Cortejo da Queima das Fitas
Rara e interessante fotografia divulgada por Alexandre Ramires no catálogo "Revelar Coimbra. Os inícios da fotografia em Coimbra (1842-1900)", Coimbra, 2001, documento 50, com o título "Porta Férrea. Festa de Estudantes. Finais do século XIX".
Não querendo duvidar da sólida competência técnica de Alexandre Ramires, tenho para mim que esta fotografia se reporta não a um cortejo da década de 1890 mas sim a um cortejo da Queima das Fitas ocorrido entre 1901-1905. Antes de 1900 são totalmente desconhecidos cortejos da Queima das Fitas, cuja estrutura não deve confundir-se com os antigos cortejos das Latadas (Festa das Latas, Festa do Ponto).
Poderá contra-argumentar-se que em 1899 o Centenário da Sebenta dinamizou um monumental cortejo, mas tal argumento não colhe sentido. O Cortejo do Centenário da Sebenta é conhecido exaustivamente através de fotografias de época e de postais ilustrados. Os postais evidenciam bem que, não obstante o aparato burlesco, as carroças e carros de bois foram concebidos como carros alegóricos.
No presente cortejo, a diferença é flagrante. Perante os cenários da Porta-Férrea e da Alameda Camões, a carruagem de duas parelhas não apresenta qualquer estrutura próxima dos "carros alegóricos". O que vemos é uma carruagem de dois rodados, com quartanistas (??) sentados, profusamente ornamentada com flores e motivos vegetais. Esta solução é directamente inspirada nas carruagens que em Lisboa se exibiam anualmente no Carnaval com homens e mulheres que dinamizavam as elegantes "Batalhas das Flores", de que há relatos ao longo da primeira década do século XX nos carnavais mundanos de Coimbra e do Porto.
A celebração da Primavera e a euforia perante a floração são contudo muito anteriores à emergência da Queima das Fitas, pois nas décadas de 1850-1860 os estudantes tinham como horizonte simbólico para o início dos festejos de fim do ano escolar a floração do Tulipeiro da Virgínia existente no Jardim Botânico.
As carruagens eram enfeitadas com motivos florais e no interior seguiam cestas repletas de flores que eram atiradas sobre os ocupantes dos carros mais próximos. Como se pode aferir, o chic "baile de gala" (Ponta Delgada, Fenianos do Porto) e a "batalha das flores" eram então novidades fidalgo-burguesas que vinham desacreditar o velho, porco e malcheiroso Entrudo que em Coimbra metia três dias de ovos podres, cebolas, batatas, tremoços e panelos de barro.
A Batalha das Flores, limpa e perfumada, como que remete para uma antiga tradição cultivada nos séculos XVII e XVIII, no Entrudo, pelos fidalgos de Ponta Delgada. Era a "Batalha das Limas", à base do lançamento aparatoso de bolas de cera recheadas com água perfumada.
Crónicas atinentes ao período 1901-1905 confirmam que os quartanistas de Direito e Teologia ornamentavam os carros de tracção animal com flores e realizavam ao longo do percurso uma "Batalha das Flores". Esquecida a "batalha", restam as flores de papel.
AMNunes
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