Paulo Soares enviou-me este poema de seu pai, Jorge de Oliveira Soares, que faz parte de uma grande colecção de poemas de sua autoria e ainda não publicados.
DOIS FADOS
LISBOA: fado vadio,
que anda metido em zaragatas,
bebedeiras e bravatas,
chafurdando nas sarjetas
da miséria social.
Às vezes fala do Rio,
das canoas, do Rossio.
Mas logo perde a razão,
e é de novo rufião
que se mantém da conduta
de uma triste prostituta
nos becos da Mouraria
ou de outro Bairro qualquer,
farrapo em vez de mulher,
que dizem que tem virtude
quando vai na procissão
da Senhora da Saúde.
Gaba-se de a fidalguia
o cantar bem avinhado,
em adultério furtivo,
escuso e fora de portas
no escuro das horas mortas.
E, às vezes, a bebedeira
fazia nascer o fado
de súbita chinfrineira
onde, de qualquer maneira,
rebentava um trinta e um,
num salsifré libertino
que se transformou num hino
como não há mais nenhum.
COIMBRA: canção saudade
de alguém que se encontra ausente,
uma guitarra plangente
ao ritmo da mocidade
e um bater de coração
marcado em cada bordão.
É o amor que se confessa
nos lamentos de um queixume,
é o carinho que se assume
num olhar feito promessa.
Ternuras de Avé-Marias
no pensamento das mães,
rezadas todos os dias.
Por entre arroubos de amor,
lá vem a recordação
desse Minho Encantador,
de uma Moira de Leiria,
da Senhora do Almortão
Devoções de graça plena
dirigidas a Jesus
da Igreja de Santa Cruz
feita de pedra morena.
Serenatas à luz do luar
que se espelha, no Mondego
a murmurar em segredo
ecos meigos de embalar
de alguma canção saudosa
na Sé Velha majestosa
com guitarras a rezar.
Fado, onda de nostalgia
que se imprime na emoção
dos que viveram um dia
esta Coimbra-tradição.
Jorge da Carvalha
<< Home