CHEIA DE GRAÇA
Música: Albano Felix de Noronha (1902-1967)
Letra: 1ª quadra de Augusto César Ferreira Gil; 2ª quadra popular
Incipit: Teus olhos, contas escuras,
Origem: Coimbra
Data: 1928-1929
Música: Albano Felix de Noronha (1902-1967)
Letra: 1ª quadra de Augusto César Ferreira Gil; 2ª quadra popular
Incipit: Teus olhos, contas escuras,
Origem: Coimbra
Data: 1928-1929
Teus olhos, contas escuras,
São duas avé-Marias
Dum rosário d'amarguras
Que eu rezo todos os dias.
Esse ar de santa a brilhar
Que do teu rosto esvoaça
Põe meus lábios a rezar
Maria cheia de graça.
Canta-se o 1º dístico, repete-se; canta-se o 2º e bisa-se.
Esquema do Acompanhamento:
1º Dístico (1ª vez): Ré menor, 2ªSib, Sib maior /// 2ª Ré, Ré menor
1º Dístico (2ª vez): Sol m, 2ª Sib, Sib maior /// 2ª Fá, Fá maior
2º Dístico (1ª vez): Sib maior, Sib menor, Ré menor /// Ré# maior, 2ª Ré, Sib maior
2º Dístico (2ª vez): Ré # maior, 2ª Ré, Ré menor /// 2ª Ré, Ré menor
Informação complementar:
Canção musical estrófica em compasso 4/4, e tom de Ré menor, cujo título foi extraído do 4º verso da 2ª copla. Tema gravado por Armando do Carmo Goes em Lisboa, nos inícios do mês de Setembro de 1929, acompanhado por Albano de Noronha e Afonso de Sousa em guitarras de Coimbra de 17 trastos: disco de 78 rpm His Master's Voice E.Q. 238.
Espécime escorreitamente interpretado por Armando Goes: excelente afinação, dicção coimbrã escorreita, respiração correcta e versatilidade comedida. A título de curiosidade anote-se o facto algo anómalo de o cantor iniciar o 1º dístico das coplas em Ré menor, fazendo a respectiva repetição em Sol menor. O cantor foi servido por um bom arranjo de acompanhamento idealizado por Albano de Noronha. Desta composição não se conhece qualquer edição em partitura impressa, nem gravação posterior à de 1929.
A letra encastoada nesta melodia de Albano de Noronha revela total falta de originalidade, fazendo ecos de uma prática muito discutível que detectamos na Canção de Coimbra até meados da década de 1960. Hoje designaríamos tal atitude por “predacção” aleatória das obras autorais da “Galáxia Sonora Coimbrã”. A 1ª quadra estava muito popularizada em Coimbra e noutros espaços regionais, constando de numerosos cancioneiros: “Cancioneiro Transmontano e Alto-Duriense”, “Cancioneiro de Viana do Castelo”, “Cancioneiro Popular Algarvio”, “Cancioneiro da Cova da Beira”, “Cancioneiro de Entre Douro e Mondego” e “Cancioneiro de Fernando Pires de Lima”. De recolha para recolha notam-se pequenas variantes, como a que conhecemos numa interpretação de “Olhos Negros da Guiné”, pelo Rancho do Cabo da Praia/Ilha Terceira.
Foi esta mesma copla aproveitada na década de 1960 numa composição de Eduardo Melo (“Os Teus Olhos”, 1964), notando-se ligeiras modificações no 1º verso (Os teus olhos não são teus) e também no 3º (Do rosário…). A referida composição foi gravada por José Miguel Baptista, na Holanda, em Dezembro de 1964: LP “Portugal: Fados from Coimbra. Coimbra Quartet”, Philips, mono 631 206 PL e stereo 831 206 PY, que conheceu uma 2ª edição em França. A 2ª quadra já tinha sido gravada em 1928 pelo próprio Armando Goes como 1ª da composição O MEU FADO (Esse ar de santa a brilhar), no disco His Master’s Voice , E.Q. 183. Era habitualmente cantada por António Menano na “Canção da Beira”, gravada pelo próprio em Lisboa, na Primavera de 1928, discos ODEON 1360807 e A136807, master Og 690. A mesma quadra aparece incorporada por António Menano no “Fado Antigo” (“Maria, minha Maria”, melodia no estilo Lisboa, com coplas oitocentistas que se cantavam no “Fado Carmona”), gravado pelo cantor mencionado, em Lisboa, na Primavera de 1928 (ODEON 136818 e A136818, master Og 671). Mais ou menos pela mesma altura, a referida quadra constava impressa na brochura “Colecção dos mais lindos fados e canções”, Lisboa, Livraria Barateira.
Não deve esta composição confundir-se com um registo fonográfico de José Carvalho de Oliveira, realizado entre 1923-1925, cuja 1ª quadra é “Dona Clarinha da Graça” (78 rpm PATHÉ 4043, master 201011), nem com o "Fado da Graça", gravado por volta de 1926-1927 por Felisberto Ferreirinha (Parlophone B 33503). No que respeita às duas gravações mencionadas, apenas conhecemos o disco de Carvalho de Oliveira, sendo plausível que a melodia seja a mesma em Oliveira/Ferreirinha.
D. José Pais de Almeida e Silva efectuou algumas gravações em Lisboa, a 5 de Setembro de 1929, nelas se incluindo um título CHEIA DE GRAÇA (His Master's Voice). Neste caso, limitamo-nos a referir a notícia da gravação, pois tudo indica que as matrizes de D. José Pais nunca chegaram a entrar no circuito comercial.
O Dr. Afonso de Sousa não possuía este disco na sua colecção particular, embora se lembrasse vagamente de Armando Goes ter gravado pelo menos uma composição de Noronha. Albano Félix de Noronha nasceu em Margão (Índia), no ano de 1902 e faleceu em Lisboa em 1967. Fixou-se em Coimbra no ano lectivo de 1923-1924. Integrou entre 1930-1933 o Fado Académico de Coimbra (FAC), onde tocou ao lado de figuras como Jorge Xabregas e Felisberto Passos. Entre 1926-1928 foi regularmente 2º guitarra de Artur Paredes, tendo nessa posição assegurado a primeira série de discos de Edmundo Bettencourt. De 1933 a 1938 esteve largamente ausente de Coimbra, tendo concluído Medicina nesse último ano, após o que se estabeleceu em Lisboa como médico. Esfriadas relações com Paredes, passou a trabalhar como solista, congregando em 2ª guitarra Afonso de Sousa, com quem realizou as gravações de Armando do Carmo Goes e Artur de Almeida d’Eça. Noronha gravou em 1929 guitarradas para a Columbia, a maioria de sua própria autoria, nenhuma delas tendo sido editada (Lá menor, Rapsódia, Fá Sustenido, Mi menor, etc.). Afonso de Sousa tece-lhe rasgados elogios como arranjador. Perdidas as suas peças instrumentais, e sabida a pecha que o guitarrista tinha em relação ao Fado de Lisboa, os registos disponíveis de Bettencourt, de Armando Goes e de Almeida d’Eça, demonstram que Noronha era na sua época logo a seguir a Artur Paredes o melhor guitarrista activo em Coimbra. Seria também o melhor discípulo de Paredes, a ponto de não esconder o seu desejo de tocar como solista em espectáculos e gravações. Poderia fazê-lo com outros tocadores, mas não como membro do grupo de Artur Paredes, pelo que em 1928 se distanciou do mestre.
Um pouco injustamente, Albano de Noronha é hoje uma figura esquecida nos meios conimbricenses. De longe em longe, e apenas em contexto de Fado de Lisboa, lá vão aparecendo umas peças reportadas ao seu nome, com os títulos “Variações em Lá Maior”, “Variações em Lá Menor”. Assim acontece com prestações do guitarrista Francisco Dias e com um disco algo raro “A guitarra de Fernando Pinto Coelho”, Porto, FF EP 0023, da década de 1960. Noronha pagou o preço da sua autonomização face a Artur Paredes. Esgotados e inacessíveis os discos de Armando Goes e Almeida d’Eça, outras gravações viriam inundar o mercado, secundarizando e ostracizando a necessidade de conhecer o real papel pioneiro desempenhado no seu tempo por Noronha.
Nota 1: o Engenheiro Fernando Pinto Coelho ficou conhecido como executante de Guitarra de Lisboa, tendo participado, em 1952, em gravações de Maria Teresa de Noronha (com Arménio Silva). Antes de concluir a sua formação académica em Lisboa, passou "meteoricamente" pela UC onde tocou Guitarra de Coimbra ao lado de homens como Afonso de Sousa, Albano de Noronha, Felisberto Passos e Jorge Xabregas. Não admira que na década de 1960 tenha gravado velhos espécimes instrumentais de José Cochofel, Francisco Menano e Noronha, pese embora vertidos no estilo lisboeta. Um seu irmão, Francisco Pinto Coelho, destacou-se também em finais da década de 1920 como executante de violão (Cf. Afonso de Sousa, "O Canto e a Guitarra...", Coimbra, 1986, pág. 45).
Nota 2: duas grandes novidades trazidas à Guitarra de Coimbra na década de 1920, por Artur Paredes, foram a "afinação de Coimbra" e as harmonizações instrumentais (=arranjos). Excluíndo os discos de Bettencourt, com arranjos de Artur Paredes, apenas detectamos nessa época arranjos nos discos de Armando Goes e Almeida d'Eça, cujas autorias são de Albano de Noronha.
Nota 3: Augusto César Ferreira Gil (Porto, 31/07/1873; Lisboa, 26/02/1929), poeta natural da cidade do Porto, antigo estudante de Direito na UC, autor de inúmeras quadras ao gosto popular cantadas nas vozes de Coimbra. Foi especialmente acarinhado por compositores como Cândido Pedro de Viterbo, Francisco Menano e Paulo de Sá.
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2005)
Texto: José Anjos de Carvalho, António M. Nunes
Agradecimentos: José Moças (Tradisom), Dr. Afonso de Sousa, Dr. Divaldo Gaspar de Freitas, Dr. José Miguel Baptista, Eng. Teotónio Xavier
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2005)
Texto: José Anjos de Carvalho, António M. Nunes
Agradecimentos: José Moças (Tradisom), Dr. Afonso de Sousa, Dr. Divaldo Gaspar de Freitas, Dr. José Miguel Baptista, Eng. Teotónio Xavier
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