Álvaro do Carvalhal
Retrato fidedigno do antigo estudante da Faculdade de Direito da UC e contista Álvaro do Carvalhal, réplica de um outro de grandes dimensões existente na sala da casa de habitação de sua neta Dra. Mariberta Carvalhal.
O escritor Álvaro do Carvalhal, filho de António do Carvalhal Silveira Telles e de Teresa Teixeira Vaz Barroso Guerra, nasceu em Algeriz, Vila Real, no ano de 1844. Com passagens pelos liceus de Braga, Viseu e Coimbra, matriculou-se na Faculdade de Direito da UC em 11 de Outubro de 1864. Viria a falecer de aneurisma, com o curso por concluir, em Coimbra, no dia 14 de Março de 1868, pelas 21 horas, no prédio nº 46 da Couraça de Lisboa. Foi sepultado no Cemitério da Conchada, o romântico "Pio" dos tísicos e serenateiros, em vala comum.
No assento de óbitos, exarado no "Livro de Óbitos da Freguesia de São Cristóvão", Coimbra, ano de 1868, folha 4v-5, refere o padre Manuel da Cruz Pereira Coutinho "não consta que deixasse filhos" (sic). De facto, à data da sua morte, Álvaro do Carvalhal não sabia que havia gerado um filho a Genoveva da Silva, quatro anos eram contados. Nos anos do Liceu de Braga, o jovem Álvaro conheceu, namorou e teve relações íntimas com Genoveva da Silva, uma rapariga natural de Braga que trabalhou como professora primária em Braga e Esposende. Da relação carnal entre Genoveva da Silva e Álvaro do Carvalhal veio a nascer discretamente em Celeirós, Braga, uma criança do sexo masculino, baptizada com o nome de Álvaro da Silva Carvalhal. O escritor jamais soube que Genoveva estava grávida. Não são conhecidos os motivos que levaram Genoveva a ocultar a Álvaro a gravidez. Podemos, no entanto, enunciar: a) a vergonha familiar e social que ao tempo resultava do facto de ser-se mãe solteira; b) os receios de Genoveva quanto a uma eventual cassação da licença de ensino, visto ser mãe solteira; c) o temor de agravar o estado de saúde de Álvaro, dado que este quando residia em Braga já lhe fora diagnosticada a doença e prognosticados poucos anos de vida.
Genoveva deu o filho a criar até aos 9 anos a uma ama de Celeirós, Braga, doceira de ofício. Receosa de perder a licença profissional, ou tendo no horizonte a celebração de eventual casamento, entendeu que era chegado o momento de enviar o filho para o Brasil, entregando-o aos cuidados de um seu irmão solteiro.
Antes do embarque, Genoveva inteirou o filho da identidade do progenitor e da existência de familiares em Trás-os-Montes. Viajou com a criança até Algeriz e em chegando à porta de António Teles deu-se a conhecer e disse ao que ia. O idoso António Teles veio receber comovidamente o neto, abraçou-o e gritou para dentro: "Ó Teresa anda cá ver o filho do nosso Álvaro!". Teresa Guerra, mordida pela peçonha da vergonha de um neto "apanhadiço" resmungou e não se deu a ver. O pequeno Álvaro jamais esqueceria as falas secas e duras daquela avó que não se quis dar a conhecer.
Genoveva da Silva, professora de instrução primária, veio a casar em Esposende e ali trabalhou duradouramente. Não ocultou ao marido a existência do filho "ilegítimo". Nascido quatro anos antes da morte do pai (1864-1935), Álvaro da Silva Carvalhal emigrou para o Brasil. Ali se fez "brasileiro milionário", republicano amigo e simpatizante de Bernardino Machado, maçon, ateu e cultivado autodidacta. Regressado a Portugal com 43 anos, o endinheirado filho de Álvaro do Carvalhal estabeleceu-se em Esposende na casa da mãe e do padrasto. Desembarcado em Lisboa, no seu périplo terreste para norte percorreu alfarrabistas e livrarias de Lisboa, Coimbra e Porto, com o fito de encontrar um exemplar do livro do pai ("Contos", 1868). Finalmente, por intermédio de uma professora amiga e conviva do futuro sogro, logrou obter um exemplar da obra. Foi mais ou menos nesta altura que o "brasileiro" conheceu Eugénia Abreu, uma burgesinha esposendense, católica, conservadora, com menos 23 anos do que o futuro marido (1887-1958), filha do professor régio de Esposende. O casamento realizou-se no ano de 1907 na Igreja de São Lázaro, Braga. Na época a que nos reportamos eram corriqueiros os casamentos entre noiva provinciana católica e noivo positivista, ateu, maçónico e republicano. As esposas não interferiam na actividade política/ou partidária dos esposos e estes davam carta branca às esposas quanto a baptizados, comunhões e crismas dos filhos.
O casal Carvalhal domiciliou-se em Esposende, local onde foram sucessivamente gerados António Carvalhal (1909-1982), Álvaro Carvalhal (1911-1950), Luís Carvalhal (1913-1995), Joaquim Carvalhal (1915-1995) e Mariberta Carvalhal (1918...).
Na segunda metade da década de vinte, o casal Carvalhal acompanhou o filho António, primeiro no Liceu de Viana do Castelo (até ao 5º ano), depois no Liceu de Braga (até ao 7º ano). No Verão de 1931 toda a família Carvalhal se estabeleceu em Coimbra, com o filho António a iniciar os estudos de Direito. Habitaram sucessivamente em Montes Claros, Ladeira do Seminário, Rua António José de Almeida e Largo da Matemática (actual República dos Inkas). À excepção do aluno de Direito e guitarrista António Carvalhal, os restantes irmãos frequentaram o Liceu D. João III. Mariberta matriculou-se no Infanta D. Maria, tendo ingressado na Faculdade de Letras da UC no ano lectivo de 1937/1938. Integrou a primeira geração do jovem TEUC, foi colega e amiga do estudante escritor Vergílio Ferreira, tendo concluído o curso de "germânicas" em 1944.
O folgado estado financeiro da família Carvalhal, conseguido graças aos lucros obtidos numa fábrica de refinação de açúcar do Brasil, alterou-se em meados da década de trinta. O regime brasileiro congelou fortunas e rendimentos de antigos emigrantes portugueses. As poupanças de Álvaro da Silva Carvalhal não escaparam a este processo. A agravar a situação, Álvaro da Silva Carvalhal faleceu em Coimbra, a 30 de Maio de 1935, balbuciando apenas um insólito "Deus seja comigo".
Sendo a viúva Eugénia Abreu doméstica e inábil para os negócios, o filho mais velho, António Carvalhal, tentou assumir-se como "chefe de família". Abandonou Direito no 3º ano e ingressou em Histórico-Filosóficas, trabalhando ainda na Biblioteca Geral da UC. Os manos Luís, Joaquim e Mariberta matricularam-se em cursos da UC. O mano Álvaro tirou o diploma de ensino primário, após o que fundou e dirigiu em Esposende o Colégio Infante Sagres. Luís, terminado o curso de Histórico-Filosóficas, refugiou-se a partir de 1950 no Rio de Janeiro. Joaquim deixou o curso de Direito por concluir em Coimbra. Por 1950-1951 asilou-se no Brasil, ali tendo concluído Direito e exercido advocacia. António trabalhou como professor no Colégio Alexandre Herculano, Coimbra, mas a partir de 1944 percorreu estabelecimentos de ensino na Covilhã e no Porto, como professor de História e de Português. Mariberta, após passagem por Ilhavo e Porto, radicou-se com a família em Luanda no ano de 1958. Exceptuando António, personalidade muito conservadora e simpatizante do Estado Novo, os restantos manos Carvalhal eram assumidamente do "reviralho".
Álvaro do Carvalhal (neto), faleceu em 16 de Agosto de 1950 em Esposende, solteiro e sem filhos, vitimado por fulminante cancro de estômago.
Luís Carvalhal faleceu no Rio de Janeiro, em 18 de Novembro de 1995, casado, pai de uma filha e de um filho.
Joaquim Carvalhal faleceu no Rio de Janeiro em 5 de Novembro de 1995, solteiro e sem filhos, vítima de traumatismo craniano resultante de atropelamento de bicicleta na via pública.
Mariberta Carvalhal, viúva, é mãe de duas filhas.
As obras conhecidas do escritor Álvaro do Carvalhal são:
-"O castigo da vingança", drama em 3 actos, editado em Braga, quando ali era aluno do Liceu;
-"Contos", edição póstuma, ainda no decurso de 1868, pelo seu grande amigo e biógrafo José Simões Dias. Esta obra inclui os contos frenético-fantásticos J. Moreno, O Punhal de Rosaura, Os Canibais, A Febre do Jogo, A Vestal e Honra Antiga. Da 1ª edição de 1868 se tiraram pelo menos mais duas, sempre com os reeditores na mais firme convicção quanto à inexistência de herdeiros directos do escritor: "Seis contos frenéticos escritos por Álvaro do Carvalhal", Lisboa, Arcádia, 1978, com prefácio e notas de Manuel João Gomes; "Contos", Lisboa, Assírio & Alvim, ISBN 972-37-089-1, Agosto de 2004.
O conto "Os Canibais" serviu de argumento ao filme-ópera de Manuel de Oliveira, com o mesmo título, realizado em 1988.
Na voz de alguns críticos literários, AC não é propriamente apreciado. José Régio apodava-o de artificial. Cf. José Régio, "Sobre o estilo de Álvaro do Carvalhal", in O Primeiro de Janeiro, de 27 de Março de 1968. Jacinto Prado Coelho rotula-o de "doente", "tosco", "cínico" (Cf. Jacinto Prado Coelho, "Álvaro do Carvalhal", in Dicionário de Literatura, 3ª edição, 1º Volume, Porto, Figueirinhas, 1985, p. 154. Alberto Ferreira distingue-o como pioneiro no lançamento da polémica que haveria de catapultar a Questão Coimbrã. Cf. Alberto Ferreira, "Bom Senso e Bom Gosto. Questão Coimbrã", Volumes I e II, Lisboa, Portugália, 1968 (I, pág. 416; II, págs. 233-246).
Para saber mais: Maria Helena Duarte Santos, "Álvaro do Carvalhal. Um escritor esquecido?", in MUNDA, Nº 38, Novembro de 1999, págs. 21 e ss (com desconhecimento da existência de descentes directos).
Agradecimentos: Dra. Mariberta Carvalhal
AMNunes
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