terça-feira, junho 21, 2005

Lucas Junot: Um Brasileiro a Cantar Coimbra[i]
(Texto enviado por Rui Lopes)

Lucas Rodrigues Junot nasceu em Santos, Brasil, em 1902. Filho de emigrantes portugueses em terras de Vera Cruz.
É em Santos que aprende as primeiras letras e faz os primeiros estudos até que em 1914 a família decide regressar a Portugal, instalando-se em Coimbra junto às escadas do Quebra-Costas onde habitará antes de se mudar para Montarroio. Segundo Jorge de Cantanhede é para saber onde ficavam as míticas escadas do Quebra-costas que Lucas Junot abordará pela primeira vez um polícia em Portugal, que o terá amedrontado um pouco.
Já instalado em Coimbra, é nesta cidade que frequentará o Liceu até ingressar no Curso de Matemática na Faculdade de Ciências, em 1922. Porém, já nesta época algo o destacava: cantava Fado de Coimbra quando ainda era “bicho”. Fará parte da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, participando nas famosas tournées a Espanha (1922) e ao Brasil (1925).
A cantar Coimbra destacava-se pela sua voz característica, que Artur Paredes lhe viria a dar o epíteto de “Gata Miadeira”. Cantou muitas Canções de Coimbra, como por exemplo: Fado dos Passarinhos (Passarinho da Ribeira), Fado Sepúlveda, entre outros, em que se acompanhava ele próprio à guitarra. No entanto, ficará mais conhecido por ser o autor do célebre Fado de Santa Clara (eu ouvi de Santa Clara …), que segundo Divaldo Gaspar de Freitas terá sido inspirado ao passar a ponte de Santa Clara a olhar para Santa Clara.
Deixaria para a posterioridade vários discos de setenta e oito rotações que foi gravar a Londres.
Contudo, também continuava a cursar Matemática concluindo o curso em 1927. Paralelamente ao curso de Matemática, também namorava aquela que seria a sua futura esposa: Eugénia Gaupin de Abreu e Sousa.
Segundo Maria Isabel Cabral Moncada Cordeiro, que vivia com a tia Eugénia em Abrantes, Lucas Junot ia de comboio de Coimbra a Abrantes namorar a sua tia, fazendo-se sempre acompanhar da sua guitarra em que fazia grandes serões a tocar e a cantar no quintal da casa.
Nesse mesmo ano, ter-se-á casado com a D ª Eugénia, num casamento de que nasceram três filhos: um rapaz e duas raparigas, e rumou a Luanda onde trabalhou no Banco de Angola. Porém, o seu desejo era regressar ao Brasil Natal, pelo que regressou a Portugal e no ano seguinte rumou para Santos.
Divaldo de Freitas, refere que ao chegar ao Brasil, quando perguntaram ao carregador de quem era a bagagem que transportava este respondeu, apontando para Lucas Junot: São daquele português! Chegava ao Brasil ao ponto de ser confundido com um português, porque levava Coimbra para o Brasil.
Instalou-se em Santos, mas também trabalhou no Rio de Janeiro e em S. Paulo, tendo feito parte da Academia de Ciências.
Já a trabalhar no Brasil havia algo que mexia sempre com o seu coração: Coimbra! Que fazia tenção de rever antes de deixar esta vida e sempre que Divaldo de Freitas vinha a Coimbra dizia-lhe: abrace Coimbra por mim!. Pois sempre que havia encontros de Antigos Estudantes de Coimbra ou algo relacionado com Coimbra, Lucas Junot era sempre presença assídua. Pois, quando foi fundada a Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Brasil, Lucas Junot foi um membro fundador e dos membros mais activos desta.
Em 1967, cumpriu-se o desejo de rever Coimbra ao ter ganho uma Bolsa da Gulbenkian. Regressou a Coimbra, tendo ficado admirado com tudo, pois, não podemos esquecer que quando Junot foi para o Brasil ainda era o tempo da Velha Alta de Coimbra. Além disso, também aproveitou o seu tempo em Portugal para visitar os seus contemporâneos da Universidade de Coimbra.
Quando esteve em Lisboa, também visitou a loja da Valentim de Carvalho na baixa lisboeta, em que perguntou se ainda tinham algum disco do “Rouxinol do Mondego” (nome pelo qual era conhecido nos seus tempos de Coimbra). Disseram-lhe que tinham um disco mas que era uma relíquia da casa, pelo que não o venderiam a ninguém, a não ser que o próprio Lucas Junot lá fosse. Foi então que Junot mostrou o passaporte e se identificou, pelo que acabaram por lhe oferecer o disco.
Segundo Maria Isabel Cabral Moncada Cordeiro, também visitou Santarém tendo estado na sua casa e ido junto à sepultura de Pedro Álvares Cabral.
A Sr. ª Maria Isabel Cabral Moncada Cordeiro, acompanhou os tios ao aeroporto onde os salvou de não poderem embarcar devido a uma taxa de cem escudos que era necessário pagar e eles apenas tinham dinheiro brasileiro que ninguém queria trocar, pelo que lhes facilitou os cem escudos e os tios embarcaram para o Brasil.
Tinha cumprido o seu sonho: rever Coimbra antes de falecer! Pois, no ano seguinte, faleceu a 29 de Agosto em Santos, tendo sido sepultado no cemitério de Paquetá no dia seguinte, enquanto que a sua viúva ainda viveria muito tempo, pois, faleceu há dois anos em Santos com noventa e sete anos de idade.
Desta forma, resta-nos o seu memorial através dos discos e do seu espólio de Coimbra que se encontra no Museu Académico, onde a sua filha e neta vieram há cerca de seis anos doar ao Museu a Guitarra, a Capa, uma Fotografia, Discos, e as Fitas de Curso.
Para terminar, deixo também a letra das mais célebres Canções de Coimbra que Junot cantou.

PASSARINHO DA RIBEIRA

Passarinho da ribeira
Se não és meu inimigo
Empresta-me as tuas asas
Deixa-me ir voar contigo

Ao longe cortando espaço
Vai um bando de andorinhas
Que te levam um abraço
E muitas saudades minhas

FADO SEPÚLVEDA

Dizem que amar é viver
Mas mesmo morte que fosse
Que me importava morrer
Pois se o amar é tão doce

Se os meus olhos te incomodam
Quando estão à tua frente
Eu prefiro arrancá-los
Para te amar cegamente

FADO DE SANTA CLARA

Eu ouvi de Santa Clara
Gemidos de alguém que chora
Era a Rainha pedindo
Por mim a Nossa Senhora

Aos pés de Nossa Senhora
Rezando pedi-lhe um dia
Que não rezasse chorando
Que os anjos entristecia

[i] Rui Pedro Moreira Lopes. Licenciado em História e Pós Graduado em Ciências Documentais (Arquivo) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Guitarra de Coimbra do Grupo de Fados de Coimbra de Abrantes fundado em 1983 pelo Dr. José Amaral.

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