar.
Estudante, à aula, à aula
Lá em cima à Universidade
Quem mais estuda mais aprende
Quem mais aprende mais sabe!
Se o Mondego fosse tinta,
Tinteiro, a Universidade,
Não davam para contar
Lembranças da mocidade.
A beleza do estudante
É tal que por ela morro:
Gorro e capa, capa e livro
Livro e capa, capa e gorro.
O seu todo é elegante
Sua voz muito engraçada:
Um jovem de capa e gorro
Traz minha alma apaixonada.
Se houver de tomar amores
Há-de ser com um estudante
Inda que não tenha dinheiro
Tem o passear galante.
A capa do estudante
É um jardim de flores
Toda cheia de remendos
Cada um de seus amores.
O amor do estudante
Não dura mais que uma hora
Toca o sino vai pr’a aula
Vem a férias, vai-se embora.
Sou studante de Coimbra
Ando a estudar Medicina
Quisera tomar o pulso
Áquela linda menina.
Estudante largue os livros
Volte-se cá para mim:
Mais vale uma hora de amor
Que dez anos de latim.
Se os livros tivessem caras
Como a tua, assim tão linda
Havia de amanhecer
E eu a estudar ainda.
Quem namora os estudantes
Faz dois pecados mortais
Tira-os dos seus estudos
Dá desgostos a seus pais.
Estudantes de Coimbra
Têm dois pecados mortais
Não fazem caso dos livros
E gastam dinheiro aos pais.
Ó minha mãe não me mande
A Coimbra vender pão
Vêm de lá os estudantes:
“Padeirinha é de feição”.
Estudantes de Coimbra
Andam p’ra baixo da Ponte
Por causa das raparigas
Muito sapato se rompe.
Estudantes de Coimbra
Andam sempre sem dinheiro
Inda devem meias solas
Ao vizinho sapateiro.
Campos verdes de Coimbra
Cheios de canaviais
Quem se fia em estudantes
O que recebe são ais!
O meu amor é estudante
Estudante de latim
Se ele se chegar a formar
Ninguém tenha dó de mim.
Eu fui a Coimbra ao estudo
Com tenções de me formar
Apenas vi os teus olhos
Nunca mais pude estudar.
Adeus capas, adeus gorros
Adeus livros, tudo enfim
Adeus ó bela Coimbra
Saudades levo de ti.
Ó Coimbra, ó Coimbra
Que fazes aos estudantes?
Vêm de casa uns santinhos
Vão de cá uns tratantes.
Coimbra, nobre cidade
Onde se vai a perguntas.
É de lá que hei-de trazer
Sete raparigas juntas.
A sua capa, senhor
Vale abraços, vale beijos;
Foi feita de tranças pretas,
Foi tecida com desejos.
Não me lembrava Coimbra
Nem que tal cidade havia;
Agora nunca me esquece
Nem de noute nem de dia!
Inda agora aqui passou
Antoninho p’ró estudo
Cara de neve coalhada
Olhos de limão maduro.
Se Coimbra fosse minha
Como é dos estudantes,
Mandava-a logo cercar
De vasos de diamantes.
Já pedi que me enterrassem
No areal do Mondego;
Para ouvir os estudantes,
Para ter algum sossego.
No colégio de Coimbra
Para te amar aprendi;
Com pena de te não ver
Uma carta te escrevi.
Ó casaria de Coimbra,
Toda branca de luar
Lá na janela mais alta
Está o meu amor a estudar.
Quando eu era rapariga
Ia à tarde ao Ó da Ponte,
Namorar um estudante
Assentadinho defronte. (sic)
Meu amor, eu dou-te um raio,
Um raio do meu olhar:
Tu dele faz candieiro
Para de noite estudar. (sic)
Eu hei-de ir p’lo São João
À Fonte do Castanheiro,
Para ver um estudante
Que é o meu amor primeiro.
O amor do estudante
É como a pomba ferida;
Pelo ar derrama o sangue,
Chega à terra, acaba a vida.
O amor do estudante
É enquanto está presente
Tira chapéu vai-se embora
Fiai-vos lá nessa gente.
Estudantes são maganos
(Ó galantinha)
Amigos de apalpar tudo
(Ó galantinha)
Apalparam-me a jaqueta
(Ó galantinha)
Se era de ganga ou de veludo.
Fui à Fonte dos Amores
E à Fonte do Castanheiro:
Amei e comi castanhas…
Agora toco pandeiro.
As nossas capas são ricas,
Nem os reis poderão tê-las:
Esburacadas que sejam,
Seus buracos são estrelas.
Se Coimbra fosse minha,
Passava-a logo a patacos:
Para que raio a queria eu,
Se ela não tem senão buracos… buracos… buracos?
Se tu fores à Porta Férrea,
Ai, por muito que mates,
Não és capaz de mancar
Onde ficam as lindas fábricas de chocolates!
O meu amor é estudante
Em Coimbra, mas não sei,
Há pouco falei com ele
Inda não lho perguntei.
Fui a Coimbra aos estudos
Perdi os livros no cais:
Cuidei que me esquecias
Cada vez me lembras mais.
Olhos negros de veludo
Hão-de fazer-me doutor,
São os meus livros de estudo
Na faculdade d’Amor.
Por António M. Nunes
Na tradição coimbrã estudantil, o substantivo colectivo “malta” quer significar nada mais, nada menos do que os estudantes da Universidade de Coimbra. No século XIX, o conceito era extensivo aos estudantes do Liceu Nacional de Coimbra (=bichos do pátio), desde a sua fundação pelo Decreto de 17 de Novembro de 1836 (art.º 40 e art.º 43) até 1880, período em que o Reitor do Liceu era também o Rector Magnificus et Cancelarius Universitatis Conimbrigencis.
Eis umas quantas coplas, mais ou menos engenhosas que a partir de Coimbra, ou a pretexto e a contexto da cultura académica coimbrã, se foram divulgando pelo menos desde os séculos XVI-XVII um pouco por todo o Portugal “folk-lórico”. Elas constam das recolhas de Teófilo Braga, César das Neves, Fernando Pires de Lima, Afonso Lopes Vieira, Fernando Falcão Machado, Octaviano do Carmo e Sá, Pedro Fernandes Tomás, Nelson Correia Borges, Armando Cortes Rodrigues, José Leite de Vasconcelos, Jaime Cortesão, Francisco José Dias e outros. Não damos aqui conta de outras de refinada brejeirice, nem das pornográficas que corriam oralmente e para as quais a pudibundicia reinante interditou o direito de entrada em cancioneiros impressos. Lembremos, no entanto, esta imaginativa maravilha feita pelo curso de Trindade Coelho, pela primeira metade da década de 1880, ao maçador lente Chaves, onde se pediam esperançosos favores à pesada esfera armilar do ceptro da estátua da deusa Minerva que estava assente sobre a cátedra: “Minerva, faz-nos a esmola,/Se o pai dos deuses consente:/Deixa cair essa bola/Sobre a cabeça do lente!”
Sansão é dos frades crúzios;
A Calçada dos amantes,
A Praça das regateiras
A Feira dos estudantes.
Já não te quero nem ver
Nem para ti mais olhar
Stavas ontem à Porta Férrea
C’um estudante a conversar.
Estudante, à aula, à aula
Lá em cima à Universidade
Quem mais estuda mais aprende
Quem mais aprende mais sabe!
Se o Mondego fosse tinta,
Tinteiro, a Universidade,
Não davam para contar
Lembranças da mocidade.
A beleza do estudante
É tal que por ela morro:
Gorro e capa, capa e livro
Livro e capa, capa e gorro.
O seu todo é elegante
Sua voz muito engraçada:
Um jovem de capa e gorro
Traz minha alma apaixonada.
Se houver de tomar amores
Há-de ser com um estudante
Inda que não tenha dinheiro
Tem o passear galante.
A capa do estudante
É um jardim de flores
Toda cheia de remendos
Cada um de seus amores.
O amor do estudante
Não dura mais que uma hora
Toca o sino vai pr’a aula
Vem a férias, vai-se embora.
Sou studante de Coimbra
Ando a estudar Medicina
Quisera tomar o pulso
Áquela linda menina.
Estudante largue os livros
Volte-se cá para mim:
Mais vale uma hora de amor
Que dez anos de latim.
Se os livros tivessem caras
Como a tua, assim tão linda
Havia de amanhecer
E eu a estudar ainda.
Quem namora os estudantes
Faz dois pecados mortais
Tira-os dos seus estudos
Dá desgostos a seus pais.
Estudantes de Coimbra
Têm dois pecados mortais
Não fazem caso dos livros
E gastam dinheiro aos pais.
Ó minha mãe não me mande
A Coimbra vender pão
Vêm de lá os estudantes:
“Padeirinha é de feição”.
Estudantes de Coimbra
Andam p’ra baixo da Ponte
Por causa das raparigas
Muito sapato se rompe.
Estudantes de Coimbra
Andam sempre sem dinheiro
Inda devem meias solas
Ao vizinho sapateiro.
Campos verdes de Coimbra
Cheios de canaviais
Quem se fia em estudantes
O que recebe são ais!
O meu amor é estudante
Estudante de latim
Se ele se chegar a formar
Ninguém tenha dó de mim.
Eu fui a Coimbra ao estudo
Com tenções de me formar
Apenas vi os teus olhos
Nunca mais pude estudar.
Adeus capas, adeus gorros
Adeus livros, tudo enfim
Adeus ó bela Coimbra
Saudades levo de ti.
Ó Coimbra, ó Coimbra
Que fazes aos estudantes?
Vêm de casa uns santinhos
Vão de cá uns tratantes.
Coimbra, nobre cidade
Onde se vai a perguntas.
É de lá que hei-de trazer
Sete raparigas juntas.
A sua capa, senhor
Vale abraços, vale beijos;
Foi feita de tranças pretas,
Foi tecida com desejos.
Não me lembrava Coimbra
Nem que tal cidade havia;
Agora nunca me esquece
Nem de noute nem de dia!
Inda agora aqui passou
Antoninho p’ró estudo
Cara de neve coalhada
Olhos de limão maduro.
Se Coimbra fosse minha
Como é dos estudantes,
Mandava-a logo cercar
De vasos de diamantes.
Já pedi que me enterrassem
No areal do Mondego;
Para ouvir os estudantes,
Para ter algum sossego.
No colégio de Coimbra
Para te amar aprendi;
Com pena de te não ver
Uma carta te escrevi.
Ó casaria de Coimbra,
Toda branca de luar
Lá na janela mais alta
Está o meu amor a estudar.
Quando eu era rapariga
Ia à tarde ao Ó da Ponte,
Namorar um estudante
Assentadinho defronte. (sic)
Meu amor, eu dou-te um raio,
Um raio do meu olhar:
Tu dele faz candieiro
Para de noite estudar. (sic)
Eu hei-de ir p’lo São João
À Fonte do Castanheiro,
Para ver um estudante
Que é o meu amor primeiro.
O amor do estudante
É como a pomba ferida;
Pelo ar derrama o sangue,
Chega à terra, acaba a vida.
O amor do estudante
É enquanto está presente
Tira chapéu vai-se embora
Fiai-vos lá nessa gente.
Estudantes são maganos
(Ó galantinha)
Amigos de apalpar tudo
(Ó galantinha)
Apalparam-me a jaqueta
(Ó galantinha)
Se era de ganga ou de veludo.
Fui à Fonte dos Amores
E à Fonte do Castanheiro:
Amei e comi castanhas…
Agora toco pandeiro.
As nossas capas são ricas,
Nem os reis poderão tê-las:
Esburacadas que sejam,
Seus buracos são estrelas.
Se Coimbra fosse minha,
Passava-a logo a patacos:
Para que raio a queria eu,
Se ela não tem senão buracos… buracos… buracos?
Se tu fores à Porta Férrea,
Ai, por muito que mates,
Não és capaz de mancar
Onde ficam as lindas fábricas de chocolates!
O meu amor é estudante
Em Coimbra, mas não sei,
Há pouco falei com ele
Inda não lho perguntei.
Fui a Coimbra aos estudos
Perdi os livros no cais:
Cuidei que me esquecias
Cada vez me lembras mais.
Olhos negros de veludo
Hão-de fazer-me doutor,
São os meus livros de estudo
Na faculdade d’Amor.
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