terça-feira, janeiro 24, 2006


Balada de 1958 Posted by Picasa
Pouco sucesso arrecadou entre os anos 50 e a Revolução de 1974 esta "Balada da Despedida do 6º Ano Médico de 1958" (Coimbra tem mais encanto), da autoria de Fernando Machado Soares. Não obstante, existia uma gravação efectuada por Fernando Rolim em 1964, cujo refrão incluía uma voz feminina (EP "Dr. Fernando Rolim", Parlophone, LMEP 1205, ano de 1964, Faixa nº 1, com António Brojo/João Bagão em guitarras e Rui de Moura em viola).
A Serenata do 1º Seminário do Fado de Coimbra, em Maio de 1978, ditou a popularização desta balada gerando um fenómeno de "machadomania" que nem Hilário, nem António Menano terão conhecido. Na década de 1980 cantou-se "Coimbra tem mais encanto" na televisão, nas rádios, nas orquestras ligeiras, nos escuteiros, nos liceus, nos quartéis, nos casinos, nos hotéis e restaurantes. Não havia serenata na Sé Velha que não acabasse com a "Coimbra tem mais encanto", fosse ela de entrada do ano escolar, de Queima das Fitas, de Tomada da Bastilha, de encontro de antigos estudantes. Até Cândida Branca Flor gravou um trecho desta melodia numa rapsódia ligeira. Quando a partir de meados da década de 80 a grande maioria dos estabelecimentos de ensino superior começou a realizar semanas académicas com "serenata", a famigerada "Coimbra tem mais encanto" passou a cantar-se com curiosos ajustamentos de letra. Em vez de Coimbra, os cantores tentavam ajustar a métrica, entoando "Viseu", "Ponta Delgada", "Vila Real". Espectáculo de hotel, casino, restaurante, casa de fados, arraial de junta de freguesia, encerrado com a "Coimbra tem mais encanto" salmodiada em coro, além de supina osmose, era aplauso garantido e sucesso infalível.
Grupos de ouvintes havia que davam as mãos e se bamboleavam de olhos fechados enquanto decorria a cantoria. O escritor Vasco Pereira da Costa quando ligado ao Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra chegou a escrever uma obra satirizando o incipit, espirituosamente intitulada "Coimbra tem mais enquanto". Aparente e irreconciliável paradoxo, enquanto antigos estudantes, agentes turísticos, técnicos publicitários, animadores mass media e programadores festivos, vendiam a "balada" como pretenso símbolo de Coimbra e da cultura estudantil, as elites coimbrãs sentiam-se vilipendiadas com tal colagem mediática, ansiando pela sua erradicação. Certos grupos menos seduzidos pela "balada" e pelas representações culturais que lhe estavam a ser associadas, optavam por uma solução de compromisso com os agentes e o público: um pouco de clássicos, a "Coimbra tem mais encanto", e uma amostra de repertório novo. Era o caso da formação liderada por António Portugal/António Brojo.
Seria aliás interessante efectuar um levantamento das formações que gravaram esta balada entre 1978 e finais dos anos 90. Sendo a Secção de Fado da AAC a instituição organizadora das serenatas na Sé Velha, chegou a haver insolúveis discussões sobre a oportunidade de retirar ou não retirar a "balada" da Sé Velha.
A retirada coube a Jorge Cravo, numa atitude de rebeldia estética e de coragem perante os conformismos instaurados. Evoquemos apenas três momentos: 1) em 1983 o grupo de Jorge Cravo encerra a Serenata de Recepção ao Caloiro na Sé Velha, sendo início do ano escolar, e não interpreta a "balada", atitude geradora de grandes rumores; 2) no encerramento da Serenata do 1º Centenário da AAC (1987), na Via Latina, todos os grupos presentes começam a entoar em coro a "balada". Jorge Cravo afasta-se dos grupos, sobe a escaria da Via Latina e posiciona-se em plano recuado, em ostensiva atitude de protesto (no final tratei de saber quem era aquele cantor, cujo trabalho já admirava); 3) o grupo de Jorge Cravo encerra a Serenata da Queima das Fitas de Maio de 1988 interpretando a "Balada da Despedida do 4º Ano de História de 1988 (Do nosso sonho ficou). Terminada a balada, António José Moreira e Henrique Ferrão arrancam com a "Balada de Coimbra". Estava encerrada a serenata. Gerou-se alguma confusão nas escadarias da Sé Velha. Umas meninas que ali estavam, pelo menos desde as 4 horas da tarde, tentavam em vão trautear a "Coimbra tem mais encanto". Houve umas palavras de ordem secas e duras, foram agitados colherões. Tinha custado, mas estava feito! Durante anos choveram protestos dos mais variados quadrantes exigindo o regresso da "balada".
Como diria Trindade Coelho, no meu tempo não mais voltou à Sé Velha, melhor servida com essa versão de Artur Paredes sobre a "Balada de Coimbra" de Elyseu.
Já conhecíamos a "Coimbra tem mais encanto" nas mais variadas versões. Lapidada no Penedo da Saudade, em gravação de Maio de 1983, por alturas das "bodas de prata", é apenas mais uma faceta dessa tão popular e aplaudida obra.
AMNunes

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