SALVADOR DIAS ARNAUT (1913-1995)
A propósito da atribuição do nome do DOUTOR SALVADOR DIAS ARNAUT a uma artéria de Coimbra:
Evocação de um Mestre
(reed. de um texto de 1995) [1]
A 8 de Julho do ano em curso morreu em Coimbra, vítima de doença súbita, o Doutor Salvador Dias Arnaut, lente jubilado de Letras/História e nome cimeiro do medievismo português.
Natural de Penela, Salvador Manuel Dias dos Santos Arnaut começou por se licenciar em Medicina na UC (1940) e foi, por alguns anos, médico dos serviços locais da delegação de Saúde e professor da Escola de Enfermagem Rainha Santa Isabel. Entre 1943 e 1947 cursou Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras (do seu Livro de Curso constam nomes como os de Walter de Sousa Medeiros, Joaquim Veríssimo Serrão e Fernando Campos), concluindo a licenciatura em 1951: a dissertação que então apresentou e defendeu tinha por título A Batalha de Trancoso, obra que representa a primeira incursão de fundo do Autor na problemática de 1383-85. Contratado como 2.º Assistente da Faculdade de Letras em 1952, viria a doutorar-se 8 anos mais tarde, apresentando como dissertação o hoje clássico estudo A Crise Nacional dos Fins do século XIV, I. A Sucessão de D. Fernando. Recebeu solenemente as insígnias doutorais (conjuntamente com o Doutor Avelino de Jesus da Costa [1908-2000]) em Janeiro de 1965. Fez concurso para professor extraordinário da sua Escola em 1969 a tingiu a cátedra em 1971. Entre 1972 e 1974 foi Subdirector da Faculdade de Letras (o Director era o Doutor Américo da Costa Ramalho). Durante longos anos, esteve ligado à docência, nomeadamente, de História de Portugal II, História Moderna e Contemporânea de Portugal, História da Expansão Portuguesa e História do Brasil.
Afastado do ensino por algum tempo após o 25 de Abril de 1974, regressaria à sua escola em 1978, reassumindo a Direcção do Instituto de História da Expansão Ultramarina (que já dirigira a partir de 1965); entre 1978 e 1981 presidiu à Comissão Científica do Grupo de História. Atingiu o limite de idade a 25 de Outubro de 1983. No dia seguinte seria um dos arguentes (o outro foi A. H. de Oliveira Marques) de O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média (Estudo de História Rural), tese de doutoramento de Maria Helena da Cruz Coelho, a primeira em História Medieval na UC desde as de Avelino de Jesus da Costa e do próprio SDA (ambas defendidas em 1960). Jubilou-se no termo do ano lectivo de 1983/84, mas continuou a prestar apoio a Seminários de mestrado e a participar em júris de provas académicas praticamente até ao fim da vida, constituindo referência indelével para os historiadores mais jovens.
Foi membro da Academia Portuguesa da História, da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio emérito da Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais.
Deixou uma Obra não particularmente extensa, mas marcante, muito em especial os estudos que consagrou às complexas e controversas décadas de finais de Trezentos. Obra não totalmente pacífica: há quem lhe assinale «curtas perspectivas historiográficas» e lhe aponte a pecha de «estudar as origens da "crise" de 1383 pela via estritamente factológica» [2]; há quem, em contrapartida, lhe realce a «minuciosa exegese» documental [3]. É opinião do autor desta nótula que os trabalhos de SDA sobre a problemática em causa vieram introduzir duas novidades de fundo:
a) A chamada de atenção para a importância política dos filhos de Pedro I e de Inês de Castro, e particularmente para o infante D. João, como a individualidade em quem sectores significativos da sociedade política viam, em 1383, a «saída para a (dimensão dinástica) da crise»;
b) o realce dado à nobreza beirã e ao seu papel em Trancoso, batalha cujo desfecho se considera fundamental no enfraquecer do exército castelhano e, consequentemente, episódio de modo algum escamoteável nos meses pré-Aljubarrota e indissociável da resolução militar da crise: «Trancoso foi (…) o prólogo de Aljubarrota», escreveu Ruy d'Abreu Torres, em artigo que sintetiza os pontos de vista de SDA [4].
É óbvio que nem A Batalha de Trancoso nem A Crise Nacional… são propriamente livros de leitura fácil, acessíveis, por hipótese, a estudantes do 2.º ano da licenciatura. Um acesso mais imediato ao essencial dos modos de ver do Autor pode conseguir-se nos trabalhos publicados nos anos 70 e 80, onde se retomam, complementam ou requestionam, em textos de maior brevidade, diversas questões abordadas nos opera magna [5].
SDA foi ainda um apaixonado cultor da História Regional e Local, desde Penela [6], onde veio ao Mundo, até outras localidades da Região Centro [7]; sem esquecer a compra que fez das ruínas do castelo de Germanelo e os cuidados que longamente pôs na sua preservação [8].
Destaque também para o estudo que dedicou à alimentação medieval [9], estudo este que, a par do capítulo «A mesa» de A sociedade Medieval Portuguesa, de A. H. de Oliveira Marques [10], constitui, na nossa Historiografia, o primeiro aflorar de uma problemática que, por esse Mundo fora, só bem mais tarde se iria impor.
Conservador por formação e opção, SDA iria no entanto deixar de si próprio – particularmente nos tempos de maturidade e velhice – uma imagem de diálogo, abertura, capacidade de reconhecer mérito a obras e autores que não participassem da sua visão do Mundo e de julgar os Colegas mais jovens por critérios estritamente científicos (e assim se compreende que SDA tenha estado directa ou indirectamente ligado à formação de historiadores tão diferentes, entre si e dele próprio, como João Lourenço Roque, Maria Helena da Cruz Coelho, João Marinho dos Santos, Maria Rosa Marreiros ou Leontina Ventura, e isto para só citar aguns nomes das duas últimas gerações). O essencial estaria na probidade da investigação; e falava frequentemente da criação de uma cadeira de Deontologia Profissional para Historiadores…; tais qualidades aliavam-se a uma extrema cordialidade pessoal, a um fino humor e a uma espantosa capacidade de evocar episódios pitorescos (ou mesmo picarescos) da vida da Universidade e dos seus Mestres. E aí, creio, o peso da sua formação primeira terá sido determinante: como ele próprio afirmava em 1965, ao fazer a solene petição de grau na Sala dos Capelos, «a Medicina, ligada ao sofrimento, (…) é profundamente humana – e humaniza» [11]. Deste ponto de vista Salvador Dias Arnaut foi médico até ao fim e não faltou ao juramento. («Médico» era, aliás, o único qualificativo que constava dos seus cartões de visita). E daí qua a sua morte tenha sido profundamente sentida pela Escola de Coimbra e que à última morada o tenha seguido o pesar unânime de Colegas, Amigos, Discípulos, Admiradores. «Tinha-se acabado uma longa jornada» [12]. Que melhor exemplo para os historiadores portugueses na conjuntura que atravessamos ?
Porto, 23 de Julho de 1995
BIBLIOGRAFIA
1. Activa (selecção)
[1] Penela. Notas acerca de Um Centenário, Coimbra, 1937.
[2] Ladeia e Ladera. Subsídios para o Estudo do Feito de Ourique, Coimbra, 1939.
[3] António Nobre e a Paisagem de Coimbra (conferência), Coimbra, 1940.
[4] «Froissart e João Fernandes Pacheco», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 129-159.
[5] «Flechas com "erva", na Guerra entre Portugal e Castela no fim do século XIV», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 214-220.
[6] «Resenha sobre Historiografia Nacional e Estrangeira. Portugal (1939-1949)», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 307-328.
[7] Batalha (A) de Trancoso, Coimbra, Faculdade de Letras / Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1951.
[8] Região do Rabaçal. A Terra e o Homem, Coimbra, Câmara Municipal de Penela, 1955; 2.ª ed.: 1961.
[9] Crise (A) Nacional dos Fins do Século XIV, I. A Sucessão de D. Fernando, Coimbra, Faculdade de Letras, 1960.
[10] «Algumas Notas sobre a Campanha de Aljubarrota», Revista Portuguesa de História, X (1962), pp. 467-499.
[11] Terras de Ansião: Um Pouco de História, Lisboa, 1964.
[12] Penela na Obra de Dois Escritores: Fernão Lopes e Eloy de Sá Sotto Mayor, Coimbra, Câmara Municipal de Penela, 1966.
[13] «Introdução», in LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando, Porto, Civilização, 1966, pp. IX-XXIV.
[14] «Arte (A) de Comer em Portugal na Idade Média», Introdução a ARNAUT, Salvador Dias; MANUPPELA, Giacinto [Ed.] – "Livro (O) de Cozinha" da Infanta D. Maria de Portugal, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1967, pp. XXIII-CXXX, com Apêndice Documental a pp. CXXXI-CXLV; reed. como vol. autónomo: Lisboa, IN/CM, 1986.
[15] Episódio (O) de Inês de Castro à luz da História, Lisboa, Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação d'«Os Lusíadas», 1972.
[16] «Documentos (Os) do Mestre de Avis. Breves notas», Revista Portuguesa de História, XVII/2 (1977), pp. 341-349.
[17] «Castelo (O) de Germanelo», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 28 (1982), pp. 231-256.
[18] «Crise (A) Nacional dos Fins do Século XIV (Contribuição para o seu Estudo)», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 30 (1985), pp. 51-79.
[19] «Amores (Os) de Pedro e Inês. Suas Consequências Políticas», in Mulher (A) na Sociedade Portuguesa: Visão Histórica e Perspectivas Actuais. Actas do Colóquio, t. II, Coimbra, 1985, pp. 403-414.
[20] Acerca da Batalha de Trancoso, Trancoso, Câmara Municipal, s.d. [1986].
[21] «D. João I, Grande Rei, Grande Reinado», in Aljubarrota: 600 anos, Ciclo de Conferências da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, s.l. [Lisboa], 1987, pp. 351-363.
[22] «Tomar na Crise de 1383-1385», Boletim Cultural e Informativo da Câmara de Tomar, 10 (1988), pp. 13-21.
[23] «D. Fernando: o Homem e o Governante», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 32/1 (1989), pp. 9-33.
[24] «Infante (O) D. Pedro, Senhor de Penela», Biblos, LXIX (1993), pp. 173-217.
[25] «Três Estudos sobre os Descobrimentos», Biblos, LXX (1994), pp. 93-118.
[26] «Valerá a pena ?», in Alta de Coimbra: História-Arte-Tradição (Actas do 1.º Encontro sobre a Alta de Coimbra), Coimbra, GAAC, 1988, pp. 303-308.
2. Passiva
[27] «Arnaut, Salvador Dias», in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, XXXVIII (Apêndice) [AL-BE], Lisboa / Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d., p. 540; e Actualização, I, Lisboa / Rio de Janeiro, 1981, p 579.
[28] «Discursos nos Doutoramentos Solenes dos Doutores Salvador Manuel Dias dos Santos Arnaut e P.e Avelino de Jesus da Costa», Biblos, XLI (1974), pp. 3-28 (a oração de petição de grau, proferida pelo próprio SDA, encontra-se a pp. 9-10, e o elogio dos doutorandos, a cargo de Arnaldo Miranda Barbosa, a pp. 11-16; a pp. 4-5, uma breve nota biobibliográfica de SDA).
[29] HOMEM, Armando Luís de Carvalho; ANDRADE, Amélia Aguiar; AMARAL, Luís Carlos – «Por onde vem o Medievismo em Portugal ?», Revista de História Económica e Social, 22 (1988, Jan.-Abr.), pp. 115-138.
[30] MACEDO, Jorge Borges de – «Desenvolvimento (O) da Revolução Nacional de 1383-1385», in Aljubarrota: 600 anos, Ciclo de Conferências da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, s.l. [Lisboa], 1987, pp. 71-96.
[31] MATTOSO, José – «Perspectivas actuais da investigação e da síntese na Historiografia Medieval portuguesa (1128-1383)», Revista de História Económica e Social, 9 (1982, Jan.-Jun.), pp. 145-162.
[32] NUNES, João Paulo Avelãs – História (A) Económica e Social na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1911-1974). O historicismo neo-metódico: Ascensão e Queda de um Paradigma Historiográfico, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, 1995.
[33] OLIVEIRA, António de – «Jubilação Universitária do Doutor Salvador Dias Arnaut», Revista Portuguesa de História, XXII (1985), pp. 201-206; também em Biblos, LXI (1985), pp. 620-625.
[34] ROQUE, João Lourenço – «Homenagem a Salvador Dias Arnaut», Diário de Coimbra (1995/07/12), p. 6.
Armando Luís de Carvalho HOMEM
Evocação de um Mestre
(reed. de um texto de 1995) [1]
A 8 de Julho do ano em curso morreu em Coimbra, vítima de doença súbita, o Doutor Salvador Dias Arnaut, lente jubilado de Letras/História e nome cimeiro do medievismo português.
Natural de Penela, Salvador Manuel Dias dos Santos Arnaut começou por se licenciar em Medicina na UC (1940) e foi, por alguns anos, médico dos serviços locais da delegação de Saúde e professor da Escola de Enfermagem Rainha Santa Isabel. Entre 1943 e 1947 cursou Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras (do seu Livro de Curso constam nomes como os de Walter de Sousa Medeiros, Joaquim Veríssimo Serrão e Fernando Campos), concluindo a licenciatura em 1951: a dissertação que então apresentou e defendeu tinha por título A Batalha de Trancoso, obra que representa a primeira incursão de fundo do Autor na problemática de 1383-85. Contratado como 2.º Assistente da Faculdade de Letras em 1952, viria a doutorar-se 8 anos mais tarde, apresentando como dissertação o hoje clássico estudo A Crise Nacional dos Fins do século XIV, I. A Sucessão de D. Fernando. Recebeu solenemente as insígnias doutorais (conjuntamente com o Doutor Avelino de Jesus da Costa [1908-2000]) em Janeiro de 1965. Fez concurso para professor extraordinário da sua Escola em 1969 a tingiu a cátedra em 1971. Entre 1972 e 1974 foi Subdirector da Faculdade de Letras (o Director era o Doutor Américo da Costa Ramalho). Durante longos anos, esteve ligado à docência, nomeadamente, de História de Portugal II, História Moderna e Contemporânea de Portugal, História da Expansão Portuguesa e História do Brasil.
Afastado do ensino por algum tempo após o 25 de Abril de 1974, regressaria à sua escola em 1978, reassumindo a Direcção do Instituto de História da Expansão Ultramarina (que já dirigira a partir de 1965); entre 1978 e 1981 presidiu à Comissão Científica do Grupo de História. Atingiu o limite de idade a 25 de Outubro de 1983. No dia seguinte seria um dos arguentes (o outro foi A. H. de Oliveira Marques) de O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média (Estudo de História Rural), tese de doutoramento de Maria Helena da Cruz Coelho, a primeira em História Medieval na UC desde as de Avelino de Jesus da Costa e do próprio SDA (ambas defendidas em 1960). Jubilou-se no termo do ano lectivo de 1983/84, mas continuou a prestar apoio a Seminários de mestrado e a participar em júris de provas académicas praticamente até ao fim da vida, constituindo referência indelével para os historiadores mais jovens.
Foi membro da Academia Portuguesa da História, da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio emérito da Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais.
Deixou uma Obra não particularmente extensa, mas marcante, muito em especial os estudos que consagrou às complexas e controversas décadas de finais de Trezentos. Obra não totalmente pacífica: há quem lhe assinale «curtas perspectivas historiográficas» e lhe aponte a pecha de «estudar as origens da "crise" de 1383 pela via estritamente factológica» [2]; há quem, em contrapartida, lhe realce a «minuciosa exegese» documental [3]. É opinião do autor desta nótula que os trabalhos de SDA sobre a problemática em causa vieram introduzir duas novidades de fundo:
a) A chamada de atenção para a importância política dos filhos de Pedro I e de Inês de Castro, e particularmente para o infante D. João, como a individualidade em quem sectores significativos da sociedade política viam, em 1383, a «saída para a (dimensão dinástica) da crise»;
b) o realce dado à nobreza beirã e ao seu papel em Trancoso, batalha cujo desfecho se considera fundamental no enfraquecer do exército castelhano e, consequentemente, episódio de modo algum escamoteável nos meses pré-Aljubarrota e indissociável da resolução militar da crise: «Trancoso foi (…) o prólogo de Aljubarrota», escreveu Ruy d'Abreu Torres, em artigo que sintetiza os pontos de vista de SDA [4].
É óbvio que nem A Batalha de Trancoso nem A Crise Nacional… são propriamente livros de leitura fácil, acessíveis, por hipótese, a estudantes do 2.º ano da licenciatura. Um acesso mais imediato ao essencial dos modos de ver do Autor pode conseguir-se nos trabalhos publicados nos anos 70 e 80, onde se retomam, complementam ou requestionam, em textos de maior brevidade, diversas questões abordadas nos opera magna [5].
SDA foi ainda um apaixonado cultor da História Regional e Local, desde Penela [6], onde veio ao Mundo, até outras localidades da Região Centro [7]; sem esquecer a compra que fez das ruínas do castelo de Germanelo e os cuidados que longamente pôs na sua preservação [8].
Destaque também para o estudo que dedicou à alimentação medieval [9], estudo este que, a par do capítulo «A mesa» de A sociedade Medieval Portuguesa, de A. H. de Oliveira Marques [10], constitui, na nossa Historiografia, o primeiro aflorar de uma problemática que, por esse Mundo fora, só bem mais tarde se iria impor.
Conservador por formação e opção, SDA iria no entanto deixar de si próprio – particularmente nos tempos de maturidade e velhice – uma imagem de diálogo, abertura, capacidade de reconhecer mérito a obras e autores que não participassem da sua visão do Mundo e de julgar os Colegas mais jovens por critérios estritamente científicos (e assim se compreende que SDA tenha estado directa ou indirectamente ligado à formação de historiadores tão diferentes, entre si e dele próprio, como João Lourenço Roque, Maria Helena da Cruz Coelho, João Marinho dos Santos, Maria Rosa Marreiros ou Leontina Ventura, e isto para só citar aguns nomes das duas últimas gerações). O essencial estaria na probidade da investigação; e falava frequentemente da criação de uma cadeira de Deontologia Profissional para Historiadores…; tais qualidades aliavam-se a uma extrema cordialidade pessoal, a um fino humor e a uma espantosa capacidade de evocar episódios pitorescos (ou mesmo picarescos) da vida da Universidade e dos seus Mestres. E aí, creio, o peso da sua formação primeira terá sido determinante: como ele próprio afirmava em 1965, ao fazer a solene petição de grau na Sala dos Capelos, «a Medicina, ligada ao sofrimento, (…) é profundamente humana – e humaniza» [11]. Deste ponto de vista Salvador Dias Arnaut foi médico até ao fim e não faltou ao juramento. («Médico» era, aliás, o único qualificativo que constava dos seus cartões de visita). E daí qua a sua morte tenha sido profundamente sentida pela Escola de Coimbra e que à última morada o tenha seguido o pesar unânime de Colegas, Amigos, Discípulos, Admiradores. «Tinha-se acabado uma longa jornada» [12]. Que melhor exemplo para os historiadores portugueses na conjuntura que atravessamos ?
Porto, 23 de Julho de 1995
BIBLIOGRAFIA
1. Activa (selecção)
[1] Penela. Notas acerca de Um Centenário, Coimbra, 1937.
[2] Ladeia e Ladera. Subsídios para o Estudo do Feito de Ourique, Coimbra, 1939.
[3] António Nobre e a Paisagem de Coimbra (conferência), Coimbra, 1940.
[4] «Froissart e João Fernandes Pacheco», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 129-159.
[5] «Flechas com "erva", na Guerra entre Portugal e Castela no fim do século XIV», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 214-220.
[6] «Resenha sobre Historiografia Nacional e Estrangeira. Portugal (1939-1949)», Revista Portuguesa de História, III (1947), pp. 307-328.
[7] Batalha (A) de Trancoso, Coimbra, Faculdade de Letras / Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1951.
[8] Região do Rabaçal. A Terra e o Homem, Coimbra, Câmara Municipal de Penela, 1955; 2.ª ed.: 1961.
[9] Crise (A) Nacional dos Fins do Século XIV, I. A Sucessão de D. Fernando, Coimbra, Faculdade de Letras, 1960.
[10] «Algumas Notas sobre a Campanha de Aljubarrota», Revista Portuguesa de História, X (1962), pp. 467-499.
[11] Terras de Ansião: Um Pouco de História, Lisboa, 1964.
[12] Penela na Obra de Dois Escritores: Fernão Lopes e Eloy de Sá Sotto Mayor, Coimbra, Câmara Municipal de Penela, 1966.
[13] «Introdução», in LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando, Porto, Civilização, 1966, pp. IX-XXIV.
[14] «Arte (A) de Comer em Portugal na Idade Média», Introdução a ARNAUT, Salvador Dias; MANUPPELA, Giacinto [Ed.] – "Livro (O) de Cozinha" da Infanta D. Maria de Portugal, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1967, pp. XXIII-CXXX, com Apêndice Documental a pp. CXXXI-CXLV; reed. como vol. autónomo: Lisboa, IN/CM, 1986.
[15] Episódio (O) de Inês de Castro à luz da História, Lisboa, Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação d'«Os Lusíadas», 1972.
[16] «Documentos (Os) do Mestre de Avis. Breves notas», Revista Portuguesa de História, XVII/2 (1977), pp. 341-349.
[17] «Castelo (O) de Germanelo», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 28 (1982), pp. 231-256.
[18] «Crise (A) Nacional dos Fins do Século XIV (Contribuição para o seu Estudo)», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 30 (1985), pp. 51-79.
[19] «Amores (Os) de Pedro e Inês. Suas Consequências Políticas», in Mulher (A) na Sociedade Portuguesa: Visão Histórica e Perspectivas Actuais. Actas do Colóquio, t. II, Coimbra, 1985, pp. 403-414.
[20] Acerca da Batalha de Trancoso, Trancoso, Câmara Municipal, s.d. [1986].
[21] «D. João I, Grande Rei, Grande Reinado», in Aljubarrota: 600 anos, Ciclo de Conferências da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, s.l. [Lisboa], 1987, pp. 351-363.
[22] «Tomar na Crise de 1383-1385», Boletim Cultural e Informativo da Câmara de Tomar, 10 (1988), pp. 13-21.
[23] «D. Fernando: o Homem e o Governante», Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª sér., 32/1 (1989), pp. 9-33.
[24] «Infante (O) D. Pedro, Senhor de Penela», Biblos, LXIX (1993), pp. 173-217.
[25] «Três Estudos sobre os Descobrimentos», Biblos, LXX (1994), pp. 93-118.
[26] «Valerá a pena ?», in Alta de Coimbra: História-Arte-Tradição (Actas do 1.º Encontro sobre a Alta de Coimbra), Coimbra, GAAC, 1988, pp. 303-308.
2. Passiva
[27] «Arnaut, Salvador Dias», in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, XXXVIII (Apêndice) [AL-BE], Lisboa / Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d., p. 540; e Actualização, I, Lisboa / Rio de Janeiro, 1981, p 579.
[28] «Discursos nos Doutoramentos Solenes dos Doutores Salvador Manuel Dias dos Santos Arnaut e P.e Avelino de Jesus da Costa», Biblos, XLI (1974), pp. 3-28 (a oração de petição de grau, proferida pelo próprio SDA, encontra-se a pp. 9-10, e o elogio dos doutorandos, a cargo de Arnaldo Miranda Barbosa, a pp. 11-16; a pp. 4-5, uma breve nota biobibliográfica de SDA).
[29] HOMEM, Armando Luís de Carvalho; ANDRADE, Amélia Aguiar; AMARAL, Luís Carlos – «Por onde vem o Medievismo em Portugal ?», Revista de História Económica e Social, 22 (1988, Jan.-Abr.), pp. 115-138.
[30] MACEDO, Jorge Borges de – «Desenvolvimento (O) da Revolução Nacional de 1383-1385», in Aljubarrota: 600 anos, Ciclo de Conferências da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, s.l. [Lisboa], 1987, pp. 71-96.
[31] MATTOSO, José – «Perspectivas actuais da investigação e da síntese na Historiografia Medieval portuguesa (1128-1383)», Revista de História Económica e Social, 9 (1982, Jan.-Jun.), pp. 145-162.
[32] NUNES, João Paulo Avelãs – História (A) Económica e Social na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1911-1974). O historicismo neo-metódico: Ascensão e Queda de um Paradigma Historiográfico, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, 1995.
[33] OLIVEIRA, António de – «Jubilação Universitária do Doutor Salvador Dias Arnaut», Revista Portuguesa de História, XXII (1985), pp. 201-206; também em Biblos, LXI (1985), pp. 620-625.
[34] ROQUE, João Lourenço – «Homenagem a Salvador Dias Arnaut», Diário de Coimbra (1995/07/12), p. 6.
Armando Luís de Carvalho HOMEM
NOTAS
[1] Publ. originariamente em Anais da Universidade Autónoma de Lisboa / série História, II (1995), pp. 295-299.
[2] MATTOSO [31], pp. 162 e 152.
[3] MACEDO [30], p. 75, nota (1).
[4] «Trancoso, Batalha de», in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel SERRÃO, III/SIS-ZUR, reimpr., Lisboa / Porto, Iniciativas Editoriais / Figueirinhas, 1971, p. 192.
[5] ARNAUT [16], [18], [19], [20], [21] e [23]. Notáveis foram as suas intervenções na série televisiva «1383-85», produzida pela CINEQUANON e coord. por Valentino VIEGAS (Transmitida pela RTP/1 em Dez. 83 / Jan. 84). Participaram igualmente: A. H. de Oliveira MARQUES, Humberto Baquero MORENO, Armando CASTRO, Francisco de Sales LOUREIRO e António Borges COELHO.
[6] ARNAUT [1], [2] e [12].
[7] ARNAUT [8], [11] e [22].
[8] ARNAUT [2] e [17].
[9] ARNAUT [14].
[10] 1.ª ed.: Lisboa, Sá da Costa, 1964, pp. 7-22.
[11] ARNAUT [8], p. 10.
[12] SDA a propósito da paz com Castela em 1411 (intervenção no 5.º e último programa da série televisiva referida supra, n. 5, transmitido pela RTP/1 em 1984/01/02; transcrição a partir de gravação audio feita na altura).
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