terça-feira, março 15, 2005

Bloco de Notas (2)

Vou entrar propriamente nos assuntos focados nos blocos de notas encontrados no fundo de uma gaveta. Começo pelo que tem a data de 1979.
Refiro em primeiro lugar que fiz quatro introduções para dois fados a cantar pelo Machado Soares : “Sé Velha”, de Carlos Figueiredo, em dó sustenido menor e “Ondas do Mar”, em fá maior, do mesmo autor. Pelo que leio, naquela altura dava-me ao luxo de fazer duas introduções para escolher uma! Não faço ideia já do que fiz e se ainda estão “vivas”!
A seguir, digo que emprestei a viola ao Machado Soares para ir à televisão, ao directíssimo, acompanhado pelo António Portugal à guitarra, Luís Filipe à viola e ainda o António Bernardino a cantar também. É curioso notar que o Fernando Machado Soares nunca actua em nenhum epectáculo sem ter a viola na mão. Diz ele que é para marcar o ritmo desejado. Das primeiras vezes que o acompanhei, aquela viola fazia-me muita confusão, pois nem sempre os tons que dava eram totalmente apropriados. É bastante difícil tocar e cantar simultaneamente. Mas, enfim, como cantava tão bem, isso passava despercebido. Voz de tenor com grande potência e bom timbre, com pianíssimos de parar a respiração, punha as plateias ao rubro. Foram sempre de grande sucesso os espectáculos em que com ele participei. Na altura morava em Almada, a cem metros da sua casa.
Vejo uma nota , agora, dizendo que falei ao Durval Moreirinhas na possibilidade de o Machado Soares vir a cantar connosco na casa de Fados do Rodrigo, em Cascais. Pelo que me lembro, nunca se concretizou esse plano.
Nesta altura integrava um grupo com o Teotónio Xavier e Silva Ramos à Guitarra e à viola, Carlos Figueiredo e Ferreira Alves. Refiro que Carlos Figueiredo foi autor de muitos fados. Isso pode ver-se num disco que mais tarde, já depois de eu sair, este grupo gravou com o cantor Pedro Ramalho, tudo fados da autoria de Carlos Figueiredo. Mais tarde darei notícia deste disco. Ferreira Alves foi o primeiro acompanhador de Carlos Paredes. Há uma fotografia em que aparece com o Artur Paredes, Afonso de Sousa, Carlos Paredes e Arménio Silva.
Num dos ensaios com este grupo, O Teotónio Xavier contou que um dia o Carlos Paredes lhe pediu para ir ter com o pai para lhe dar uma unha postiça, como se fosse para o Xavier. Quando este a pediu, Artur Paredes disse que para ele dava tudo, mas para o malandro do filho não dava nada! Estavam assim as relações, na altura, entre pai e filho.
Num ensaio, Carlos Figueiredo disse que eu, desde que estou a tocar com eles (os pexotes, como disse), evoluí muito. Havia recomeçado a tocar em 1976, como já referi no primeiro “Bloco de Notas”, de maneira que ia aos poucos adquirindo a forma anterior.
Num ensaio toquei o meu Ré menor e perguntei aos presentes se gostavam de uma certa passagem. Foi-me dito que era muito boa mas que fazia lembrar Carlos Paredes. Repliquei que também as vulgares variações de Coimbra fazem lembrar as feitas anteriormente por outros compositores. Na altura praticamente ninguém utilizava as novas técnicas. Por isso, eu dava nas vistas pela negativa. Além disso, era quase consensual ouvir dizer-se que a guitarra de Carlos Paredes não tinha nada a ver com Coimbra. Logo, com aquela técnica, nada poderia ter o sabor a Coimbra. Para o vulgo de então, não havia hipótese da guitarra evoluir. Não se podia sair daquele grupo de sete notas!
O Teotónio Xavier teria uma opinião diferente e contou que certo dia tocou num convívio, com a presença de Carlos Paredes, as “Variações em Lá menor” do Jorge Morais (Xabregas). No final, Carlos Paredes vira-se para a assistência e diz: acabaram de ouvir umas variações antigas do meu pai. Se ao filho, aquela música parecia do pai, por que é que os teóricos da guitarra como por exemplo Afonso de Sousa, nunca aconselharam o Xabregas e outros a tocar apenas as variações de Artur Paredes? Será que, pelo facto de eu usar a técnica evoluída de Carlos Paredes, terei de ou renunciar a ela ou tocar só música de sua autoria, como me disse Afonso de Sousa? Será que com aquela técnica não é possível um compositor individualizar-se? Já o João Bagão também me veio com a mesma história.
Eram tempos difíceis para quem pretendia dar uma sacudidela no marasmo. E vejam como as coisas são. Assistam agora a um espectáculo de Coimbra e só ouvem Carlos Paredes, praticamente mais nenhum músico tem a honra de ouvir executar as suas peças. E as novas composições para guitarra solo, ainda em número muito reduzido, compostas pelos novos valores a despontar, lá têm o seu cunho. Carlos Paredes foi adoptado como símbolo máximo da guitarra de Coimbra. Quem tinha razão, afinal?
Faço aqui uma pequena ressalva às composições dos novos valores. Refiro-me concretamente a Jorge Menino, filho do meu grande amigo Hermínio Menino, a residir em Viseu, minha terra natal. O seu modelo, sem o copiar, é o Jorge Tuna. Notam-se nitidamente as influências sem, no entanto, o plagiar. Estamos à espera da rápida saída do disco, agora em estúdio, para se poder apreciar em pleno.
Outro caso é o de Paulo Soares (Jojó), um caso típico de individualização. É dele e de mais ninguém. Para isso é preciso ter assimilado muitíssimo bem tudo que para trás se fez e não escolher modelos.

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