sexta-feira, abril 22, 2005

Texto saído na Internet, aquando da realização do espectáculo "Homenagem a Octávio Sérgio", inserido no I Festival da Guitarra de Coimbra.

Coimbra, Capital Nacional da Cultura 2003 Notícias

Homenagem a Octávio Sérgio: «Uma sessão solene», diz Carlos Alberto Augusto

26/9/2003
Octávio Sérgio é um nome incontornável na execução da guitarra de Coimbra, que foi homenageado no âmbito do I Festival da Guitarra de Coimbra, dia 25 de Setembro. Paulo Soares, na guitarra, e Rui Namora, na viola, encheram o auditório do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra ISEC) para um espectáculo que viria a ser classificado por Carlos Alberto Augusto, programador de Coimbra 2003 para a área da Música, como uma «sessão solene».
Octávio Sérgio e Armando Carvalho Homem (guitarrista clássico que sempre acompanhou Sérgio) não esconderam a emoção no final do espectáculo.
Carlos Alberto Augusto fez as honras da casa, papel normalmente desempenhado por Paulo Soares, director artístico do festival. O responsável da Coimbra 2003 não poupou elogios aos guitarristas, ao homenageado e a Paulo Soares. «Não há elogios suficientes para fazer ao Paulo Soares», frisou Carlos Alberto Augusto, sublinhando que Soares está «firmemente ancorado na tradição de Coimbra», embora com a «flexibilidade suficiente para voar para outras paragens». Paulo Soares refere que a tradição coimbrã não é apenas constituída pela execução da guitarra, «mas do casamento entre dois instrumentos, a guitarra e a viola». O guitarrista sublinha por várias vezes o carácter da música de Octávio Sérgio, a imprevisibilidade e a inovação técnica que trouxe à execução da guitarra portuguesa, mesmo relativamente a Carlos Paredes.
O espectáculo centrou-se em peças do disco Raízes de Coimbra, que marcou definitivamente a orientação musical de Sérgio, onde são audíveis composições inovadoras e que mostraram uma nova forma de execução de um instrumento que está, normalmente, destinado ao acompanhamento do fado. De recordar que Octávio Sérgio acompanhou Zeca Afonso nos últimos concertos do cantor, além de outras digressões, tendo Paulo Soares escolhido do espectáculo, registado ao vivo no Coliseu de Lisboa, a peça "Dor na planície".
Foram, ainda, executadas peças inéditas do guitarrista, nomeadamente "Marionetas" e "Ensaio nº3". "Danças" foi outra obra não registada interpretada por Soares e Namora, mas que Armando Carvalho Homem viria, no final do concerto, a confessar que a peça já tinha sido interpretada numa ocasião. «A peça "Danças", que foi a última executada no espectáculo, ao contrário do que disse o Paulo Soares, em rigor não é uma primeira audição. Ela foi executada uma vez numa actuação num restaurante que havia na altura na estação do Rossio em Lisboa, o restaurante Algarve. Numa fase em que a estação do Rossio tinha um enorme shopping... já lá vai muito tempo. Foi em Março ou Abril de 1982, com o já desaparecido António Bernardino, na guitarra o Otávio Sérgio, nas violas eu o e Durval Moreirinhas e o filho António Sérgio Azevedo. Esta peça foi acompanhada apenas pelo filho, António Sérgio Azevedo», explica Carvalho Homem.
Armando Carvalho Homem aproveitou o final do concerto para recordar os tempos em que tocou com Octávio Sérgio, nomeadamente a altura da gravação do disco "Guitarra Portuguesa Raízes de Coimbra", em 1981.
«Curiosamente, esse disco foi objecto de grande atenção do jornalismo cultural e nas páginas dedicadas à música ligeira. Creio que no jornal Sete, se dizia qualquer coisa como isto: "É a alternativa possível do momento, do continuado silêncio de Carlos Paredes", que não gravou nada entre 1971 e1983.
Ora bem, mas se o jornalismo cultural dedicou atenção a este disco, também me lembro de uma belíssima apreciação da Alice Vieira, no Diário de Notícias, o disco passou relativamente despercebido nos meios estudantis. O instrumental passa muito menos facilmente que um disco de canto e guitarra.
Vinte e dois anos depois dele ter sido gravado, é com muita emoção e alegria que vejo este trabalho ter a devida expressão nesta cidade, pela mão de Paulo Soares, diversas peças de Octávio Sérgio estarem a servir de exercício de método para estudiosos da guitarra. Valeram a pena as longas noites de ensaio e os dez dias de estúdio que a saudosa Arnaldo Trindade tinha em Lisboa», lembra o guitarrista.
Relativamente à inovação que Sérgio trouxe à guitarra de Coimbra, Carvalho Homem diz que «tinha a sensação de estar perante um dos solistas mais inovadores da década de 60. Da geração que chegou a Coimbra nos finais da década de 50, Otávio Sérgio era um nome cimeiro. Sentia muito, e o Sérgio penso que sentia mais, que recepção e receptividade estas propostas vão ter? Talvez aí estivéssemos um bocado na dúvida. Este concerto mostrou que Octávio Sérgio estava certo».
«Saio daqui muito agradecido, porque o Paulo Soares tocou as peças maravilhosamente. Como ele disse, é o único que consegue tocar as peças, algumas melhor do que eu faria. Foi um espectáculo belíssimo, e claro que fiquei emocionado. Tocou-me bastante, porque há muito tempo que não as ouvia, ao vivo... porque há muito tempo que não as toco. Foi um prazer enorme ouvir o Paulo Soares, um grande artista!», diz Octávio Sérgio. O músico refere que as peças executadas não serão as que considera mais arrojadas, mas ter-se-á esquecido das mais inovadoras que compôs uns anos antes.
«Nos anos 60 fiz muitas peças que para mim eram mais arrojadas que estas, só que em 65 fui a uma viagem do Orfeão aos EUA e como não tinha dinheiro vendi a guitarra. Depois, mais tarde, quando comprei outra , já não me lembrava de nada. Por volta de 80 é que voltei a compor. De facto, acabei por perder tudo, e aí sentia que havia uma inovação; nestas também, mas as outras eram muito mais arrojadas», salienta.
Carlos Alberto Augusto não poupa elogios a Paulo Soares, a Rui Namora e ao próprio Octávio Sérgio. «Tivemos aqui hoje o que é o exemplo de uma sessão solene. Tivemos um público, de facto, em silêncio absoluto, extremamente atento, ouvimos tudo muito bem, a música fluiu perfeitamente. De facto, foi um momento solene. Acho que houve aqui qualquer coisa de religioso, não do ponto de vista ideológico, mas na atmosfera que se cria, há uma mensagem que é transmitida, e os receptores estão, exactamente no ponto em que devem estar, e a forma de transmitir a mensagem é superior», refere.
«Temos também a questão da música. A música do Octávio Sérgio é completamente surpreendente, é uma música de elevadíssima categoria, tecnicamente muito complexa. É suma surpresa, no verdadeiro sentido da palavra, estamos sempre a surpreendermo-nos com as suas modulações, ritmos, é tudo menos quadrada e previsível. Uma música deste gabarito, servida por um músico como o Paulo Soares, gera uma situação como a que vivemos hoje», diz o programador da Coimbra 2003 para a área da Música.

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