Bloco de Notas (3)
1979 ... Fui hoje a casa de Artur Paredes para a sessão semanal de guitarra. Toquei o meu Ré maior por sugestão de Carlos Figueiredo. Com as suas poucas falas sobre as obras dos outros, disse-me que tinha coisas muito boas.
Tocou depois o novo Sol maior. Já se convenceu que o método de Carlos Figueiredo, de apontar os tons no papel, dá resultado. A peça está constantemente a mudar de tom, o que torna extremamente difícil fixar as mudanças. Escrevendo, fica a questão resolvida.
Artur Paredes disse que saiu de Coimbra aos trinta e quatro anos e que seu pai se suicidou quando tinha dezasseis. Como fez em dez de Maio 80 anos, nasceu em 1899, saiu de Coimbra em 1933 e o pai, Gonçalo Paredes, morreu em 1915.
Durante a sessão, Artur Paredes confessou que, embora se zangasse muitas vezes com o filho, Carlos Paredes, mesmo nestas ocasiões este era muito delicado para ele, acrescentando também que a sua dedicação era maior que a da irmã.
Há dias em conversa com Jorge Morais, Xabregas, soube que Edmundo de Bettencourt um dia, a cantar num espectáculo no Porto, se não estou em erro, deu uma tal fífia, que nunca mais teve coragem de enfrentar o público. É que, na segunda quadra, quando todos esperavam que se redimisse, voltou a falhar duma maneira ainda mais escandalosa. Foi o fim da carreira ao vivo. Por este facto, a sua projecção não era grande. Foram posteriormente os discos que o projectaram ao pedestal em que se encontra agora.
Continuando a falar da conversa com Xabregas, este afirmou ainda que António Menano cantou sempre em público até morrer. De Artur Paredes diz que guitarrista assim nunca houve nem haverá. Mas, ironia, não dá o devido valor a Carlos Paredes. Disse também que morou na mesma casa que o Bettencourt. Afirmou que o seu célebre Lá menor foi composto numa tarde. Saíu-lhe quase de improviso e à noite já estava a tocá-lo num espectáculo.
Acrescentou ainda que não ficou satisfeito com o facto de, no seminário sobre o fado de Coimbra deste ano, Luís Goes ter dito que o Bettencourt teve maior aceitação no público que o Menano, pelas razões já atrás expostas.
Musiquei um soneto de António Nobre, “As Virgens” e mostrei-o ao Machado Soares. Este disse-me que não gostava totalmente dele porque não era redondo! De facto não é. Está sempre num crescendo.
Encontro aqui notas sobre o progresso na execução do instrumento. Leio no bloco a seguinte frase: já não é preciso aquele “aquecimento” muito meu característico. Quero dizer com isto que começo logo a tocar razoavelmente sem ter que aquecer os dedos primeiro. Isto levou-me a recordar um episódio dos tempos de liceu. Nessa altura também tinha que estar um bocado a “esgalhar” para aquecer os dedos. Tocava com o Fernando Rebelo e o José Maria Barros Ferreira. Quando eu dizia que tinha que aquecer os dedos primeiro, ou me enganava - a justificação era o não estar ainda quente - o Rebelo virava-se para o Barros Ferreira e dizia: vai buscar a lamparina para ele aquecer os dedos! Bons tempos...
Artur Paredes está a gostar bastante de tocar o Sol maior, agora com acompanhamento. Tocámo-lo imensas vezes, e via-se que de facto, estava bastante entusiasmado. Carlos Figueiredo anda a convencê-lo a gravar. Na verdade tem imensos inéditos e será uma enorme perda se ficarem na gaveta. Ao menos gravá-los em casa para se não perderem. É curioso que por vezes, nas novas peças, se ouve uma frase de outras já gravadas, como por exemplo num Ré menor, em que a meio, toca o começo do Ré menor das primeiras gravações. Nunca está satisfeito com o que faz. É muito difícil acompanhá-lo, pois nunca se tem a certeza da frase que se segue. Pode já tê-la mudado! Os apontamentos dos tons têm que ser semanalmente revistos.
Estive duas noites em casa do Durval Moreirinhas com o Rui Gomes Pereira. Estamos a ensaiar para futuramente actuarmos em Casas de Fado. Toquei as minhas variações em Lá e os dois, gostaram muito, especialmente o Rui. Este dizia que, ao ouvi-las, lhe apetecia acompanhá-las a cantar. O Ré maior também não foi mal recebido.
Novamente em casa de Artur Paredes e um desabafo: Acompanhar aquele Sol maior é mesmo difícil.
Tenho outra notação mais à frente, no bloco, que diz o seguinte: normalmente, ao ouvir pela primeira vez uma música, esta me parece melhor do que na realidade é. Já com as variações em Sol de Artur Paredes, à medida que as vou ouvindo e aprendendo o acompanhamento, fico a gostar mais delas...
1979 ... Fui hoje a casa de Artur Paredes para a sessão semanal de guitarra. Toquei o meu Ré maior por sugestão de Carlos Figueiredo. Com as suas poucas falas sobre as obras dos outros, disse-me que tinha coisas muito boas.
Tocou depois o novo Sol maior. Já se convenceu que o método de Carlos Figueiredo, de apontar os tons no papel, dá resultado. A peça está constantemente a mudar de tom, o que torna extremamente difícil fixar as mudanças. Escrevendo, fica a questão resolvida.
Artur Paredes disse que saiu de Coimbra aos trinta e quatro anos e que seu pai se suicidou quando tinha dezasseis. Como fez em dez de Maio 80 anos, nasceu em 1899, saiu de Coimbra em 1933 e o pai, Gonçalo Paredes, morreu em 1915.
Durante a sessão, Artur Paredes confessou que, embora se zangasse muitas vezes com o filho, Carlos Paredes, mesmo nestas ocasiões este era muito delicado para ele, acrescentando também que a sua dedicação era maior que a da irmã.
Há dias em conversa com Jorge Morais, Xabregas, soube que Edmundo de Bettencourt um dia, a cantar num espectáculo no Porto, se não estou em erro, deu uma tal fífia, que nunca mais teve coragem de enfrentar o público. É que, na segunda quadra, quando todos esperavam que se redimisse, voltou a falhar duma maneira ainda mais escandalosa. Foi o fim da carreira ao vivo. Por este facto, a sua projecção não era grande. Foram posteriormente os discos que o projectaram ao pedestal em que se encontra agora.
Continuando a falar da conversa com Xabregas, este afirmou ainda que António Menano cantou sempre em público até morrer. De Artur Paredes diz que guitarrista assim nunca houve nem haverá. Mas, ironia, não dá o devido valor a Carlos Paredes. Disse também que morou na mesma casa que o Bettencourt. Afirmou que o seu célebre Lá menor foi composto numa tarde. Saíu-lhe quase de improviso e à noite já estava a tocá-lo num espectáculo.
Acrescentou ainda que não ficou satisfeito com o facto de, no seminário sobre o fado de Coimbra deste ano, Luís Goes ter dito que o Bettencourt teve maior aceitação no público que o Menano, pelas razões já atrás expostas.
Musiquei um soneto de António Nobre, “As Virgens” e mostrei-o ao Machado Soares. Este disse-me que não gostava totalmente dele porque não era redondo! De facto não é. Está sempre num crescendo.
Encontro aqui notas sobre o progresso na execução do instrumento. Leio no bloco a seguinte frase: já não é preciso aquele “aquecimento” muito meu característico. Quero dizer com isto que começo logo a tocar razoavelmente sem ter que aquecer os dedos primeiro. Isto levou-me a recordar um episódio dos tempos de liceu. Nessa altura também tinha que estar um bocado a “esgalhar” para aquecer os dedos. Tocava com o Fernando Rebelo e o José Maria Barros Ferreira. Quando eu dizia que tinha que aquecer os dedos primeiro, ou me enganava - a justificação era o não estar ainda quente - o Rebelo virava-se para o Barros Ferreira e dizia: vai buscar a lamparina para ele aquecer os dedos! Bons tempos...
Artur Paredes está a gostar bastante de tocar o Sol maior, agora com acompanhamento. Tocámo-lo imensas vezes, e via-se que de facto, estava bastante entusiasmado. Carlos Figueiredo anda a convencê-lo a gravar. Na verdade tem imensos inéditos e será uma enorme perda se ficarem na gaveta. Ao menos gravá-los em casa para se não perderem. É curioso que por vezes, nas novas peças, se ouve uma frase de outras já gravadas, como por exemplo num Ré menor, em que a meio, toca o começo do Ré menor das primeiras gravações. Nunca está satisfeito com o que faz. É muito difícil acompanhá-lo, pois nunca se tem a certeza da frase que se segue. Pode já tê-la mudado! Os apontamentos dos tons têm que ser semanalmente revistos.
Estive duas noites em casa do Durval Moreirinhas com o Rui Gomes Pereira. Estamos a ensaiar para futuramente actuarmos em Casas de Fado. Toquei as minhas variações em Lá e os dois, gostaram muito, especialmente o Rui. Este dizia que, ao ouvi-las, lhe apetecia acompanhá-las a cantar. O Ré maior também não foi mal recebido.
Novamente em casa de Artur Paredes e um desabafo: Acompanhar aquele Sol maior é mesmo difícil.
Tenho outra notação mais à frente, no bloco, que diz o seguinte: normalmente, ao ouvir pela primeira vez uma música, esta me parece melhor do que na realidade é. Já com as variações em Sol de Artur Paredes, à medida que as vou ouvindo e aprendendo o acompanhamento, fico a gostar mais delas...
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