terça-feira, dezembro 20, 2005

FADO ALENTEJANO

Música: Armando do Carmo Goes (1906-1967)
Letra: 1ª quadra, popular (séc. XIX); 2ª quadra de João da Silva Tavares (1923)
Incipit: Fechei a porta à desgraça
Origem: Coimbra
Data: ca. 1925


















Fechei a porta à desgraça,
Entrou-me pela janela:
Quem nasceu para a desgraça
(Ai2) Não pode fugir a ela!

Tanto a desgraça me alcança,
Que já me sinto cansado
Da vida que não se cansa
(Ai2) De me fazer desgraçado.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 3º verso e, a seguir, canta-se o 2º dístico que se bisa de seguida:

Esquema do Acompanhamento:
1º dístico: Mib menor, Si maior, 2ª Mib /// 3ª Mib menor, 2ª Mib, Mib menor
3º verso: Solb maior, 2ª Solb
2º dístico: (1ªvez) 2ª Solb, Si maior /// 3ª Mib menor, (Mib menor), 2ª Mib
2º dístico: (2ªvez) 3ª Mib menor, 2ª Mib, Mib menor /// 2ª Mib, Mib menor

Informação complementar:
Canção musical estrófica em compasso quaternário (4/4) e tom de Mi Bemol menor, com melodia acentuadamente mórbida. A autoria musical desta canção foi confirmada por Luiz Goes na entrevista conduzida por Carlos Carranca, inserta no livro intitulado “Luiz Goes de Ontem e de Hoje”, Universitária Editora, Lisboa, 1998, pág. 12.
A 1ª quadra, muito antiga, é popular, encontrando-se em variadíssimos cancioneiros regionais e nacionais e neles se detectam inúmeras variantes literárias. Figura nas recolhas da Ilha de São Jorge, divulgadas por Teófilo Braga, “Cantos populares do Archipelago Açoriano”, Porto, 1867, pág. 76: “Fechei a porta à Fortuna/Entrou-me pela janela/Quem nasceu para a Fortuna/Não pode fugir a ela”. A 2ª quadra é do poeta João da Silva Tavares (1893-1964), extraída do livro “Quem Canta”, editado em 1923. Foi primeiramente cantada por Adelina Fernandes, interpretando o papel da fadista Cesária na opereta “Mouraria”, no “Fado da Cesária”, com música do maestro Filipe Duarte e letra de Silva Tavares. Esta opereta seria posteriormente reposta no Eden-Teatro, em Lisboa, agora com Emília Ferreira no papel de protagonista (Cf. Eduardo Sucena, “Lisboa. O Fado e os fadistas”, Lisboa, Veja, 1992, págs. 175-176).
A primeira gravação foi concretizada em Lisboa, a 21 de Outubro de 1928, pelo próprio Armando Goes, acompanhado em 1ª guitarra toeira de Coimbra por Albano de Noronha e em 2ª guitarra por Afonso de Sousa (Disco His Master’s Voice EQ 192, 7-62232). A etiqueta deste disco menciona o nome do autor da melodia mas não refere os instrumentistas, sendo igualmente omissa no tocante à letra. A interpretação do autor pode considerar-se acentuadamente mórbida, sobrecarregada pela marcação arrastada dos acordes da guitarra de Albano de Noronha.
A gravação contemporânea deste tema foi efectuada por António Bernardino em 1966 no disco Alvorada AEP 60817, de 45 rpm, com acompanhamento a cargo de António Portugal/Manuel Borralho (gg) e Rui Pato (v). O arranjo de António Portugal para a introdução e separador é criativo. Não obstante, o cantor protagoniza uma interpretação arrastada, no tom de Si menor, caindo em esmorecimentos evitáveis. Este registo foi vertido no LP “Coimbra”, Alvorada, ALV-04-19, ano de 1968, Lado B, faixa nº 3, sem qualquer identificação dos instrumentistas, bem como no LP “Vários Fados de Coimbra”, Aquila, AQU 02-49, editado em 1985. A versão Bernardino foi também remasterizada em compact disc: CD Nº 45/”O Melhor dos Melhores”, Movieplay, MM 37.045, editado em 1994; idem, CD Nº 30/”Clássicos da Renascença”, Movieplay, MOV. 31.030, editado em 2000.
A versão Bernardino, em Si menor, foi retomada em 1986 por Victor Silva, do Grupo Académico Serenata do Porto, no LP “Fados de Coimbra”, Orfeu, LPP 44, acompanhado por António Cunha Pereira/António Carvalho (gg) e Carlos Duarte/Arnaldo Brito (vv).
Existe uma outra regravação, no tom de Lá menor, pelo barítono Raul Augusto Moreira Dinis, que adoptou uma letra de sua própria autoria (Um Fado: Ó vida, que mais me queres): CD “Coimbra de Sempre. Raul Dinis”, Lisboa, Discossete CD 97 1000, ano de 1993, faixa nº 2, com António Ralha/Jorge Gomes (gg) e Manuel Dourado (v):

Ó vida, que mais me queres,
Qu’inda não te tenha dado,
Se alguma coisa souberes
Em que te tenha enganado.

Ó vida que vens correndo,
Quem te acredita, sorri;
Não me deixes ir morrendo,
Vê lá, tem pena de mim.

O registo Raul Dinis encontra-se disponível em cassete Discossete, C-971, editada em 1993, e em compact disc: CD “A nossa Selecção de Fados, Baladas e Guitarradas de Coimbra”, Discossete, 1172-2, disco 1, editado em 1997.
Não deverá esta composição confundir-se com títulos algo semelhantes como “Fado do Alentejo”, de António Menano (vulgo “Maria teu lindo nome”), nem com “Canção do Alentejo” (“Lá vai Serpa, lá vai Moura”). Existe uma solfa manuscrita de “Fado Alentejano” em Carlos Manuel Simões Caiado, “Antologia do Fado de Coimbra”, Coimbra, 1986, págs. 172-173. Porém, não é de aceitar como válida da sugestão do recolector quanto a uma origem “regional” deste tema, quando se propõe que “regional” seja visto como sinónimo de Alentejo. “Fado Alentejano” é regional na medida em que foi feito na Região de Coimbra, mas não tem qualquer ligação umbilical ao Baixo Alentejo. O facto de o título aludir explicitamente ao Alentejo significa, quando muito, que o se autor terá pretendido evocar o Alentejo, pelo que deve considerar-se sem pejo um falso rústico. O título, sem qualquer ligação com o texto cantado, fornece a chave para a inclusão desta composição na corrente estética naturalista-regionalista ainda em voga na década de 1920.
A título de curiosidade importará referir que o cantor Carlos Leal (o actor?), gravou entre 1926-1927 com a formação portuense de Armando Marques/Francisco Fernandes (gg) e Pais da Silva (violão), um “Fado Alentejano” no 78 rpm Parlophone B 33300. Estaremos em presença da composição da autoria de Armando Goes, porventura já popularizada nos meios portuenses devido à participação do cantor em digressões complementares da TAUC e do Orfeon? Só a audição comparativa do disco de Carlos Leal permitiria responder satisfatoriamente à questão.

Transcrição musical: Octávio Sérgio (2005)
Texto e pesquisa: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Afonso de Sousa, José Moças (Tradisom)

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