domingo, março 27, 2005

As “variações” de Octávio Sérgio:
uma observação centrada em três peças

Armando Luís de Carvalho HOMEM

«Ouvindo as variações de Octávio Sérgio, ficamos com a impressão
de que ele também adopta o caminho, já imanente em Artur Paredes,
de que a universalidade da guitarra portuguesa, neste caso da guitarra de
Coimbra, só se atinge pelo aprofundamento da sua regionalização.
Por isso a guitarra de Octávio Sérgio não hesita em se fertilizar no húmus
onde mergulham as raízes autênticas do nosso folclore, para daí
brotar genuinamente com ele (assim em: «Flores em Abril»,
«Nas Linhas de Torres» e «Entreacto»), em sedentar-se nos mais remotos
e recônditos fados e guitarradas da velha Coimbra («Variações sobre
o tom de Lá» e sobre os tons de ré M e m), para, depois, atravessar,
interessada, a vivência artisticamente reflectida, tantas vezes inconformada,
das gerações subsequentes, inclusivè com ousadas incursões
no significativo movimento das baladas («Nas Linhas de Torres» – 1.º tema;
«Ensaio n.º 1»). (…) E é por se apoiar firmemente em todo este complexo
processo histórico que ela, através dum estilo muito pessoal, mas sempre,
é bom frizá-lo,vincadamente coimbrão (…), surge límpida e remoçada,
com clara vocação para romper o regionalismo, de que provém e a sustenta,
e abrir caminho a uma compreensão artística generalizada,
a uma verdadeira entrega a todas as sensibilidades».
(Fernando Machado SOARES, Texto patente na contracapa
do LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra, de Octávio Sérgio,
com acompanhamento em viola pelo autor destas linhas,
Porto, ORFEO/Arnaldo Trindade, 1981)


0. A abrir

Um leitor interessado em temas da galáxia coimbrã poderá, face tão somente ao título do presente texto, interrogar-se:

- Porque é que só agora o CH escreve sobre o OS ?
- Por uma questão de sobreenvolvimento com a sua Obra instrumental e de co-protagonismo no registo em disco de uma parte da mesma – responderei.

Já lá vão 20 anos que comecei a escrever sobre as temáticas em causa; e, ao começar, bem longe estava de pensar em qualquer publicação [Obs.: Ainda que, surpreendentemente (vistas as coisas em 2004), José Miguel Baptista tenha tido, já em 1983, o feeling de uma futura escrita, ao incentivar-me publicamente (no V Seminário sobre o Fado de Coimbra, Mai.1983) a escrever «os livros» para que teria copiosa informação…] – pela simples razão de que o fiz epistolarmente:

a) No Verão de 1983 escrevi a José Miguel Baptista, tecendo algumas considerações sobre circunstâncias que haviam rodeado, em Maio anterior, o V Seminário sobre o Fado de Coimbra (org. da Comissão Municipal de Turismo, com apoio da Associação de Antigos Estudantes da Universidade) [Obs.: Parte das ideias então expressas veio a incorporar o meu trabalho «Que público para a canção coimbrã ? Uma pergunta para o “tempo que não passa”» (comunicação enviada ao VI Seminário sobre o Fado de Coimbra [Cbra., Mai.98]), publ. in Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, org. F. Ribeiro da SILVA, M. Antonieta CRUZ, J. Martins RIBEIRO e H. OSSWALD, vol. 2, Porto, Fac. Letras / UP, 2004, pp. 569-573.

b) Em Maio de 1986 escrevi longamente a Rui Pato, a propósito do então lançado LP Canção da Primavera (de Francisco Filipe Martins e do próprio Rui Pato, com a participação do já desaparecido violoncelista Celso de Carvalho [Filho]) [Obs.: Celso de Carvalho [Filho] é um nome de referência no rock de vanguarda das décadas de 70 e 80; por coincidência foi meu Colega na 3.ª classe da Instrução Primária (Porto, 1958/59) e no 1.º ano do Liceu (de Alexandre Herculano, Porto, 1960/61); não voltei a encontrá-lo. O Pai foi um destacado violoncelista das Orquestras Sinfónica do Porto (até 1961; nesta fase ensinou no Liceu de Alexandre Herculano) e Sinfónica da Emissora Nacional (1961 ss.)].

Bem longe então, repito, de pensar em publicações – tirando um trabalho de 1991 sobre as tradições académicas portuenses –, só pelos finais de 1995 / princípios de 1996 duas solicitações muito próximas vieram desencadear a reflexão e a escrita nesta área: a solicitação de Francisco Filipe Martins de um texto para o seu CD Primavera 2: Música para Guitarra de Coimbra [«(Dez) Primaveras de uma Guitarra», texto incluído na capa do CD Primavera 2: Música para Guitarra de Coimbra, de Francisco Filipe Martins, [Lisboa], Philips/Polygram, 1998, 8 cols.] e o convite de um familiar de Nuno Guimarães (1942-1973), Gil Guedes dos Santos, para integrar a Comissão da Homenagem a este Poeta e Guitarrista (a qual veio a ter lugar em Vila Nova de Gaia e Perosinho em Janeiro de 1997); em tal contexto redigi um trabalho de apreciação da discografia do notável Criador e Executante precocemente desaparecido [«Nuno Guimarães e a Guitarra de Coimbra nos anos 60: impressões perante uma re-audição de cinco 45 RPM», in Recordando Nuno Guimarães: o poeta, o músico, 1942-1973, [Catálogo da Exposição patente na Junta de Freguesia de Perosinho em Jan./Fev.97], coord. Abel Morais COUTO, Gil GUEDES, José Ferraz de OLIVEIRA e Armando Luís de Carvalho HOMEM, com «Prólogo» de Francisco Barbosa da COSTA, Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal, 1997, pp. 18-23. Também reproduzido no desdobrável que acompanha o CD (ed. na mesma altura) que reproduz a discografia a que NG ficou ligado na década de 60: Recordando Nuno Guimarães: Fados e Baladas de Coimbra, coord. José Ferraz de OLIVEIRA, DSA-CD-401, Porto, Discoteca Santo António, 1997]. De então para cá, fui ouvindo e escrevendo em momentos vários e sobre questões várias, v.g.:

o O Método de Guitarra, de Paulo Soares [«Revolução (A) do Método e a Perturbação das Certezas (Reflexões sobre um Trabalho GENEROSO)», texto preambular a Método de Guitarra Portuguesa: Bases para a Guitarra de Coimbra / Portuguese Guitar Method: Basic Techniques for the Coimbra Guitar, de Paulo J. SOARES, Coimbra, Edição do Autor, 1997, pp. 7-13];

o o CD Folha a folha, de Jorge Cravo / Luiz Goes / Manuel Borralho / José Ferraz de Oliveira / Manuel Gouveia Ferreira [«Tempos (Os) de um projecto», texto inserido no mini-livro que acompanha o CD Folha a folha. Canto e Guitarra de Coimbra, poesia de José Manuel Mendes, interpr. por Jorge Cravo, Manuel Borralho, José Ferraz de Oliveira, Manuel Gouveia Ferreira e a participação especial de Luiz Goes, Paços de Brandão, Numérica, 1999, pp. 55-70];

o os CD’s de José Mesquita saídos em princípios de 2000 [«Da árdua definibilidade da “Canção de Coimbra”», texto inserido no desdobrável que acompanha o duplo CD de José Mesquita, Coimbra dos poetas/Coimbra das canções, trovas e baladas, s.e., 1999, pp. 6-10];

o a Obra discográfica de Jorge Tuna numa perspectiva global, segundo uma periodização em três momentos [«Jorge Tuna: para uma abordagem ternária de um Mestre da Guitarra de Coimbra», Revista Portuguesa de História, XXXVI/2 (2002-2003), pp. 397-416];

o a recepção portuense do «Fado de Coimbra» [«”Fado (O) de Coimbra” na Academia do Porto», in José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, I, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 115-128];

o ou rememorações e notas sobre a Guitarra e a sua discografia nos anos que, grosso modo, correspondem ao meu tempo estudantil [«Guitarra (A) de Coimbra em tempos de fim-de-tempo (ca. 1965-ca. 1973). Apontamentos e rememorações», Anais da Universidade Autónoma de Lisboa/série História, V-VI (2000-2001), pp. 333-348].

Octávio Sérgio era apenas uma referência – ainda que não rara – em alguns desses textos. E haverá que reconhecer que me não seria propriamente fácil escrever sobre um (quase) conterrâneo a quem me ligam laços que não são de parentesco mas que é como se fossem, e de cuja principal realização discográfica fui co-protagonista...
Exercitada a escrita e a crítica sobre autores, temas e realizações em relação aos quais a minha posição é de plena alteridade, eis chegado o momento de, pela vez primeira, redigir algo com o seu quê de ego-histórico:
- Caro Octávio, o dia tardou mas chegou !

1. Percursos de um viseense

OCTÁVIO SÉRGIO DE MATOS AZEVEDO nasceu em Viseu a 15 de Agosto de 1937, sendo o mais novo de 10 irmãos. A sua chegada à galáxia dá-se aos 13 anos, quando, aluno do Liceu Nacional de Viseu, aí ouviu cantar Fernando Rolim. Também o visionamento de saraus da Associação dos Antigos Alunos do referido Liceu (AAALNV, fundada na década de 50) lhe permitiu assistir a actuações de Armando de Carvalho Homem (1923-1991), seu professor de Matemática por esses anos. Com a Mãe e o Irmão mais velho deu os primeiros passos na viola, chegando a executá-la com a afinação da Guitarra de Coimbra. A este último instrumento chegou ainda em Viseu, e no resto dos anos liceais formou os seus primeiros grupos, que integraram nomes como os dos cantores José M. Barros Ferreira (ao tempo também executante de viola), Fernando Rebelo (também guitarrista), João Sá, José Mesquita e Rolando de Oliveira [Obs.: Também pintor, num dado momento ofereceu a OS um quadro a tinta-da-China intitulado A Espanhola, representando uma figura feminina desnuda. Rolando de Oliveira morreria precocemente nos anos 70, em acidente de viação. Em sua homenagem compôs OS a peça «Fantasia (A Espanhola)», patente na face 2, faixa 5 do LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra (1981)] e guitarristas como Alexandre Vale, Jorge Furtado e «Manuel das Águas».
Em Coimbra a partir de 1957 – cursando Físico-Químicas na Faculdade de Ciências – e até 1965 – com uma interrupção castrense em 1961 –, integrou grupos com – por ordem cronológica – David Leandro, António Ralha, José Bárrio (pontualmente), Gabriel Ferreira e António Portugal (gg.) e José Niza, Jorge Gomes, Manuel Dourado, Nilton Bárrio (pontualmente), Costa Reis e Rui Pato (vv.); acompanhou, por outro lado, cantores como Adriano Correia de Oliveira (1942-1982), António Bernardino (1941-1996), António Sousa Pereira, João Barros Madeira e José Maria Lacerda e Megre (Filho), entre outros.
Começara entretanto a compor as suas próprias peças, num estilo necessariamente gerador de perplexidade no meio coimbrão do tempo:

o Eram peças «com esquemas arrojados, mas por vezes com grande lirismo» – escreveu Rui Pato;
o «A sua música está dentro de uma linha entre Stravinsky e a música primitiva» – opinou, por seu turno, Carlos Paredes.

Foi membro do Orfeon Académico – no que se destaca a participação na segunda digressão aos EUA (1965) – e do Coro Misto.
Em 1965/66 transferiu-se para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e aí concluiu então a licenciatura.
Na Páscoa de 1966 casou com Isabel da Conceição Torrado Marques [e Azevedo], licenciada em História [autora de uma tese de licenciatura, defendida em 1970, sobre as fontes da Cronística de Duarte Nunes de Leão, trabalho orientado pelo Prof. Doutor Salvador Dias Arnaut (1913-1995)] e sua antiga Colega no Coro Misto; residiram em Lisboa e mais tarde em Almada; do casamento nasceriam 3 filhos [o mais velho é o hoje musicólogo, compositor e professor da Escola Superior de Música / Instituto Politécnico de Lisboa Sérgio Azevedo (n. 1968), já por diversas vezes referido neste blog].
Em 1967/68 frequentou e concluiu o Curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras de Coimbra; nas suas deslocações de então à ALMA MATER para frequências e exames, tempo ainda para fugazes participações nos grupos de Hermínio Menino / Jorge Limpo Serra / António José Rocha e de José Bárrio / Manuel Antunes Guimarães / Nilton («Nito») Bárrio.

Depois… entre a vida familiar e profissional e as viragens da conjuntura, a guitarra acabou por ir parar «acima do armário», «debaixo da cama» ou alhures. E foram 8/10 anos de solução de continuidade.
Nesse intervalo estudou viola clássica. E as consequências respectivas bem se mostrariam no redespertar da Fénix (ca. 1976). As peças dos anos 60 estavam inexoravelmente esquecidas. Mas as que agora iam surgir cedo conheceriam a partitura.
Presente em todos os Seminários sobre o Fado de Coimbra (1978/79/80/81/83), ao realizar-se o primeiro fizera já a sua estreia discográfica, no LP O Melro, de Janita Salomé, em cuja face B acompanha o Cantor (com Pedro Caldeira Cabral, Fernando Alvim e Durval Moreirinhas) em 5 números, acrescidos de uma peça instrumental («Variações em Lá») de um dos seus antigos companheiros viseenses: António Rodrigues, vulgo «António das Águas» [sobre este LP veja-se o post de 2005/03/21].
Começara entretanto a frequentar a casa de Artur Paredes (1899-1980), e nos últimos dois anos (ca.1977-1979) de actividade musical do Mestre acompanhou-o como «2.º guitarra»; o viola era, ao tempo, Carlos de Figueiredo. Testemunhos vários dão conta da simpatia que o dificílimo Artur Paredes dedicava àquele guitarrista tão sóbrio nos acompanhamentos e que apenas parecia interessado em ouvir, aprender, colaborar… e jamais ‘piratear’ temas inéditos, receio que tornava Artur Paredes tão selectivo em relação àqueles que em sua casa recebia…
Passando por vezes por circuitos de actuação paralelos ao profissionalismo do «Fado de Lisboa», OS (com Durval Moreirinhas et alii) participou, nesses finais de década, em mais três LP’s: um do cantor Rui Gomes Pereira [De qualidade apenas sofrível, este LP de 1980 merece todavia o destaque de, pela mão de Francisco Gonçalves, a viola-baixo surgir pela primeira vez no universo coimbrão] e dois do cantor Frederico Vinagre. De verdadeiro interesse é fundamentalmente o segundo de F. Vinagre: com seu filho António Sérgio à guitarra e Durval Moreirinhas à viola, OS é aqui responsável por alguns arranjos notáveis (maxime «Canção das Lágrimas») e por interpretações de muito mérito das «Variações em lá menor» (de Jorge Morais [«Xabregas»]) [Obs.: A versão em causa será porventura, entre as que existem gravadas, a mais fiel ao original, já que OS teve como fonte uma gravação em cassette com execução pelo próprio Dr. «Xabregas»] e da «Valsa em Fá» (arr. Flávio Rodrigues).
Para além disto, e sempre com Durval Moreirinhas, começou (ou recomeçou) a acompanhar cantores de gerações próximas da sua (v.g. Armando Marta, António Bernardino, Arménio Marques dos Santos) ou mais ancestrais (v.g. Fernando Machado Soares). Com Armando Marta e António Bernardino e acompanhado por seu filho António Sérgio (g.) e Durval Moreirinhas (v.) grava uma cassette videográfica, divulgada sobretudo nos meios da Emigração.
E, acima de tudo, recomeçou a criar: na solidão da sala de música de sua Casa, entre um piano (utilizado pelo próprio e pelos três Filhos) e estantes de partituras, o autêntico brotar de temas, por vezes muito arrojados… e nada fáceis de acompanhar. O primeiro a ter execução pública, com acompanhamento de Durval Moreirinhas, foi, creio, «Nas Linhas de Torres (1810)» (embora ainda sem este título). Muitos outros foram aguardando – e uma boa parte ainda aguarda – o(s) executante(s) e/ou acompanhante(s) interessado(s) [Obs.: No momento em que escrevo (Jun.04), OS tem estado regularmente a entregar a Paulo Soares as partituras dos seus inéditos. No concerto de homenagem a OS, no âmbito da Coimbra 2003 / Capital Nacional da Cultura (Set.03), Paulo Soares executou já 3 dessas peças. É caso para dizer: «que venham mais cinco !», e que a curto ou médio prazo tenhamos, discograficamente, a integral da Obra de OS !].

O meu conhecimento pessoal de OS deu-se apenas aquando do II Seminário (Coimbra, Mai.1979). Mas somente 1 ano mais tarde (III Seminário) tive oportunidade de o ver tocar, pouco depois se iniciando o nosso relacionamento musical. Por essa altura (anos lectivos de 1979/80 e -80/81) eu estava com dispensa de serviço da minha Faculdade visando a preparação do doutoramento, e fazia temporadas na Torre do Tombo e, mais pontualmente, no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, na Biblioteca Nacional e na Biblioteca da Academia das Ciências.
Em Julho de 1980 comecei a frequentar – duas vezes em média, em cada semana lisboeta – a casa de OS, à Rua Fernão Lopes, bem no centro de Almada. De onde, antes e depois da música, o Tejo e os cacilheiros… Não poucas ideias musicais me surgiram durante essas travessias… Ao fim de dois ensaios as «Variações sobre o tom de Lá» e «sobre o tom de Ré Maior» estavam perfeitamente concatenadas. Em finais de Setembro / princípios de Outubro o número de peças em tais condições levou OS a avançar para o projecto de um LP instrumental, para o que tinha contactos na etiqueta ORFEO/Arnaldo Trindade; outras participações chegaram a estar previstas, quer a de um «2.º guitarra», quer a de mais um viola; mas nada se concretizou; e coube-me assim a «2.ª guitarra» nas 3 variações que o disco viria a integrar…
A gravação processou-se em Fevereiro de 1981 num estúdio localizado na Rua de Campolide, com uma sessão final de montagem já nos princípios de Março. À distância de 23 anos, só me cumpre salientar a extrema simpatia do pessoal do estúdio e particularmente a muita proficiência (e paciência) dos técnicos Jorge Barata e Moreno Pinto, bem como dos fotógrafos Mónica Freitas e Jaime Laranjeira.
Saído em Setembro de 1981, o álbum Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra (ed. ORFEO/Arnaldo Trindade STAT 105, Porto, 1981) suscitou uma dupla ordem de efeitos:

a) O interesse acentuado da Comunicação Social escrita e, aí, da crítica discográfica. João Gobern chegou a qualificá-lo como «a alternativa presente ao silêncio de Carlos Paredes» [Note-se que na discografia de Carlos Paredes existe efectivamente um silêncio de 12 anos, entre 1971 (Movimento Perpétuo e Balada de Coimbra) e 1983 (Concerto em Frankfurt); cf. a este respeito Octávio Fonseca SILVA, Carlos Paredes. A Guitarra de um Povo, Porto, Discantus, 2000, pp. 58-63 et passim].

b) e, predominantemente, um silêncio levemente ‘despeitado’ do milieu, silêncio entrecortado, aqui e ali, por manifestações enragées de medíocres.

À data da saída deste álbum instrumental, OS concluíra entretanto a que será por certo a sua mais conhecida realização discográfica: o acompanhamento, com Durval Moreirinhas [e ainda com a participação de Júlio Pereira (cavaquinho) e Janita Salomé (viola) no tema «Vira de Coimbra»], de José Afonso (1929-1987) no LP que marcou o seu retorno à galáxia – Fados de Coimbra e outras Canções.
O álbum de José Afonso saiu em Novembro de 1981 e constituiu o sucesso que era de esperar (ainda que alguns irredutíveis gauleses dificilmente o tenham ‘digerido’). De onde, a realização de grandes concertos do Cantor, todos iniciados com os temas de Coimbra:

o No Teatro Avenida (Coimbra, Fev.82), com OS e o autor deste texto, por impossibilidade de Durval Moreirinhas; OS executou o tema de sua autoria, até então inédito, «Dor na planície»;

o no Coliseu dos Recreios (Jan.83), com OS / Lopes de Almeida (gg.), Durval Moreirinhas / António Sérgio (vv.), tendo OS, além dos acompanhamentos, executado de novo «Dor na planície»; a gravação do espectáculo daria origem ao duplo álbum Zeca ao vivo no Coliseu;

o e no Coliseu do Porto (Mai.83), com OS / António Portugal (gg.), Durval Moreirinhas / Rui Pato (vv.).

Deste LP se fez ainda um videoclip para o tema «Saudades de Coimbra»; e no Inverno de 1982 José Afonso, OS e Durval Moreirinhas participaram no programa que Júlio Isidro então conduzia na RTP/1 nas tardes de domingo. Para além disto, é de salientar a influência que os arranjos de OS neste álbum vieram a exercer sobre grupos de gente mais jovem [E até, pontualmente, de menos jovens: em 1985 José Miguel Baptista participou no programa Coimbra sem Tempo, acompanhado pelo Quarteto de Guitarras de Coimbra (QGC: António Brojo / António Portugal [gg.], Aurélio Reis / Luís Filipe [vv.]); um dos temas interpretados foi justamente Saudades de Coimbra, tendo o QGC seguido no acompanhamento as linhas gerais do arranjo de OS], muito particularmente «Saudades de Coimbra» (em sol menor), «Balada do Outono» (em lá menor) e até «Fado dos Olhos Claros» (em dó menor !). O modo como acompanha estes e outros temas quase se converteu em ‘novo paradigma’ dos mesmos !...

Ainda por estes anos, OS teve diversas participações televisivas, nomeadamente, por 3 vezes, no Programa Cantos e Contos de Coimbra (RTP/2, 1982) e, no ano seguinte, na edição do programa (H)Ora Bem (RTP/2, apresentação de Rui Pego) dedicada ao guarda-redes Maló [João Luís Maló de Abreu, titular da baliza da Associação Académica de Coimbra do final dos anos 50 a 1968; hoje médico-estomatologista e lente de Medicina; para quando a homenagem que Coimbra deve a este seu grande VULTO, desportivo e não só ?]:

a) Com o autor destas linhas e António Sérgio (v.), para executar 4 números instrumentais (Jul.82) [Concretamente: «Dor na Planície», «Variações sobre o tom de Lá», «Nas Linhas de Torres (1810)» – onde pela primeira vez introduzi percussão no tema central da peça – e «Fantasia (A Espanhola)»];

b) com Durval Moreirinhas (v.), para acompanhar António Sutil Roque, tendo ainda executado as «Variações em Lá» de «António das Águas» (Agº.82);

c) e, na derradeira emissão (Set.82), com Eduardo Aroso (v.), para acompanhar Fernando Machado Soares e Adriano Correia de Oliveira [este último interpretou «Moça d’aldeia» e «Trova do vento que passa», na que seria a sua última aparição em público: morreria cerca de um mês mais tarde];

d) finalmente, numa emissão do Programa (H)Ora Bem (Mai.83), com o autor deste texto e Mário José de Castro (vv.) [executou-se, uma vez mais, «Dor na Planície»], acompanhando José Miguel Baptista [que interpretou um tema (ainda hoje) inédito de Eduardo de Melo].

* * *

Em 1987 OS fixa residência em Coimbra e ensina, até se aposentar (2002), na Escola Avelar Brotero. Passa a integrar o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra (AOUC) e mais tarde o respectivo Grupo de Fados (com Manuel Mora [g.], Carlos Caiado, Custódio Moreirinhas e «Ni» Ferreirinha [vv.]), acompanhando cantores como Raul Diniz (1936-2001), José Mesquita, Vítor Nunes, Nuno de Carvalho, Joaquim Matos, José Miguel Baptista, António Crespo, Paulo Amador, J. Barros Ferreira, Fernando Ferreirinha, Manuel Sobral Torres e outros. Com os AOUC OS participou em diversas gravações corais e, a partir de 1990, deslocou-se aos Açores, a França, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Bulgária, Áustria, Hungria, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Brasil, Argentina, Macau e Tailândia.

Nesta fase, destaque ainda para outras duas gravações:

a) O LP José Mesquita: Ecos da Canção Coimbrã (ed. Polygram, ca. 1987); acompanhamento de OS (g.) e António Sérgio / Durval Moreirinhas (vv.);

b) e a «cassette-audio» Tempos Idos (1995), acompanhando, com José dos Santos Paulo (g.) e César Nogueira (v.), os cantores [Maestro] Virgílio Caseiro, José Paulo e Rui Silva; espaço ainda para uma escorreita interpretação de «Bailados do Minho», de Antero da Veiga (1866-1960).

Mais recentemente, OS passou a integrar também os Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (ATUC); aí participou nomeadamente no CD 15 Anos Depois… Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (1999), acompanhando em 2 números, com José Paulo (g.) e José Tito Mackay / Humberto Matias (vv.), os cantores Serra Leitão e José Paulo. Com os ATUC, e a partir de 2000, participou em digressões aos Açores, Madeira, Porto Santo e Austrália.

* * *

Coimbra 2003 / Capital Nacional da Cultura constituiu momento para uma primeira grande homenagem a OS: no âmbito do I Festival da Guitarra de Coimbra, o duo Paulo Soares (g.) / Rui Namora (v.) encarregou-se de um concerto (Auditório do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, 2003/07/25) onde foram executadas todas as peças do LP Raízes de Coimbra, e ainda «Dor na Planície» – do LP Zeca ao vivo no Coliseu – e 3 temas inéditos: «Marionetas», «Ensaio n.º 3» e «Danças» [Obs.: Esta última fôra executada em público uma só vez, no antigo «Restaurante Algarve» (estação do Rossio, Lisboa, 1982/04/26), numa actuação em que participaram António Bernardino, OS (g.), António Sérgio (g. e v.), Durval Moreirinhas e A. L. de Carvalho Homem (vv.). A peça em causa foi tocada por OS / António Sérgio (g. e v., respectivamente)]. Na tarde do concerto, Paulo Soares conduzira, na sede dos AOUC, uma masterclass sobre a obra de OS.
Poucos meses antes o duplo CD antológico Serenata Monumental incluíra 5 dos 10 temas de Raízes de Coimbra: «Variações sobre o tom de Lá», «Variações sobre o tom de ré menor», «Flores em Abril», «Variações sobre o tom de Ré Maior» e «Nas Linhas de Torres (1810)», para além de 2 temas do LP que, no mesmo ano (1981), gravara com José Afonso («Saudades de Coimbra» e «Fado da Sugestão»).


2. Três peças dos anos 70

2.1. Antes da partida: o tema de «António das Águas»

A estreia discográfica de OS – o álbum O Melro de Janita Salomé – inclui um tema instrumental que representará uma revisitação das raízes viseenses: as «Variações em Lá» de António Rodrigues, vulgo «António das Águas», também seu contemporâneo de lides juvenis, ainda que alguns anos mais velho.
Peça curiosa, esta: remontando aos finais da década de 50 / alvores da de 60, mostra um autor com formação tradicional, mas atento ao que de mais ‘moderno’ se faria ao tempo; e se não vejamos:

I. Estas «Variações em Lá» abrem com uma frase em quaternário (relativamente) lento, no que, embora no modo maior, não deixa de fazer lembrar a herança pré-Artur Paredes: pensemos em temas de Amândio Marques, Peres de Vasconcelos ou mesmo, mais recentemente, Flávio Rodrigues, António Carvalhal, João Bagão, José Amaral ou Almeida Santos; as sequências tonais incluem 1.ª e 2.ª de Lá Maior, 2.ª e 1.ª de si menor e uma passagem por Ré Maior;
II. a segunda frase é um motivo ‘batido’ em compasso quaternário, com acordes de 1.ª, 2.ª e 3.ª de Lá Maior (com utilização do bordão de si e da corda fina de lá), num estilo de reminiscência (lusamente) country que não deixa de fazer lembrar a frase central de «Aguarela Portuguesa» de António Portugal [Obs.: De onde a ‘tentação’ de diversos «2.ºs guitarras» (v.g. Manuel Mora) executarem neste passo uma dedilhação a fazer lembrar a correntemente utilizada na referida peça de António Portugal].
III. a peça termina com mais duas frases desenvolvidas em Lá Maior (compasso ternário), utilização de 1.ª, 2.ª e 3.ª de Lá Maior, 2.ª e 1.ª de Ré Maior. A virtuose aqui patenteada sugerirá que o autor conhecia – e bem – «Aguarela Portuguesa»; mas também não deixaria de conhecer as «Danças Portuguesas n.º 1», de Carlos Paredes. Fica a interrogação de fundo sobre «António das Águas», outras peças que tenha composto, sua dimensão como executante, etc.

Entretanto, neste disco de estreia algo se patenteia já em OS: sendo um dos mais «experimentalistas» (António M. Nunes) executantes da Guitarra, ostenta, na peça instrumental e nas «introduções» dos temas interpretados por Janita Salomé, alguns arcaísmos no dizer (v.g. as apoggiaturas dobradas) que como que prenunciam a oportunidade do comentário de Fernando Machado Soares transcrito a abrir.


2.2. Variações sobre o tom de Lá

Elaboradas num intencional registo de Velha Coimbra, estas «variações» são-no na plena acepção: há de facto um tema sucessivamente repetido e variado, quer no modo menor, quer no modo maior. Vejamos o desenvolvimento global da peça:

I. Frase 1: Apresentação do tema, no modo menor (o dizer-base assenta em grupos de 7 notas, qual, «mutatis mutandis», redondilha maior); desenvolvimento em compasso quaternário, com passagens por lá menor, Fá Maior, 2.ª de Lá, ré menor;
II. Frase 2: 1.ª variação sobre o tema (o dizer-base assenta também aqui em grupos de 7 notas), compasso quaternário, 1.ª e 2.ª de lá menor;
III. Frase 2’: prolongamento da anterior variação, complexificando a sequência tonal: passagens por ré menor, 2.ª de Dó, Dó Maior, Fá Maior, 2.ª de Lá;
IV. Frase 3: cadencial, preparando a mudança de compasso; grupos de 3 notas, assentes em acordes de lá menor, ré menor, 2.ª de Dó e Fá Maior;
V. Frase 4: Arranca da anterior, sem solução de continuidade mas em compasso ternário; desenvolvimento em lá menor (dizer-base de 5 notas), com passagens por lá menor, ré menor, 2.ª de Dó, Dó Maior, Fá Maior, Lá sustenido Maior, 2.ª de lá;
VI. Frase 5: Retorno ao tema no modo menor (seria como que a frase 1 com variações…); desenvolvimento em lá menor, compasso quaternário, passagens por lá menor, Fá maior, 2.ª de lá, ré menor, 2.ª de ré, Lá Maior;
VII. Frase 6: Tema no modo maior; desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário, passagens, além do dito tom, por uma diminuta no 1.º ponto e 2.ª de Lá;
VIII. Frase 7: Variação sobre a frase anterior, desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário; passagens por Lá Maior e 2.ª de Lá;
IX. Frase 8: 2.ª variação sobre a frase 6; desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário; passagens por 2.ª de Lá, Ré Maior e Lá Maior; pausa no final;
X. Frase 9: virtuose em compasso binário, sustentado em bordões harmónicos da viola; pausa no final;
XI. Frase 10: retorno ao tema no modo maior; esta frase é, em modo maior, o espelho da frase 1, apenas com a diminuta no 1.º ponto em lugar do Fá Maior; termina em 2 acordes lentos de Lá Maior.

Resta-me acrescentar que na «2.ª guitarra» que me coube – executada, naturalmente, «a posteriori», em pista sobreposta – optei por acordes nos 3 bordões, o que iria provocar efeitos harmónicos claros com os bordões que já executara em viola.
Bem pode dizer-se que OS ganhou a aposta com esta peça: execução apurada e com aspectos ‘vanguardistas’, o universo sonoro e toda a enunciada estrutura tema-variações torna a faixa de abertura de Raízes de Coimbra algo de forte e susceptível de agradar a públicos geracionalmente heterogéneos – não é por acaso que em várias actuações em que participei pude presenciar agrado unânime, com alguns dos mais veteranos a exclamar:

– Isto é Coimbra !...


2.3. Variações sobre o tom de ré menor

Contrariamente à anterior, não se trata de uma peça ‘fácil’ e que agrade à primeira. A complexidade do mundo interior de OS começa aqui a manifestar-se e as mudanças de compasso poderão ser perplexificantes para auditores mais tradicionais. Passemos à análise:

I. Frase 1: Desenvolvimento em ré menor, compasso quaternário, dizer-base de grupos de 7 notas; 1.ª e 2.ª de ré menor;
II. Frase 1’: continuidade total em relação à frase 1;
III. Frase 2: compasso binário, sequência de acordes – ré menor ( + mi), ré menor, Fá Maior, ré menor, Fá Maior, 2.ª de Fá, Fá Maior [bis];
IV. Frase 3: desenvolvimentos em ré menor e Fá maior, quaternário lento, quase lembrando um minuete [Obs.: No Verão de 1981, já concluída a gravação, cheguei a conceber como «2.ª guitarra» para este frase um exercício a fazer lembrar justamente um minuete de inspiração haendeliana. Mas nunca houve oportunidade para o experimentar]; passagens por ré menor, 2.ª de ré, Fá Maior, 2.ª de ré, 2.ª de Fá, Fá Maior;
V. Frase 4: desenvolvimento em Fá Maior, quaternário lento, passagens por Fá Maior, 2.ª de Fá, Lá sustenido Maior, Fá Maior [bis, mas terminando em 2ª de ré (pausa)];
VI. Frase 5: desenvolvimento em ré menor, quaternário; passagens por ré menor, 2.ª de ré, Lá sustenido Maior, sol menor [Obs.: No ataque à repetição de um segmento desta frase, em 2.ª de ré, proporcionou-se um interessante efeito de «2.ª guitarra»]; termina em 2.ª de ré (pausa);
VII. Frase 6: desenvolvimento em Ré Maior, quaternário lento; passagens por Ré Maior, 2.ª de Lá, 2.ª de ré, 2.ª de si, finalização em 2.ª de Sol (pausa);
VIII. Frase 7: frase de ligação; compasso ternário, sequências: Sol Maior/ 2.ª de Sol/Dó Maior/Sol Maior, Fá Maior/2.ª de Fá/Lá sustenido Maior/ Fá maior; termina num longo acorde grave de Fá maior, executado nos 3 bordões;
IX. Frase 8: Reprise da frase 4 e seu desenvolvimento até final; passagens por Fá Maior, ré menor, 2.ª de ré; finalização com acordes de 2.ª e 1.ª de ré menor.

Indubitavelmente uma peça com o seu quê de ‘ingrato’ para o ouvinte, tem, na execução respectiva, momentos de árdua virtuose para o solista, mas também de grande fruição, quer para este, quer para o(s) acompanhante(s).


2.4. Variações sobre o tom de Ré Maior

De novo uma peça alegre e (aparentemente) mais acessível. Passemos à análise:

I. Frase 1: Tema de abertura cujo dizer-base assenta, uma vez mais, em grupos de 7 notas; compasso quaternário, com passagens por Ré Maior e 2.ª de Ré; 2.ª de Sol, Sol Maior e sol menor;
II. Frase 2: continuidade em relação à frase 1; passagens por Ré Maior, 2.ª de Ré, Sol Maior, Ré Maior, 2.ª de Sol, Sol Maior, sol menor, Ré Maior e 2.ª de Ré;
III. Frase 3: frase de grande alegria no dizer, assente em grupos de 7 acordes (iniciados no Ré Maior de registo intermédio); passagens por Ré Maior, 2.ª de Sol, Sol Maior e 2.ª de Lá;
IV. Frase 3’: sequência do tema em grupos de 5 acordes, com passagens por 2.ª de si, si menor, 2.ª de Lá, Lá Maior, Sol Maior, 2.ª de Ré e Ré Maior de registo intermédio (com o qual se inicia a frase seguinte);
V. Frase 4: retomar do tema da frase 3; pausa no final;
VI. Frase 5: desenvolvimento em Lá Maior, compasso ternário, melodia em grupos de 5 notas; passagens por 2.ª de Lá, Lá Maior;
VII. Frase 5’: é como que a passagem da frase 5 ao modo menor; mantêm-se o compasso ternário e os grupos de 5 notas; passagens por lá menor e 2.ª de lá;
VIII. Frase 6: virtuose com desenvolvimento em lá menor, compasso binário, alternância de notas com acordes (em grupos de 9); passagens por: lá menor, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de Dó, diminuta no 3.º ponto, lá menor; lá menor, Fá Maior de 7.ª, 2.ª de ré, ré menor, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de lá menor; lá menor, diminuta no 1.º ponto [pausa]; lá menor, 2.ª de lá, ré menor, lá menor, 2.ª de lá, lá menor;
IX. Frase 7: pequena frase-ligação, de 4 compassos ternários em 2.ª de Ré, dizer-base de 5 notas;
X. Frase 8: desenvolvimento em Ré Maior, começando em prelúdio de 4 compassos neste tom, com dizer de 5 notas (qual sequência à frase 7); continuação em quaternário lento, 1.ª e 2.ª de Ré Maior;
XI. Frase 9: nova frase-ligação, ternário, 3 compassos em Ré Maior; finalização em si menor [pausa];
XII. Frase 10: surpreendente sequência de acordes em compasso ternário, começando em 2ª de ré e terminando em 2.ª de lá; passagens por diminuta no 3.º ponto, Lá sustenido Maior, diminuta no 3.º ponto, 2.ª de lá, Lá sustenido maior, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de lá;
XIII. Frase 11: final, lento e majestoso; compasso ternário, grupos de 4 acordes, passagens por ré menor, diminuta no 3.º ponto [bis], 2.ª de Ré, Ré Maior.

Curiosamente (ou talvez não), esta peça foi uma das preferidas de Fernando Machado Soares, quando em 1981 ouviu as gravações para depois redigir o belo texto patente na contracapa de LP: achou fora do vulgar a extrema alegria de algumas frases, bem como, uma vez mais, a capacidade revelada por OS no sentido de ‘pegar’ num tema e levá-lo às últimas consequências.
Como acompanhante, acrescentarei que foi, das peças em moldes relativamente tradicionais, a que maiores oportunidades criativas me prodigalizou.


3. A fechar

O que aqui fica escrito não passa de uma gota de água no que à Obra original de OS diz respeito. Havendo que delimitar um micro-objecto de análise dentro de uma produção instrumental que anda por boas dezenas de peças, optou-se, dentro da Obra gravada, pelos 3 temas que são explicitamente «variações» [ainda que outras pudessem, com toda a legitimidade, ostentar tal designação no título, v.g. «Flores em Abril», que bem poderiam passar como «Variações sobre o tom de Lá n.º 2»], ao que se acrescentou o primeiro tema instrumental gravado por OS, da autoria de um seu conterrâneo, como se viu.
A OS poderei voltar a qualquer momento; mas qualquer outro estudioso o poderá também fazer, assim as peças estejam acessíveis (em gravação ou em partitura) e haja (boa) vontade de as estudar. Na certeza de que quem o fizer plena justiça prestará a um dos mais fiéis vultos da galáxia, que aos 50 anos (em 1987), como se viu, se re-fixou em Coimbra e à causa da Guitarra e dos Organismos de Antigos Estudantes aí tem dado o seu melhor.


Poslóquio: Se por trás de um Grande Homem (até na estatura física…) há uma Grande Mulher, uma palavra é devida a Isabel Torrado e Azevedo, Colega do Ofício de Clio e inexcedível anfitriã (em Almada, em Coimbra, em S. João do Estoril), que como tal conheço há quase um quarto de século.




Lisboa, 18 de Junho de 2004

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