Por Aníbal Rodrigues
A cerimónia de abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra (UC) foi interrompida, ao final da manhã de ontem, por cerca de 20 estudantes, a maior parte dos quais afecta ao Bloco de Esquerda. O gesto motivou o abandono da Sala dos Capelos por parte do Reitor, Seabra Santos, que foi seguido pelos restantes professores e convidados. Foi então que um dos alunos empunhou um megafone e proferiu palavras de ordem como: "Santana é um aldrabão" ou "Morte ao Santana".
O Reitor Seabra Santos já tinha proferido o seu discurso de uma hora, a que se seguiu a intervenção do Presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), Miguel Duarte. Depois, sem que nada o fizesse esperar, um grupo de cerca de 20 alunos apoderou-se do microfone da tribuna. Seabra Santos ainda ouviu duas intervenções de alunos que falaram em nome do "Conselho das Repúblicas".
Ao aperceber-se, após os dois discursos, de que as intervenções iriam continuar, Seabra Santos decidiu então abandonar a Sala dos Capelos. Ouviram-se ainda algumas frases de alguns desses alunos e alunas, mais ou menos filosóficas, irrompendo depois a tal intervenção de megafone, atacando o primeiro-ministro.
Com palmas de alunos que se encontravam ao fundo da sala e a vozearia de desaprovação de funcionários e professores, gerou-se a debandada geral da Sala dos Capelos. Na confusão, um professor achou até uma borla com a cor de Direito e perguntou ao antigo Reitor Rui Alarcão se o peculiar chapéu lhe pertencia, ao que este respondeu negativamente.
Ainda a quente, Fernando Rebelo, antecessor de Seabra Santos, aceitou comentar o sucedido: "Quando eu era Reitor as coisas estavam a deteriorar-se, mas não chegaram nunca a atingir estas proporções." Já Seabra Santos, apesar de muito pressionado pelos jornalistas, recusou falar e a seguir à cerimónia de tomada de posse dos novos pró-reitores iniciou uma reunião de emergência com Fernando Rebelo, Rui Alarcão e toda a equipa reitoral.
Boicote "ilegítimo"
Já durante a tarde, Rui Alarcão afirmou ao PÚBLICO que não se recorda de um semelhante acto se ter verificado na história da UC. Quanto ao sucedido, o catedrático considera que "o direito à crítica já tinha sido amplamente exercido na sessão, através de um excelente discurso do Reitor, crítico do Governo, e de um bom discurso do presidente da AAC". Em relação ao boicote, não tem "a menor dúvida de que foi ilegítimo".
Rui Alarcão destacou ainda o "grande mal-estar, a nível universitário e geral", que estes acontecimentos evidenciam, pelo que defende: "O poder político tem a obrigação de prestar atenção a isto."
No seu discurso, Renato Teixeira, aluno da licenciatura em Jornalismo, recordou antigas citações do próprio Seabra Santos, que designou como "presidente do conselho de administração da Universidade de Coimbra" e a quem atribuiu culpas no processo de aprovação da propina máxima. O aluno explicou as razões da interrupção da cerimónia: "O facto de nos ter sido imposta a mais violenta das exclusões deste Portugal de Abril: o aumento brutal das propinas, arquitectado por este Governo a que ninguém reconhece legitimidade." Na opinião do discente, tal constitui "um verdadeiro acto de terrorismo contra a sabedoria colectiva".
Já fora da Sala dos Capelos, alguns membros do grupo contestatário consideraram que a acção se inscreve na perspectiva de "acções de desobediência civil", aprovadas na Assembleia Magna da anterior madrugada. Já o líder da AAC preferiu demarcar-se do sucedido, mostrando no entanto alguma compreensão. "Esta intervenção não foi aprovada na Magna, mas é fruto da revolta dos estudantes", justificou. O próprio Miguel Duarte, após a leitura do seu discurso, também crítico, saiu da Sala dos Capelos. "Resta-me abandonar esta abertura solene, o momento não é de solenidade, mas sim de crise", proferiu.
"Muito grave e condenável"
Em comunicado emitido ao final da tarde, a reitoria classificou como "muito grave e condenável o comportamento deste pequeno grupo de estudantes, os mesmos que têm invadido o Senado e impedido, por meios anti-democráticos, o funcionamento dos órgãos colegiais do governo da universidade".
Acrescenta que "não confunde" o direito de manifestação exercido pela direcção geral da AAC, ontem, no Pátio das Escolas, com os actos do referido grupo. E apela a que a AAC "se demarque pública e claramente dos acontecimentos". Ficou ainda agendada uma reunião extraordinária do Senado para o próximo dia 20.
[texto relativo a 5ª feira, 14 de Outubro de 2004, retirado do endereço «Inserv.ci.uc.pt/mhonarchive/cp-alunos/msg00005.html-17k»]
<< Home