Ricardo Rocha Dedicado a uma guitarra sem futuro
Artigo saído na revista “Pública””
Odeia tocar em público – “fico doente” – e confessa estar arrependido de se ter dedicado à guitarra portuguesa. “É um instrumento que não vai ter futuro, vai estar permanentemente ligado ao que sempre esteve (o fado) e nunca será incluído noutra área musical”, diz.
Ricardo Rocha, 30 anos, diz que Carlos Paredes e Pedro Caldeira Cabral foram os únicos que “puseram a guitarra portuguesa noutro sítio”. O que é “notável” para quem “observa e contempla”, mas nada do que fizeram criou “uma legião de instrumentistas”, que seria “talvez” a única forma da guitarra saltar para outro nível”. E sublinha: “ Tudo o que se faça de inovador na guitarra portuguesa é totalmente em vão ou inglório”.
Não é pessimismo, é realismo, diz. Até porque, “por um lado”, a guitarra “está bem” no lugar onde está e onde sempre esteve – é nesse meio que se move com naturalidade.
Ricardo Rocha reconhecido como um dos mais talentosos guitarristas da sua geração, pegou pela primeira vez numa guitarra quando tinha “três, quatro anos”: “Ainda tenho a fotografia, dá vontade de rir”, lembra. Aos oito começou a aprender, aos 12 “já tocava umas coisitas” mas tocar a sério só por volta dos “17, 18 anos”. A dependência da guitarra apareceu três anos depois de começar a aprender: senti que não conseguia largar o instrumento, não sei se por razões físicas se musicais”.
Cresceu com “uma vergonha inacreditável” de dizer que instrumento tocava: “Na altura, anos 80, havia uma troça enorme em relação a este mundo”, lembra. Não foi por ser artista que Ricardo Rocha nunca socializou muito. “Isso” – o artista isolado na sua torre de marfim – “é uma coisa deprimente, uma coisa lamechas”. Foi porque ele é assim, ponto: “Nunca tive muito jeito para construir amizades. Na escola era uma desgraça, na tropa foi uma coisa inacreditável. Ainda hoje tenho três, quatro pessoas que posso dizer que são amigas”.
Foi o avô, o guitarrista Fontes Rocha, quem lhe deu a formação musical até aos “15, 16 anos”.Ainda chegou a ir para o Conservatório mas só durante um mês. Aos 16 decidiu aprender piano. “Deu-me uma abertura radical em relação à abordagem à guitarra portuguesa. “São dois instrumentos completamente diferentes e as imensas possibilidades do piano – “uma máquina de fazer sons” – tornam inevitável a mudança “da concepção musical que se tem na cabeça”. Foi depois deste contacto com o piano – que diz ter “imensa pena” de “não saber tocar” – que compôs a primeira peça. Diz que é fundamental aprender a técnica da guitarra de Lisboa, de Coimbra, de Pedro Caldeira Cabral e de Carlos Paredes. “O meu avô sempre foi um admirador incondicional de Carlos Paredes e tentava que eu tocasse. Quando o ouvi pela primeira vez tocar senti o que sinto hoje: é demolidor e inspirador ao mesmo tempo”.
Nem o pai, filho de Fontes Rocha, nem o seu irmão mais novo tocam qualquer instrumento. Os pais adoram música – “a minha mãe adorava um compositor que ainda hoje detesto, Verdi, mas também adorava um compositor que adoro, Debussy” – e Ricardo Rocha trás o assunto à conversa para dizer que “detesta ser obrigado a reconhecer” que o “facto de haver alguém na fanmília que se interesse por música talvez desperte o desejo de ter um contacto próximo” com algum instrumento.
Quando lhe perguntamos como é que continua a tocar não acreditando no futuro do instrumento a que se dedica, Ricardo Rocha começa por dizer que não vislumbra nada, que não sabe sequer se vai continuar, que isso não é uma trajédia – tendo a guitarra em casa pode tocar sempre que lhe apetecer. Depois acrescenta: “A única coisa que vejo, e que é o mais saudável – a única forma de eliminar a decadência, que abomino – é não haver objectivos. As coisas devem ser vistas do ponto de vista histórico e documental”.
É este o olhar do guitarrista, que já tocou com vários músicos (Carlos do Carmo, Maria Ana Bonone, Maria João e Mário Laginha, Pedro Caldeira Cabral, ...), sobre o seu primeiro e único álbum a solo (duplo), “Voluptuária”: o disco é apenas um documento. “Pus a guitarra num campo solista, para tocar a solo é preciso que existam peças e alguém que as faça”. Das 23 do disco, só em apenas cinco é que Rocha é acompanhado por outros músicos e todas foram compostas por si, excepto oito (quatro de Carlos Paredes e quatro de Pedro Caldeira Cabral).
Mostra-se espantado com a atribuição do prémio e com o interesse pela guitarra portuguesa mas tem uma explicação: “Portugal está um bocado deprimido, temos que nos afirmar na União Europeia, tem que se ir buscar alguma coisa para funcionar como um bálsamo para a nossa auto-estima, nem que seja a alheira de Mirandela. Foi buscar-se a guitarra portuguesa”.
Joana Gorjão Henriques
Artigo saído na revista “Pública””
Odeia tocar em público – “fico doente” – e confessa estar arrependido de se ter dedicado à guitarra portuguesa. “É um instrumento que não vai ter futuro, vai estar permanentemente ligado ao que sempre esteve (o fado) e nunca será incluído noutra área musical”, diz.
Ricardo Rocha, 30 anos, diz que Carlos Paredes e Pedro Caldeira Cabral foram os únicos que “puseram a guitarra portuguesa noutro sítio”. O que é “notável” para quem “observa e contempla”, mas nada do que fizeram criou “uma legião de instrumentistas”, que seria “talvez” a única forma da guitarra saltar para outro nível”. E sublinha: “ Tudo o que se faça de inovador na guitarra portuguesa é totalmente em vão ou inglório”.
Não é pessimismo, é realismo, diz. Até porque, “por um lado”, a guitarra “está bem” no lugar onde está e onde sempre esteve – é nesse meio que se move com naturalidade.
Ricardo Rocha reconhecido como um dos mais talentosos guitarristas da sua geração, pegou pela primeira vez numa guitarra quando tinha “três, quatro anos”: “Ainda tenho a fotografia, dá vontade de rir”, lembra. Aos oito começou a aprender, aos 12 “já tocava umas coisitas” mas tocar a sério só por volta dos “17, 18 anos”. A dependência da guitarra apareceu três anos depois de começar a aprender: senti que não conseguia largar o instrumento, não sei se por razões físicas se musicais”.
Cresceu com “uma vergonha inacreditável” de dizer que instrumento tocava: “Na altura, anos 80, havia uma troça enorme em relação a este mundo”, lembra. Não foi por ser artista que Ricardo Rocha nunca socializou muito. “Isso” – o artista isolado na sua torre de marfim – “é uma coisa deprimente, uma coisa lamechas”. Foi porque ele é assim, ponto: “Nunca tive muito jeito para construir amizades. Na escola era uma desgraça, na tropa foi uma coisa inacreditável. Ainda hoje tenho três, quatro pessoas que posso dizer que são amigas”.
Foi o avô, o guitarrista Fontes Rocha, quem lhe deu a formação musical até aos “15, 16 anos”.Ainda chegou a ir para o Conservatório mas só durante um mês. Aos 16 decidiu aprender piano. “Deu-me uma abertura radical em relação à abordagem à guitarra portuguesa. “São dois instrumentos completamente diferentes e as imensas possibilidades do piano – “uma máquina de fazer sons” – tornam inevitável a mudança “da concepção musical que se tem na cabeça”. Foi depois deste contacto com o piano – que diz ter “imensa pena” de “não saber tocar” – que compôs a primeira peça. Diz que é fundamental aprender a técnica da guitarra de Lisboa, de Coimbra, de Pedro Caldeira Cabral e de Carlos Paredes. “O meu avô sempre foi um admirador incondicional de Carlos Paredes e tentava que eu tocasse. Quando o ouvi pela primeira vez tocar senti o que sinto hoje: é demolidor e inspirador ao mesmo tempo”.
Nem o pai, filho de Fontes Rocha, nem o seu irmão mais novo tocam qualquer instrumento. Os pais adoram música – “a minha mãe adorava um compositor que ainda hoje detesto, Verdi, mas também adorava um compositor que adoro, Debussy” – e Ricardo Rocha trás o assunto à conversa para dizer que “detesta ser obrigado a reconhecer” que o “facto de haver alguém na fanmília que se interesse por música talvez desperte o desejo de ter um contacto próximo” com algum instrumento.
Quando lhe perguntamos como é que continua a tocar não acreditando no futuro do instrumento a que se dedica, Ricardo Rocha começa por dizer que não vislumbra nada, que não sabe sequer se vai continuar, que isso não é uma trajédia – tendo a guitarra em casa pode tocar sempre que lhe apetecer. Depois acrescenta: “A única coisa que vejo, e que é o mais saudável – a única forma de eliminar a decadência, que abomino – é não haver objectivos. As coisas devem ser vistas do ponto de vista histórico e documental”.
É este o olhar do guitarrista, que já tocou com vários músicos (Carlos do Carmo, Maria Ana Bonone, Maria João e Mário Laginha, Pedro Caldeira Cabral, ...), sobre o seu primeiro e único álbum a solo (duplo), “Voluptuária”: o disco é apenas um documento. “Pus a guitarra num campo solista, para tocar a solo é preciso que existam peças e alguém que as faça”. Das 23 do disco, só em apenas cinco é que Rocha é acompanhado por outros músicos e todas foram compostas por si, excepto oito (quatro de Carlos Paredes e quatro de Pedro Caldeira Cabral).
Mostra-se espantado com a atribuição do prémio e com o interesse pela guitarra portuguesa mas tem uma explicação: “Portugal está um bocado deprimido, temos que nos afirmar na União Europeia, tem que se ir buscar alguma coisa para funcionar como um bálsamo para a nossa auto-estima, nem que seja a alheira de Mirandela. Foi buscar-se a guitarra portuguesa”.
Joana Gorjão Henriques
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