“Fado de Coimbra” ou Serenata Coimbrã?
Tentativa duma definição
Por Francisco Faria(*)
(transcrição do texto por António Manuel Nunes, em 2002, com vista à respectiva reedição documental na obra "Imagens e Representações da Canção de Coimbra", mediante autorização do autor)
1 – Será muito difícil saber-se ao certo se, nos tempos que correm, são gastas maiores somas com a chamada música séria, no seu conjunto, se com aquele género ligeiro conhecido vulgarmente por CANÇÃO. Mas o que parece evidente é que na rádio e televisão (os meios de comunicação que dominam o consumo da música) o tempo dedicado à canção ultrapassa largamente o ocupado por aquela outra música.
A canção está presente no dia a dia do nosso viver. Quem poderá afirmar que passa um dia sem ouvir, cantar, trautear ou assobiar uma canção? Não será verdade que a maior parte das pessoas, no tempo de vigília, não passam uma única hora sem sofrerem influência duma canção que ouve ou que lhe ressalta do subconsciente?
Enfim, a canção é uma realidade social sempre presente na vida individual e colectiva[1]. E não vale a pena tentarmos desdenhá-la rotulando-a de “arte menor” ou coisa parecida. Neste género como nos outros, há obras menores e obras primas. Mas umas e outras exercem a sua influência, ambas em grau e sentido diversos, todas elas constituem testemunho do estilo de vida do grupo humano em que se divulgaram e permaneceram.
A canção, expressão simples, directa, acessível, penetrante, tem sido tudo: louvor a Deus, confissão de amor recatado, manifestação erótica, grito de revolta, ofensa sarcástica, meio insidioso e eficaz de expansão ideológica; e tem acompanhado as mais variadas situações da vida humana: na convivência alegre como na recordação saudosa da terra distante ou das pessoas de quem dependemos afectivamente, na dureza do trabalho penoso, na raiva da impotência perante a injustiça, no viver isolado, na oração individual ou colectiva.
Resumindo: “A canção está presente em todo o lado, em toda a parte tem resposta para tudo”[2].
Pelo exposto é que a canção constitui um meio privilegiado do conhecimento duma sociedade, duma época. Nenhum testemunho nos poderá elucidar tão perfeitamente sobre o ambiente social dos trovadores como as suas próprias canções: cantando-as agora, revivemos exactamente a vida deles. O mesmo se poderá afirmar das canções dos “goliardos”.
2 – Um dos grupos humanos que, tradicionalmente, tem utilizado canções próprias, são os estudantes, mormente os universitários. A convivência de gente nova, em ambiente desinibido (por sentirem fora da tutela familiar) é exactamente propício a manifestações nas quais a canção prolifera facilmente.
Tais canções ligam-se directamente ao teor da vida estudantil: canções para beber, onde praticam o uso de se juntarem nas “tabernas”[3] para o efeito, canções-hinos de associações onde tradicionalmente se agrupavam daquela forma, etc.[4].
Só conhecemos Coimbra e a sua Universidade em Outubro de 1949. Aqui deparámos com muito poucas canções comunitárias. A única verdadeiramente característica, deste género, era Meu nabo, meu grelo. Fora esta, que se cantava em conjunto?
Muito pouco. Uma vez ou outra, a canção popular Tenho um amor em Viana, com quadras improvisadas por espontâneos em alegre desafio, aos quais respondia o coro Linda morena... morena linda, ou aqueloutra também popular Oh Laurinda, oh Laurinda.
De resto, o estudante universitário não tinha então o hábito de cantar em convívio, apesar da vida gregária feita nas Repúblicas.
Não esqueçamos as cantigas de dança das Fogueiras. Só que estas eram do povo junto do qual o estudante vinha divertir-se um pouco, numa escapadela, a descansar do estudo que, na época era normalmente intenso.
No resto do tempo, o universitário comportava-se como uma classe à parte – classe privilegiada – separado da cidade dos futricas.
Que cantava esta juventude?
3 – É muito antigo o gosto do universitário coimbrão em cantar de noite ao ar livre.
A Universidade tinha sido instalada na cidade mondeguina há bem pouco tempo, quando ao Rei D. João III chegaram queixas sobre tão “escandaloso procedimento”.
Em consequência, o Monarca dirigiu ao Reitor uma carta, em 20 de Junho de 1939, na qual ordenava que o meirinho da Universidade fosse rigoroso para os estudantes dessa Universidade (que) “não guardando o que cumpre ao serviço de Deus e meu, e à honestidade de suas pessoas, andam de noite com armas fazendo músicas e outros autos não muito honestos por essa cidade, do que se segue escândalo aos cidadãos e moradores, e pouca autoridade e honra à Universidade”[5].
Se é certo que este episódio se compreenderá devidamente quando conjugado com outros reveladores da má vontade com que Coimbra recebeu a Universidade, a verdade é que por ele também ficámos a saber que o estudante do século XVI gostava de cantar em passeios nocturnos.
É evidente que a provisão poucos ou nenhuns efeitos práticos causou: os testemunhos da turbulência nocturna daquelas irreverentes juventudes fazem-nos crer que o “escandaloso” procedimento se tornou hábito tradicional, cada vez mais arreigado, até ao ponto de, passados dois séculos, haver grupos de estudantes que “passavam dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas e a fazer versos”. E este estilo de vida era tão conhecido que acontecia de “homens de maior idade, sem professarem mais que a vida de feição e galantes, virem de Lisboa e das províncias passarem o inverno a Coimbra, lojados com os estudantes, na intenção de se divertirem; nunca lhes faltou companhia de jogos, glosar motes, tocar instrumentos, dançar e consumir o tempo na conversação dos equívocos e dos repentes”[6].
Não conhecemos qualquer outro documento de que possa deduzir-se o género de música feita pelos estudantes, quer nas rusgas nocturnas pelas ruas de Coimbra, quer tocando instrumentos nas casas onde se alojavam. Mas o que nos parece impensável era levar tão longe as raízes do chamado “fado de Coimbra”.
4 – Foi numa morna noite outonal de 1949 que me encontrei com esse estranho personagem que me seria apresentado como o nome de “Fado de Coimbra”.
Chegara, de mala às costas, pela tardinha, e instalara-me no 30 da Sé Velha, lá em cima, no último andar, a partilhar do quarto onde um amigo mais velho me acolheu.
Foi ali que, a desconhecidas horas da madrugada, me surpreendeu uma voz de tenor, bem timbrada, clara e livre e me fez entrar no quarto uma melodia, em curvas descendentes e levemente ornamentadas:
Oh! Estrelinha do Norte
‘Spera por mim, que eu já vou!
O meu companheiro de quarto, minhoto como eu, mas já perfeitamente conhecedor do ambiente – era, então, “puto” – elucidou-me: é Fulano (não recordo o nome do cantor) que canta o fado, ali na escada da Sé Velha.
Seguiram-se outras melodias (mais umas duas, talvez) mas nenhuma outra me impressionou tanto como aquela. Reatei o fio do sono tão agradavelmente interrompido.
Desde então, habituei-me àquelas visitas nocturnas. E quando ninguém vinha à Sé Velha fazer o “ite missa est” duma serenata, lá aparecia o Mota (que pela quarta ou quinta vez insistia no primeiro ano de Direito) a recitar poesias, suas ou alheias, para que em cada noite o sono dos moradores daquele Largo não caísse na chateza da monotonia.
Assim conheci o “fado de Coimbra” e, com o progressivo conhecimento de muitas outras melodias, fui elaborando o conceito correspondente àquela designação.
Ao mesmo tempo, ia-me interrogando: mas, porquê chamar a isto fado?
É que, à palavra fado correspondiam, nos arquétipos mentais do meu conhecimento, noções bem diferentes: ou popular dança de roda, com quadras soltas cantadas normalmente em desgarrada; ou a canção de “bas-fond” lisboeta, mais condizente com vozes femininas, normalmente debruçada sobre amores desgraçados, ou exprimindo admiração por atitudes marialvistas de homens que, a cavalo ou a pé sabem lidar toiros, ou ainda aludindo a cenas trágicas em que se enredam marinheiros e outros manejadores da faca com destreza.
A diferença entre os dois géneros musicais é patente e a ela nos vamos agora referir.
5 – Ninguém, melhor que Frederico de Freitas – um dos mais representativos compositores portugueses deste século, há pouco falecido – escreveu sobre o fado (de Lisboa) porque, assim o pensamos, ninguém estudou as suas origens tão profundamente.
O seu último trabalho sobre o assunto foi a comunicação apresentada no Colóquio sobre Música Popular Portuguesa, integrado no I Festival de Música Popular, organizado pelo INATEL em 1979, trabalho que possuímos em policópias distribuídas aos participantes no Colóquio.
É sem qualquer reserva que aderimos à tese que atribui ao fado origem brasileira, já que ela se baseia em factos históricos aos quais não é legítimo opor quaisquer lendas ou suposições. O fado foi, no começo, uma dança um tanto lasciva, com música instrumental, de ritmo sincopado, derivado do ritmo de outra dança afro-brasileira, que é o lundum. Aportada à foz do Tejo, quedou-se pelas casa pouco iluminadas da colina, no ambiente dos bairros onde acorriam os marinheiros, tentando desenjoar dos baloiços marítimos e a quebrar a solidão dos longos dias de viagem. Aí se mudou em canção dolente, testemunho do viver de bem diferenciado grupo humano, expressão adequada dum ambiente social definido. Mais tarde subiu aos salões e ao palco, perdendo nesta nova vida a pouco e pouco, o seu primeiro carácter: deixou de representar um testemunho social para se vulgarizar em canção ligeira, de divertimento, acompanhada à guitarra e à viola, produto comercial de venda a acompanhar comidas e bebidas, servidas em lugares de exploração turística.
Mas o fado, enquanto fado, sempre foi uma canção de ambientes fechados, como que receando as correntes de ar e a liberdade da rua; as respectivas melodias tendem para a expressão duma dolência muito próxima da doença, salvo o fado corrido, ainda muito próximo da dança primitiva que justificou a expressão “bater o fado”; o ritmo, enquadrado no compasso binário, tem uma síncopa no segundo tempo; o acompanhamento é feito, normalmente, apenas com dois acordes – o da tónica e o da dominante – alternados de dois em dois compassos; a canção é do género silábico.
Só já muito recentemente, com a entrada de compositores para o clube dos criadores de fados (Frederico de Freitas foi um deles) é que apareceram as melodias desenvolvidas e as modulações mais ricas.
6 – Ora o fado coimbrão que eu encontrei naquela noite de meados de Outubro de 1949 e com o qual convivi em tantas noites apresentava-se com características bem diferentes, senão até opostas em alguns pormenores.
Desde logo se torna evidente que a Canção Coimbrã é uma música de ar livre, a estiolar em ambientes fechados, nos quais perde força expressiva e significado social, para se tornar canção-espectáculo um tanto adocicada, valendo-lhe, acima de tudo, o seu poder evocativo, para quem conhece o ambiente criador e o pretende reviver. Esta é a expressão lírica do jovem que ama com esperança e, ao mesmo tempo, exibe a sua voz de tenor (então só os tenores cantavam o fado de Coimbra), fazendo-a ouvir ao longe para a receber em ricochete de ondas sonoras e se entusiasmar com o seu próprio canto, sem espectadores e sem aplausos (apenas um simbólico “piscar” de luz através da janela lhe significa que foi ouvido e recebido). O ritmo é agrupado em compassos quaternários, de andamento moderado, frequentemente alongado em suspensões, de preferência nas passagens mais agudas. A guitarra, para além duma curta introdução, quase se limita a acordes harpejados sempre coincidentes com os tempos, sobre os quais a melodia se liberta em curvas bem lançadas, gostosamente ornamentadas com trilhos decorativos e melismas expressivos.
É isso: o “fado de Coimbra” é uma canção terna, docemente saudosista, mas jovem no seu vigor, no idealismo das atitudes, na esperança dum amor realizável que se oferece, ao mesmo tempo espontâneo e elaborado, de melodia bem contornada e, simultâneamente, um pouco rebuscada e, por vezes, patente.
7 – Mas uma das características definidoras deste género musical é a riqueza das suas modulações. É raro encontrar-se um fado coimbrão cuja melodia se sobreponha à simples alternância dos dois acordes da tónica e da dominante[7].
Voltemos ao tal fado que me visitou naquela primeira noite que passei em Coimbra. Logo no princípio, após o primeiro acorde, repetido nos dois primeiros tempos do compasso, atacar-se-á o acorde da sétima dominante nos dois tempos seguintes para, até ao fim da primeira parte, se alternarem os acordes da tónica e da dominante em cada um dos restantes compassos. Ao entrarmos na segunda parte (alumia-me o caminho...) usaremos, sem qualquer preparação, o acorde correspondente à dominante do tom relativo maior do tom inicial (o inicial é do modo menor), durante um compasso, para em seguida irmos ao acorde do 4º grau do tom inicial (também em modo menor) para nos dois últimos compassos alternarmos os acordes do mesmo modo que fizemos nos últimos compassos da primeira parte[8].
Estas modulações exigem muito de quem acompanha, quer à guitarra, quer à viola.
Mas outros há ainda mais complicados.
Recordemos aquele fado O Sol anda Lá no Céu (Fui ao Mondego lavar) que, tanto no princípio da primeira parte, como no fim da segunda, quando vai ao acorde da subdominante bemoliza a terceira, criando uma oscilação entre a tonalidade maior e a menor, semelhante à cadência picarda[9].
Outra curiosa modulação pode ser observada no tão conhecido Fado de Santa Cruz (Igreja de Santa Cruz): logo no segundo acorde (coincidindo com o 3º tempo do 1º compasso) passa-se repentinamente do acorde de tónica (modo maior) para o da dominante do tom menor correspondente ao segundo grau do tom inicial, sensibilizando a tónica (1º grau) com que se começou o acompanhamento, e seguem-se as modulações mais variadas[10].
E as surpresas aumentam ao encontrarmos as progressões harmónicas que é necessário fazer para se acompanhar devidamente o célebre Menina e Moça (Coimbra Menina e Moça), o elegante Fado dos Busos (São tão lindos os teus olhos) e o nostálgico Contos Velhinhos.
Enfim, quer pelo gosto e riqueza das modulações, quer pela supremacia da melodia sobre a parte instrumental, quer pela variedade rítmica, nada aponta uma origem, para o Fado de Coimbra, coincidente com a do Fado de Lisboa, ou seja, do FADO, tout court. Na serenata de Coimbra não vislumbramos qualquer antecedência da dança.
8 – Já lhe chamámos serenata em vez de fado e fizemo-lo propositadamente para melhor o situarmos entre os vários géneros musicais.
Consultando, por exemplo, o Dicionário da Música de Marc Honegger[11], encontaremos a seguinte noção de serenata: “Composição vocal – acompanhada por um ou mais instrumentos – ou puramente instrumental, destinada a ser executada ao ar livre, durante a noite, sob as janelas duma pessoa que se pretende seduzir ou honrar”.
Ora, pelo que todos conhecemos, é bem evidente a aplicabilidade perfeita daquela noção ao que se tem chamado “fado de Coimbra”.
Este costume de se fazer música para ser cantada, de noite, ao pé da janela da mulher que se ama é muito antigo – vem, pelo menos, do tempo dos trovadores e dos Minnesanger e tem sido ocasião para ser criada música de qualidade bem diversa: aristocrática ou popular, complicada na utilização de verdadeiras orquestras ou simples melodia sobre texto amoroso.
Se, na origem, era simples melodia acompanhada por alaúde ou viola clássica, no séc. XVI tornou-se canção polifónica e foi sendo moldada ao gosto dominante em cada época. No século XVII o alaúde deu lugar ao bandolim (que, entre nós se transformou levemente em relação ao original italiano, quanto à forma do fundo – o bandolim português tem o fundo chato) instrumento cujo emprego se generalizou na Europa, principalmente na Itália, França e Alemanha, no século XVIII, passando a ser, nestes países, o instrumento favorito dos músicos que se dedicam às serenatas[12]. Esta divulgação do bandolim é bem testemunhada pelo facto de Mozart o utilizar, na ópera D. João, exactamente como instrumento acompanhador duma serenata.
As melodias deste género musical acabaram por sofrer influência da ária de ópera e, com esta nova feição, se vulgarizaram no século XIX[13]. É desta simbiose de música séria com música ligeira, de erudito com popular que resulta certa música típica cujo exemplo mais frisante é o das “canções napolitanas”.
Trata-se de um género musical híbrido formado no decurso do século XIX. Será exactamente nele que, a nosso ver, se enquadra a serenata coimbrã, tanto pelas suas características melódicas (recordemos o aparato de algumas melodias) como pelas características harmónicas já referidas.
9 – Na busca que fizemos, durante bastante tempo, com o fito de encontrarmos a génese do fado de Coimbra, chamou-nos a atenção de modo especial um caderno de música escrito à mão e encadernado, com sinais evidentes de ter sido muito utilizado, que existe na Secção dos Manuscritos Musicais da Biblioteca da Universidade de Coimbra, ainda por catalogar. Eis os primeiros dizeres: “Caderno de Múzica. Piano e canto. J. D. C.”.
Este caderno começou a ser escrito em 1862, segundo parece por um Costa Vasconcelos Delgado (o autor das primeiras músicas ali registadas) e em 1927 pertencia a Tomaz da Costa Paiva, do Coentral.
O facto de nele estar copiado, com a data de 7/12/62 o conhecido Hino Académico que fora composto em 1851, exactamente para a Academia Coimbrã, legitima a nossa suposição de que as obras ali recolhidas eram cantadas e tocadas em ambientes frequentados por estudantes daquela época.
Um dos géneros musicais ali representados é o da modinha – “romança ou ária sentimental de fundo amoroso muito vulgarizada em todo o país e no Brasil pelos séculos XVIII e XIX”, na definição de Frederico de Freitas.
Sucede que um dos cultores daquele género sentimental foi o lente José Maurício (1752-1815) que, entre outras coisas, foi professor da Cadeira de Música da Universidade de Coimbra e tinha o bom hábito de reunir em sua casa amadores para executar música, em saraus que tiveram grande fama na cidade.
Sobre a possível ligação entre a modinha e a serenata, já em 1895 se pronunciou César das Neves, no preâmbulo do II Volume do Cancioneiro. Pretendendo agrupar os cantos por diversas “classes”, coloca numa delas “os cantos marítimos, fados e cantigas eróticas”, e numa outra “as modinhas, as canções e as serenatas”. Referindo-se expressamente às modinhas, diz que elas “faziam as delícias nos serões das famílias mais ilustres” no fim do século XVIII e princípios do século XIX.
Continuando a historiar a evolução da música nos salões oitocentistas, diz que “vem depois João de lemos e os Dórias com os seus fados e baladas, e as inúmeras romanzas brasileiras”, para destacar, finalmente, o aparecimento de Augusto Hilário “com os seus fados-serenatas de uma contextura nova”, cuja nota dominante reside na riqueza das modulações, na emotividade, “ora apaixonada e sensual, ora patética e romântica”.
Este testemunho de César das Neves afoita-nos a afirmar aquilo que já tínhamos deduzido do estudo comparado dalgumas modinhas com as baladas integradas nas récitas estudantis do fim do século passado e com o fado-serenata (parece ser esta a mais correcta designação para o que se vai chamando fado de Coimbra): a modinha deixa o piano para se agarrar à viola; sai dos salões, despojando-se de arrebiques poeirentos; vem para a rua onde se refresca, simplifica e torna expansiva; é assumida pela virilidade da voz masculina; por fim, chama a guitarra, deixa-se influenciar um pouco pelo fado lisboeta – transforma-se no “Fado de Coimbra”.
No Caderno de Muzica acima referido há modinhas com as duas versões: acompanhamento de piano e acompanhamento de viola. Uma delas, intitulada Adeus. Modinha para canto e violão, Dedico a minha mulher Mariana Augusta de Paiva e Vasconcelos é de Março de 1863, pode considerar-se o elo de ligação entre a modinha e o fado-serenata. De modinha ainda tem alguns grupetos em vocalizos.
Mas, de resto, o gosto melódico, bem como a sequência das modulações aproximam-na do que há-de ser o fado-serenata.
A partir daqui, outros elementos foram condimentar o género que foi assumido pelos estudantes da Universidade de Coimbra como canção própria, como símbolo do seu romantismo.
Comparando os primeiros exemplares com os mais evoluídos, dos anos 20, verificamos uma nítida influência da música erudita cantada pelo Orfeão Académico (e não esqueçamos que tanto Elias de Aguiar, como António Joyce, como Raposo Marques se interessaram por este tipo de canção).
Por outro lado, ao analisarmos os fados do Hilário, neles encontramos ainda o ritmo que caracterizou o fado lisboeta (com síncopa no segundo tempo do compasso binário). É este, também, o ritmo do “fado-serenata” de Manuel Luís Ferreira Tavares, impresso em 1901, como o fado composto por Alfredo de Sá para o Enterro do Grau de 1905, e do que Luís Pinto de Albuquerque apresentara na récita de 1904.
Mais tarde, com Paulo de Sá, Carlos Figueiredo e António Menano, é abandonado o compasso binário, em favor do quaternário. Então aquele ritmo sincopado ainda se mantém nos dois últimos tempos do compasso mas, dum modo tão disfarçado que só com muita atenção se pode detectar.
E este é, a nosso ver, o único elemento que o chamado Fado de Coimbra recebeu do fado que é mesmo fado – o de Lisboa.
10 – Uma nota final.
Conhecemos a profusão de edições de “fados de Coimbra” que, a certa altura foram feitas. De tão grande número de edições teremos de concluir que ele chegou a ser negócio rendoso e bem de consumo ingerido em doses razoáveis nos salões de gente rica ou remediada de todo o país.
Mas quando aportei a esta cidade para nela estudar e depois me fixar para o resto da minha vida (serei daqueles que vieram para amar Coimbra... às vezes nem sei bem porquê) vi o fado doutra maneira: ele era nosso, mesmo quando não o cantávamos; aprendia-se ouvindo e não lendo; este não tinha autor – só tinha cantor.
Numa palavra: fora assumido por um determinado grupo humano. Daí o seu valor como testemunho duma época, dum modo de viver e sentir. Pode considerar-se como uma música típica.
E, pelo que acaba de ser exposto, cai-lhe mal o rótulo de fado – não pertence ao género poético-musical designado por aquele nome.
Nem sequer nos parece que haja razão para o classificar como uma espécie do género Fado: aquele elemento rítmico até acabou por desaparecer e nunca teve aqui o significado e importância que assumiu no Fado. De resto, que fica de comum?
Apenas os instrumentos acompanhadores[14].
Chamemos-lhe, pura e simplesmente, Serenatas Coimbrãs. É correcto e corresponde à realidade.
(*) Comunicação apresentada ao III Seminário do Fado de Coimbra, realizado em Maio de 1980. Francisco Faria nasceu em Vila Nova de Famalicão a 16 de Outubro de 1926. Matriculou-se em Direito em Outubro de 1949. Músico, regente de grupos corais e advogado. Dirigiu o Coral de Estudantes de Letras da Universidade de Coimbra (CELUC), o Coral Polifónico de Coimbra e o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra. Foi titular da Cadeira de Música da Universidade. Integrou durante anos a Comissão Municipal de Análise dos Grupos Folclóricos do Concelho de Coimbra.
O título da palestra foi sugerido ao autor após leitura crítica de um parágrafo esboçado pelo musicólogo Armando Leça em 1918 (Cf. Armando Leça, Da música portuguesa, 2ª edição, Porto, Livraria Civilização, 1942, pág. 48. A 1ª edição desta obra é de 1922, e a frase em questão aparece primeiramente glosada por José Maciel Ribeiro Fortes, Fado. Ensaio sobre um problema etnográfico-folclórico, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926, pág. 171; também Armando Leça, Música popular portuguesa, 2ª edição, Porto, Editorial Domingos Barreira, s/d, pág. 123). Ao reconhecer à Canção de Coimbra o devido lugar enquanto género musical autónomo, Francisco Faria retomava, embora desconhecendo tal facto, a teoria expressa por Mário de Sampayo Ribeiro em 1935-1936 (Cf. A música em Portugal nos séculos XVIII e XIX, 1938, pág. 118).
Pertinente nas perplexidades formuladas e no tratamento da questão de fundo, não procede inteiramente a proposta nominalista Serenata Coimbrã, tendo em conta que a Canção de Coimbra se afigura irredutível ao ritual da serenata e aos temas musicais intitulados serenatas.
[1] Como escreveu Charles Imbert, in Histoire de la chanson e de l’opèrrette, Les Éditions Rencontre Lausanne et la Guilde du Disque, 1967, págs. 9-10: Podemos viver meses sem ver uma pintura, sem ouvir uma sinfonia ou sem ir ao teatro nem ler um romance, mas não passamos um dia sem ouvir uma canção, seja cantando-a nós próprios, seja ouvindo assobiar uma melodia, e isto era assim mesmo antes de haver televisão e rádio.
[2] Charles Iambert, op. cit., pág. 10.
[3] É um ambiente deste género que é evocado por Berlioz na Danação de Fausto. A música é o Amen que se transformou quase em símbolo do Orfeão Académico de Coimbra.
[4] Ainda há pouco deparámos, num livro sobre a cidade de Nancy, com a reprodução de um programa impresso para um concerto de estudantes, sob o título Soirée Amicale, cuja última parte é preenchida com canções de estudantes. Este concerto realizou-se em 14 de Maio de 1987 e o programa tem duas notas dignas de realce: a primeira diz respeito às canções de estudantes, a propósito das quais se esclarece que as cantadas naquele concerto são extraídas do álbum Quand j’étais étudiant. Vieux souvenirs: a outra respeita à ilustração do programa que apresenta três estudantes (um toca flauta, outro guitarra clássica e outro tamboril) fazendo uma serenata a três graciosas mocinhas. Se abstrairmos do trajo dos estudantes, esta gravura poderia ter ornamentado qualquer récita coimbrã da mesma época.
[5] In Documentos de D. João III, publicados por Mário Brandão, I Vol., Coimbra, 1937, pág. 153.
[6] É este o testemunho de Ribeiro Sanches (1600-1783), citado por Teófilo Braga in História da Universidade de Coimbra, Tomo III, pág. 184.
[7] Para dar uma ideia do que são estes acordes, esclarece-se que eles correspondem, na viola, às duas primeiras posições: a primeira corresponde ao acorde da tónica, enquanto a segunda corresponde ao da dominante.
[8] Em linguagem guitarrística, e optando pelo tom de lá menor, a sequência é a seguinte: 1ª de lá menor – 4ª de lá menor/1ª de lá menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor/1ª de sol maior/1ª de ré menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor.
[9] Esclarece-se que o efeito é semelhante ao da cadência picarda mas é diferente: a cadência picarda é própria dum trecho que está escrito em modo menor e, no final, resolve para o maior, subindo em meio tom a terceira do acorde, enquanto neste caso, o trecho está em modo maior. Só que a sucessão de acordes é exactamente a mesma.
[10] A sucessão de modulações deste fado é muito rica: 1ª de dó maior – 2ª de ré menor/1ª de ré menor/1ª de ré menor/ - 2ª de dó maior/1ª de dó maior/.
[11] Science de la Musique, Paris, Bordas, 1976.
[12] Isto de fazer serenatas foi, por vezes, profissão de músicos pobres que não encontraram meios de se realizarem doutra forma, e muito boa gente a exerceu. Talvez o caso mais célebre tenha sido o de Joseph Haydn (1732-1809) que ao perder a maravilhosa voz de criança, aos 16 anos, se viu sem meios de subsistência, uma vez que nem aceitou ser castrado nem seguir a carreira eclesiástica: fez muitas serenatas pelas ruas de Viena e música de dança nos salões próprios, até conseguir o emprego de colaborador de Porpora.
[13] De resto, são inúmeros os casos em que foram encastoadas serenatas em cenas de ópera. Recordemos, além da já referida, no D. João de Mozart, algumas das mais célebres: Berlioz (na Danação de Fausto), Wagner (nos Mestres Cantores), Leoncavallo (nos Palhaços).
[14] Embora nesses instrumentos se verifiquem anatomias, timbres, afinações e técnicas de dedilho bem diferenciadas.
Tentativa duma definição
Por Francisco Faria(*)
(transcrição do texto por António Manuel Nunes, em 2002, com vista à respectiva reedição documental na obra "Imagens e Representações da Canção de Coimbra", mediante autorização do autor)
1 – Será muito difícil saber-se ao certo se, nos tempos que correm, são gastas maiores somas com a chamada música séria, no seu conjunto, se com aquele género ligeiro conhecido vulgarmente por CANÇÃO. Mas o que parece evidente é que na rádio e televisão (os meios de comunicação que dominam o consumo da música) o tempo dedicado à canção ultrapassa largamente o ocupado por aquela outra música.
A canção está presente no dia a dia do nosso viver. Quem poderá afirmar que passa um dia sem ouvir, cantar, trautear ou assobiar uma canção? Não será verdade que a maior parte das pessoas, no tempo de vigília, não passam uma única hora sem sofrerem influência duma canção que ouve ou que lhe ressalta do subconsciente?
Enfim, a canção é uma realidade social sempre presente na vida individual e colectiva[1]. E não vale a pena tentarmos desdenhá-la rotulando-a de “arte menor” ou coisa parecida. Neste género como nos outros, há obras menores e obras primas. Mas umas e outras exercem a sua influência, ambas em grau e sentido diversos, todas elas constituem testemunho do estilo de vida do grupo humano em que se divulgaram e permaneceram.
A canção, expressão simples, directa, acessível, penetrante, tem sido tudo: louvor a Deus, confissão de amor recatado, manifestação erótica, grito de revolta, ofensa sarcástica, meio insidioso e eficaz de expansão ideológica; e tem acompanhado as mais variadas situações da vida humana: na convivência alegre como na recordação saudosa da terra distante ou das pessoas de quem dependemos afectivamente, na dureza do trabalho penoso, na raiva da impotência perante a injustiça, no viver isolado, na oração individual ou colectiva.
Resumindo: “A canção está presente em todo o lado, em toda a parte tem resposta para tudo”[2].
Pelo exposto é que a canção constitui um meio privilegiado do conhecimento duma sociedade, duma época. Nenhum testemunho nos poderá elucidar tão perfeitamente sobre o ambiente social dos trovadores como as suas próprias canções: cantando-as agora, revivemos exactamente a vida deles. O mesmo se poderá afirmar das canções dos “goliardos”.
2 – Um dos grupos humanos que, tradicionalmente, tem utilizado canções próprias, são os estudantes, mormente os universitários. A convivência de gente nova, em ambiente desinibido (por sentirem fora da tutela familiar) é exactamente propício a manifestações nas quais a canção prolifera facilmente.
Tais canções ligam-se directamente ao teor da vida estudantil: canções para beber, onde praticam o uso de se juntarem nas “tabernas”[3] para o efeito, canções-hinos de associações onde tradicionalmente se agrupavam daquela forma, etc.[4].
Só conhecemos Coimbra e a sua Universidade em Outubro de 1949. Aqui deparámos com muito poucas canções comunitárias. A única verdadeiramente característica, deste género, era Meu nabo, meu grelo. Fora esta, que se cantava em conjunto?
Muito pouco. Uma vez ou outra, a canção popular Tenho um amor em Viana, com quadras improvisadas por espontâneos em alegre desafio, aos quais respondia o coro Linda morena... morena linda, ou aqueloutra também popular Oh Laurinda, oh Laurinda.
De resto, o estudante universitário não tinha então o hábito de cantar em convívio, apesar da vida gregária feita nas Repúblicas.
Não esqueçamos as cantigas de dança das Fogueiras. Só que estas eram do povo junto do qual o estudante vinha divertir-se um pouco, numa escapadela, a descansar do estudo que, na época era normalmente intenso.
No resto do tempo, o universitário comportava-se como uma classe à parte – classe privilegiada – separado da cidade dos futricas.
Que cantava esta juventude?
3 – É muito antigo o gosto do universitário coimbrão em cantar de noite ao ar livre.
A Universidade tinha sido instalada na cidade mondeguina há bem pouco tempo, quando ao Rei D. João III chegaram queixas sobre tão “escandaloso procedimento”.
Em consequência, o Monarca dirigiu ao Reitor uma carta, em 20 de Junho de 1939, na qual ordenava que o meirinho da Universidade fosse rigoroso para os estudantes dessa Universidade (que) “não guardando o que cumpre ao serviço de Deus e meu, e à honestidade de suas pessoas, andam de noite com armas fazendo músicas e outros autos não muito honestos por essa cidade, do que se segue escândalo aos cidadãos e moradores, e pouca autoridade e honra à Universidade”[5].
Se é certo que este episódio se compreenderá devidamente quando conjugado com outros reveladores da má vontade com que Coimbra recebeu a Universidade, a verdade é que por ele também ficámos a saber que o estudante do século XVI gostava de cantar em passeios nocturnos.
É evidente que a provisão poucos ou nenhuns efeitos práticos causou: os testemunhos da turbulência nocturna daquelas irreverentes juventudes fazem-nos crer que o “escandaloso” procedimento se tornou hábito tradicional, cada vez mais arreigado, até ao ponto de, passados dois séculos, haver grupos de estudantes que “passavam dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas e a fazer versos”. E este estilo de vida era tão conhecido que acontecia de “homens de maior idade, sem professarem mais que a vida de feição e galantes, virem de Lisboa e das províncias passarem o inverno a Coimbra, lojados com os estudantes, na intenção de se divertirem; nunca lhes faltou companhia de jogos, glosar motes, tocar instrumentos, dançar e consumir o tempo na conversação dos equívocos e dos repentes”[6].
Não conhecemos qualquer outro documento de que possa deduzir-se o género de música feita pelos estudantes, quer nas rusgas nocturnas pelas ruas de Coimbra, quer tocando instrumentos nas casas onde se alojavam. Mas o que nos parece impensável era levar tão longe as raízes do chamado “fado de Coimbra”.
4 – Foi numa morna noite outonal de 1949 que me encontrei com esse estranho personagem que me seria apresentado como o nome de “Fado de Coimbra”.
Chegara, de mala às costas, pela tardinha, e instalara-me no 30 da Sé Velha, lá em cima, no último andar, a partilhar do quarto onde um amigo mais velho me acolheu.
Foi ali que, a desconhecidas horas da madrugada, me surpreendeu uma voz de tenor, bem timbrada, clara e livre e me fez entrar no quarto uma melodia, em curvas descendentes e levemente ornamentadas:
Oh! Estrelinha do Norte
‘Spera por mim, que eu já vou!
O meu companheiro de quarto, minhoto como eu, mas já perfeitamente conhecedor do ambiente – era, então, “puto” – elucidou-me: é Fulano (não recordo o nome do cantor) que canta o fado, ali na escada da Sé Velha.
Seguiram-se outras melodias (mais umas duas, talvez) mas nenhuma outra me impressionou tanto como aquela. Reatei o fio do sono tão agradavelmente interrompido.
Desde então, habituei-me àquelas visitas nocturnas. E quando ninguém vinha à Sé Velha fazer o “ite missa est” duma serenata, lá aparecia o Mota (que pela quarta ou quinta vez insistia no primeiro ano de Direito) a recitar poesias, suas ou alheias, para que em cada noite o sono dos moradores daquele Largo não caísse na chateza da monotonia.
Assim conheci o “fado de Coimbra” e, com o progressivo conhecimento de muitas outras melodias, fui elaborando o conceito correspondente àquela designação.
Ao mesmo tempo, ia-me interrogando: mas, porquê chamar a isto fado?
É que, à palavra fado correspondiam, nos arquétipos mentais do meu conhecimento, noções bem diferentes: ou popular dança de roda, com quadras soltas cantadas normalmente em desgarrada; ou a canção de “bas-fond” lisboeta, mais condizente com vozes femininas, normalmente debruçada sobre amores desgraçados, ou exprimindo admiração por atitudes marialvistas de homens que, a cavalo ou a pé sabem lidar toiros, ou ainda aludindo a cenas trágicas em que se enredam marinheiros e outros manejadores da faca com destreza.
A diferença entre os dois géneros musicais é patente e a ela nos vamos agora referir.
5 – Ninguém, melhor que Frederico de Freitas – um dos mais representativos compositores portugueses deste século, há pouco falecido – escreveu sobre o fado (de Lisboa) porque, assim o pensamos, ninguém estudou as suas origens tão profundamente.
O seu último trabalho sobre o assunto foi a comunicação apresentada no Colóquio sobre Música Popular Portuguesa, integrado no I Festival de Música Popular, organizado pelo INATEL em 1979, trabalho que possuímos em policópias distribuídas aos participantes no Colóquio.
É sem qualquer reserva que aderimos à tese que atribui ao fado origem brasileira, já que ela se baseia em factos históricos aos quais não é legítimo opor quaisquer lendas ou suposições. O fado foi, no começo, uma dança um tanto lasciva, com música instrumental, de ritmo sincopado, derivado do ritmo de outra dança afro-brasileira, que é o lundum. Aportada à foz do Tejo, quedou-se pelas casa pouco iluminadas da colina, no ambiente dos bairros onde acorriam os marinheiros, tentando desenjoar dos baloiços marítimos e a quebrar a solidão dos longos dias de viagem. Aí se mudou em canção dolente, testemunho do viver de bem diferenciado grupo humano, expressão adequada dum ambiente social definido. Mais tarde subiu aos salões e ao palco, perdendo nesta nova vida a pouco e pouco, o seu primeiro carácter: deixou de representar um testemunho social para se vulgarizar em canção ligeira, de divertimento, acompanhada à guitarra e à viola, produto comercial de venda a acompanhar comidas e bebidas, servidas em lugares de exploração turística.
Mas o fado, enquanto fado, sempre foi uma canção de ambientes fechados, como que receando as correntes de ar e a liberdade da rua; as respectivas melodias tendem para a expressão duma dolência muito próxima da doença, salvo o fado corrido, ainda muito próximo da dança primitiva que justificou a expressão “bater o fado”; o ritmo, enquadrado no compasso binário, tem uma síncopa no segundo tempo; o acompanhamento é feito, normalmente, apenas com dois acordes – o da tónica e o da dominante – alternados de dois em dois compassos; a canção é do género silábico.
Só já muito recentemente, com a entrada de compositores para o clube dos criadores de fados (Frederico de Freitas foi um deles) é que apareceram as melodias desenvolvidas e as modulações mais ricas.
6 – Ora o fado coimbrão que eu encontrei naquela noite de meados de Outubro de 1949 e com o qual convivi em tantas noites apresentava-se com características bem diferentes, senão até opostas em alguns pormenores.
Desde logo se torna evidente que a Canção Coimbrã é uma música de ar livre, a estiolar em ambientes fechados, nos quais perde força expressiva e significado social, para se tornar canção-espectáculo um tanto adocicada, valendo-lhe, acima de tudo, o seu poder evocativo, para quem conhece o ambiente criador e o pretende reviver. Esta é a expressão lírica do jovem que ama com esperança e, ao mesmo tempo, exibe a sua voz de tenor (então só os tenores cantavam o fado de Coimbra), fazendo-a ouvir ao longe para a receber em ricochete de ondas sonoras e se entusiasmar com o seu próprio canto, sem espectadores e sem aplausos (apenas um simbólico “piscar” de luz através da janela lhe significa que foi ouvido e recebido). O ritmo é agrupado em compassos quaternários, de andamento moderado, frequentemente alongado em suspensões, de preferência nas passagens mais agudas. A guitarra, para além duma curta introdução, quase se limita a acordes harpejados sempre coincidentes com os tempos, sobre os quais a melodia se liberta em curvas bem lançadas, gostosamente ornamentadas com trilhos decorativos e melismas expressivos.
É isso: o “fado de Coimbra” é uma canção terna, docemente saudosista, mas jovem no seu vigor, no idealismo das atitudes, na esperança dum amor realizável que se oferece, ao mesmo tempo espontâneo e elaborado, de melodia bem contornada e, simultâneamente, um pouco rebuscada e, por vezes, patente.
7 – Mas uma das características definidoras deste género musical é a riqueza das suas modulações. É raro encontrar-se um fado coimbrão cuja melodia se sobreponha à simples alternância dos dois acordes da tónica e da dominante[7].
Voltemos ao tal fado que me visitou naquela primeira noite que passei em Coimbra. Logo no princípio, após o primeiro acorde, repetido nos dois primeiros tempos do compasso, atacar-se-á o acorde da sétima dominante nos dois tempos seguintes para, até ao fim da primeira parte, se alternarem os acordes da tónica e da dominante em cada um dos restantes compassos. Ao entrarmos na segunda parte (alumia-me o caminho...) usaremos, sem qualquer preparação, o acorde correspondente à dominante do tom relativo maior do tom inicial (o inicial é do modo menor), durante um compasso, para em seguida irmos ao acorde do 4º grau do tom inicial (também em modo menor) para nos dois últimos compassos alternarmos os acordes do mesmo modo que fizemos nos últimos compassos da primeira parte[8].
Estas modulações exigem muito de quem acompanha, quer à guitarra, quer à viola.
Mas outros há ainda mais complicados.
Recordemos aquele fado O Sol anda Lá no Céu (Fui ao Mondego lavar) que, tanto no princípio da primeira parte, como no fim da segunda, quando vai ao acorde da subdominante bemoliza a terceira, criando uma oscilação entre a tonalidade maior e a menor, semelhante à cadência picarda[9].
Outra curiosa modulação pode ser observada no tão conhecido Fado de Santa Cruz (Igreja de Santa Cruz): logo no segundo acorde (coincidindo com o 3º tempo do 1º compasso) passa-se repentinamente do acorde de tónica (modo maior) para o da dominante do tom menor correspondente ao segundo grau do tom inicial, sensibilizando a tónica (1º grau) com que se começou o acompanhamento, e seguem-se as modulações mais variadas[10].
E as surpresas aumentam ao encontrarmos as progressões harmónicas que é necessário fazer para se acompanhar devidamente o célebre Menina e Moça (Coimbra Menina e Moça), o elegante Fado dos Busos (São tão lindos os teus olhos) e o nostálgico Contos Velhinhos.
Enfim, quer pelo gosto e riqueza das modulações, quer pela supremacia da melodia sobre a parte instrumental, quer pela variedade rítmica, nada aponta uma origem, para o Fado de Coimbra, coincidente com a do Fado de Lisboa, ou seja, do FADO, tout court. Na serenata de Coimbra não vislumbramos qualquer antecedência da dança.
8 – Já lhe chamámos serenata em vez de fado e fizemo-lo propositadamente para melhor o situarmos entre os vários géneros musicais.
Consultando, por exemplo, o Dicionário da Música de Marc Honegger[11], encontaremos a seguinte noção de serenata: “Composição vocal – acompanhada por um ou mais instrumentos – ou puramente instrumental, destinada a ser executada ao ar livre, durante a noite, sob as janelas duma pessoa que se pretende seduzir ou honrar”.
Ora, pelo que todos conhecemos, é bem evidente a aplicabilidade perfeita daquela noção ao que se tem chamado “fado de Coimbra”.
Este costume de se fazer música para ser cantada, de noite, ao pé da janela da mulher que se ama é muito antigo – vem, pelo menos, do tempo dos trovadores e dos Minnesanger e tem sido ocasião para ser criada música de qualidade bem diversa: aristocrática ou popular, complicada na utilização de verdadeiras orquestras ou simples melodia sobre texto amoroso.
Se, na origem, era simples melodia acompanhada por alaúde ou viola clássica, no séc. XVI tornou-se canção polifónica e foi sendo moldada ao gosto dominante em cada época. No século XVII o alaúde deu lugar ao bandolim (que, entre nós se transformou levemente em relação ao original italiano, quanto à forma do fundo – o bandolim português tem o fundo chato) instrumento cujo emprego se generalizou na Europa, principalmente na Itália, França e Alemanha, no século XVIII, passando a ser, nestes países, o instrumento favorito dos músicos que se dedicam às serenatas[12]. Esta divulgação do bandolim é bem testemunhada pelo facto de Mozart o utilizar, na ópera D. João, exactamente como instrumento acompanhador duma serenata.
As melodias deste género musical acabaram por sofrer influência da ária de ópera e, com esta nova feição, se vulgarizaram no século XIX[13]. É desta simbiose de música séria com música ligeira, de erudito com popular que resulta certa música típica cujo exemplo mais frisante é o das “canções napolitanas”.
Trata-se de um género musical híbrido formado no decurso do século XIX. Será exactamente nele que, a nosso ver, se enquadra a serenata coimbrã, tanto pelas suas características melódicas (recordemos o aparato de algumas melodias) como pelas características harmónicas já referidas.
9 – Na busca que fizemos, durante bastante tempo, com o fito de encontrarmos a génese do fado de Coimbra, chamou-nos a atenção de modo especial um caderno de música escrito à mão e encadernado, com sinais evidentes de ter sido muito utilizado, que existe na Secção dos Manuscritos Musicais da Biblioteca da Universidade de Coimbra, ainda por catalogar. Eis os primeiros dizeres: “Caderno de Múzica. Piano e canto. J. D. C.”.
Este caderno começou a ser escrito em 1862, segundo parece por um Costa Vasconcelos Delgado (o autor das primeiras músicas ali registadas) e em 1927 pertencia a Tomaz da Costa Paiva, do Coentral.
O facto de nele estar copiado, com a data de 7/12/62 o conhecido Hino Académico que fora composto em 1851, exactamente para a Academia Coimbrã, legitima a nossa suposição de que as obras ali recolhidas eram cantadas e tocadas em ambientes frequentados por estudantes daquela época.
Um dos géneros musicais ali representados é o da modinha – “romança ou ária sentimental de fundo amoroso muito vulgarizada em todo o país e no Brasil pelos séculos XVIII e XIX”, na definição de Frederico de Freitas.
Sucede que um dos cultores daquele género sentimental foi o lente José Maurício (1752-1815) que, entre outras coisas, foi professor da Cadeira de Música da Universidade de Coimbra e tinha o bom hábito de reunir em sua casa amadores para executar música, em saraus que tiveram grande fama na cidade.
Sobre a possível ligação entre a modinha e a serenata, já em 1895 se pronunciou César das Neves, no preâmbulo do II Volume do Cancioneiro. Pretendendo agrupar os cantos por diversas “classes”, coloca numa delas “os cantos marítimos, fados e cantigas eróticas”, e numa outra “as modinhas, as canções e as serenatas”. Referindo-se expressamente às modinhas, diz que elas “faziam as delícias nos serões das famílias mais ilustres” no fim do século XVIII e princípios do século XIX.
Continuando a historiar a evolução da música nos salões oitocentistas, diz que “vem depois João de lemos e os Dórias com os seus fados e baladas, e as inúmeras romanzas brasileiras”, para destacar, finalmente, o aparecimento de Augusto Hilário “com os seus fados-serenatas de uma contextura nova”, cuja nota dominante reside na riqueza das modulações, na emotividade, “ora apaixonada e sensual, ora patética e romântica”.
Este testemunho de César das Neves afoita-nos a afirmar aquilo que já tínhamos deduzido do estudo comparado dalgumas modinhas com as baladas integradas nas récitas estudantis do fim do século passado e com o fado-serenata (parece ser esta a mais correcta designação para o que se vai chamando fado de Coimbra): a modinha deixa o piano para se agarrar à viola; sai dos salões, despojando-se de arrebiques poeirentos; vem para a rua onde se refresca, simplifica e torna expansiva; é assumida pela virilidade da voz masculina; por fim, chama a guitarra, deixa-se influenciar um pouco pelo fado lisboeta – transforma-se no “Fado de Coimbra”.
No Caderno de Muzica acima referido há modinhas com as duas versões: acompanhamento de piano e acompanhamento de viola. Uma delas, intitulada Adeus. Modinha para canto e violão, Dedico a minha mulher Mariana Augusta de Paiva e Vasconcelos é de Março de 1863, pode considerar-se o elo de ligação entre a modinha e o fado-serenata. De modinha ainda tem alguns grupetos em vocalizos.
Mas, de resto, o gosto melódico, bem como a sequência das modulações aproximam-na do que há-de ser o fado-serenata.
A partir daqui, outros elementos foram condimentar o género que foi assumido pelos estudantes da Universidade de Coimbra como canção própria, como símbolo do seu romantismo.
Comparando os primeiros exemplares com os mais evoluídos, dos anos 20, verificamos uma nítida influência da música erudita cantada pelo Orfeão Académico (e não esqueçamos que tanto Elias de Aguiar, como António Joyce, como Raposo Marques se interessaram por este tipo de canção).
Por outro lado, ao analisarmos os fados do Hilário, neles encontramos ainda o ritmo que caracterizou o fado lisboeta (com síncopa no segundo tempo do compasso binário). É este, também, o ritmo do “fado-serenata” de Manuel Luís Ferreira Tavares, impresso em 1901, como o fado composto por Alfredo de Sá para o Enterro do Grau de 1905, e do que Luís Pinto de Albuquerque apresentara na récita de 1904.
Mais tarde, com Paulo de Sá, Carlos Figueiredo e António Menano, é abandonado o compasso binário, em favor do quaternário. Então aquele ritmo sincopado ainda se mantém nos dois últimos tempos do compasso mas, dum modo tão disfarçado que só com muita atenção se pode detectar.
E este é, a nosso ver, o único elemento que o chamado Fado de Coimbra recebeu do fado que é mesmo fado – o de Lisboa.
10 – Uma nota final.
Conhecemos a profusão de edições de “fados de Coimbra” que, a certa altura foram feitas. De tão grande número de edições teremos de concluir que ele chegou a ser negócio rendoso e bem de consumo ingerido em doses razoáveis nos salões de gente rica ou remediada de todo o país.
Mas quando aportei a esta cidade para nela estudar e depois me fixar para o resto da minha vida (serei daqueles que vieram para amar Coimbra... às vezes nem sei bem porquê) vi o fado doutra maneira: ele era nosso, mesmo quando não o cantávamos; aprendia-se ouvindo e não lendo; este não tinha autor – só tinha cantor.
Numa palavra: fora assumido por um determinado grupo humano. Daí o seu valor como testemunho duma época, dum modo de viver e sentir. Pode considerar-se como uma música típica.
E, pelo que acaba de ser exposto, cai-lhe mal o rótulo de fado – não pertence ao género poético-musical designado por aquele nome.
Nem sequer nos parece que haja razão para o classificar como uma espécie do género Fado: aquele elemento rítmico até acabou por desaparecer e nunca teve aqui o significado e importância que assumiu no Fado. De resto, que fica de comum?
Apenas os instrumentos acompanhadores[14].
Chamemos-lhe, pura e simplesmente, Serenatas Coimbrãs. É correcto e corresponde à realidade.
(*) Comunicação apresentada ao III Seminário do Fado de Coimbra, realizado em Maio de 1980. Francisco Faria nasceu em Vila Nova de Famalicão a 16 de Outubro de 1926. Matriculou-se em Direito em Outubro de 1949. Músico, regente de grupos corais e advogado. Dirigiu o Coral de Estudantes de Letras da Universidade de Coimbra (CELUC), o Coral Polifónico de Coimbra e o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra. Foi titular da Cadeira de Música da Universidade. Integrou durante anos a Comissão Municipal de Análise dos Grupos Folclóricos do Concelho de Coimbra.
O título da palestra foi sugerido ao autor após leitura crítica de um parágrafo esboçado pelo musicólogo Armando Leça em 1918 (Cf. Armando Leça, Da música portuguesa, 2ª edição, Porto, Livraria Civilização, 1942, pág. 48. A 1ª edição desta obra é de 1922, e a frase em questão aparece primeiramente glosada por José Maciel Ribeiro Fortes, Fado. Ensaio sobre um problema etnográfico-folclórico, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926, pág. 171; também Armando Leça, Música popular portuguesa, 2ª edição, Porto, Editorial Domingos Barreira, s/d, pág. 123). Ao reconhecer à Canção de Coimbra o devido lugar enquanto género musical autónomo, Francisco Faria retomava, embora desconhecendo tal facto, a teoria expressa por Mário de Sampayo Ribeiro em 1935-1936 (Cf. A música em Portugal nos séculos XVIII e XIX, 1938, pág. 118).
Pertinente nas perplexidades formuladas e no tratamento da questão de fundo, não procede inteiramente a proposta nominalista Serenata Coimbrã, tendo em conta que a Canção de Coimbra se afigura irredutível ao ritual da serenata e aos temas musicais intitulados serenatas.
[1] Como escreveu Charles Imbert, in Histoire de la chanson e de l’opèrrette, Les Éditions Rencontre Lausanne et la Guilde du Disque, 1967, págs. 9-10: Podemos viver meses sem ver uma pintura, sem ouvir uma sinfonia ou sem ir ao teatro nem ler um romance, mas não passamos um dia sem ouvir uma canção, seja cantando-a nós próprios, seja ouvindo assobiar uma melodia, e isto era assim mesmo antes de haver televisão e rádio.
[2] Charles Iambert, op. cit., pág. 10.
[3] É um ambiente deste género que é evocado por Berlioz na Danação de Fausto. A música é o Amen que se transformou quase em símbolo do Orfeão Académico de Coimbra.
[4] Ainda há pouco deparámos, num livro sobre a cidade de Nancy, com a reprodução de um programa impresso para um concerto de estudantes, sob o título Soirée Amicale, cuja última parte é preenchida com canções de estudantes. Este concerto realizou-se em 14 de Maio de 1987 e o programa tem duas notas dignas de realce: a primeira diz respeito às canções de estudantes, a propósito das quais se esclarece que as cantadas naquele concerto são extraídas do álbum Quand j’étais étudiant. Vieux souvenirs: a outra respeita à ilustração do programa que apresenta três estudantes (um toca flauta, outro guitarra clássica e outro tamboril) fazendo uma serenata a três graciosas mocinhas. Se abstrairmos do trajo dos estudantes, esta gravura poderia ter ornamentado qualquer récita coimbrã da mesma época.
[5] In Documentos de D. João III, publicados por Mário Brandão, I Vol., Coimbra, 1937, pág. 153.
[6] É este o testemunho de Ribeiro Sanches (1600-1783), citado por Teófilo Braga in História da Universidade de Coimbra, Tomo III, pág. 184.
[7] Para dar uma ideia do que são estes acordes, esclarece-se que eles correspondem, na viola, às duas primeiras posições: a primeira corresponde ao acorde da tónica, enquanto a segunda corresponde ao da dominante.
[8] Em linguagem guitarrística, e optando pelo tom de lá menor, a sequência é a seguinte: 1ª de lá menor – 4ª de lá menor/1ª de lá menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor/1ª de sol maior/1ª de ré menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor.
[9] Esclarece-se que o efeito é semelhante ao da cadência picarda mas é diferente: a cadência picarda é própria dum trecho que está escrito em modo menor e, no final, resolve para o maior, subindo em meio tom a terceira do acorde, enquanto neste caso, o trecho está em modo maior. Só que a sucessão de acordes é exactamente a mesma.
[10] A sucessão de modulações deste fado é muito rica: 1ª de dó maior – 2ª de ré menor/1ª de ré menor/1ª de ré menor/ - 2ª de dó maior/1ª de dó maior/.
[11] Science de la Musique, Paris, Bordas, 1976.
[12] Isto de fazer serenatas foi, por vezes, profissão de músicos pobres que não encontraram meios de se realizarem doutra forma, e muito boa gente a exerceu. Talvez o caso mais célebre tenha sido o de Joseph Haydn (1732-1809) que ao perder a maravilhosa voz de criança, aos 16 anos, se viu sem meios de subsistência, uma vez que nem aceitou ser castrado nem seguir a carreira eclesiástica: fez muitas serenatas pelas ruas de Viena e música de dança nos salões próprios, até conseguir o emprego de colaborador de Porpora.
[13] De resto, são inúmeros os casos em que foram encastoadas serenatas em cenas de ópera. Recordemos, além da já referida, no D. João de Mozart, algumas das mais célebres: Berlioz (na Danação de Fausto), Wagner (nos Mestres Cantores), Leoncavallo (nos Palhaços).
[14] Embora nesses instrumentos se verifiquem anatomias, timbres, afinações e técnicas de dedilho bem diferenciadas.
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