terça-feira, outubro 25, 2005


Capa do livro "Zeca Afonso - As voltas de um andarilho" de Viriato Teles, da editora Ulmeiro, 2ª edição. Livro com uma belíssima apresentação, boas fotografias e, essencialmente, bem escrito e focando o essencial da vida artística, e não só, de José Afonso.
Transcrevo a seguir parte do texto de apresentação do livro, com o título "A propósito desta reedição", escrito pelo autor seguindo-se um texto de Sérgio Godinho à laia de prefácio, com o título "A que distância está o Zeca?":

“... A intenção final, aliás, é mesmo essa. Contribuir, por pouco que seja, para que, no novo século que está quase a chegar, a voz de José Afonso continue a ser ouvida e as suas palavras escutadas com a atenção que merecem todas as grandes obras de arte. Porque é de arte que falamos quando nos referimos ao Zeca e a toda a sua escola de cantores ...
... Afinal, se houve alguém que se bateu pela diversidade de concepções e esteve sempre aberto a novas experiências musicais, foi seguramente José Afonso. Dessa abertura de ideias e de ideais (só comparável, no universo lusitano, à de outro grande mestre dos sons, Carlos Paredes) nasceu a obra que lhe conhecemos. Diversificada, mas sempre pioneira, ética e esteticamente. Com este livro, só pretendo participar na luta contra o esquecimento, hoje tão em voga. É que é, como se sabe, a pior das mortes. Se o objectivo será ou não conseguido, não sei. Por mim, acho que fiz o que tinha a fazer. Está feito.
Lisboa, Outono de 1999”
Viriato Teles

"A que distância está o Zeca?

Telefona-me o Viriato: quer umas palavras sobre o Zeca. Para um livrito, como ele lhe chama. Sobre o Zeca.
Um prefácio? Pergunto eu. Uma nota introdutória? Um louvor, uma análise crítica? Um testemunho pessoal? A que distância?
Não tenho o gosto de me dedicar a prefácios. Não os escrevo , e quando os leio é geralmente depois. Porque não me esqueço: muitos esparramaram antes do tempo o mistério-mesmo que eu me propunha descobrir. Pelo preço não-módico de um livro, achei fartura a mais. Bem intencionada, sim, decerto. Mas entre a luz directa do autor e a frincha que, machadada compreensiva, o prefaciador impõe, vai um abismo mais profundo que a própria velocidade da luz. Portanto, mais nada, luz ao Zeca.
Posto isto, o dilema: quem é o autor que - escuramente - prefacio? O Viriato, que tão apaixonado seguiu as voltas do Zeca, certamente um andarilho a trilhar os passos do andarilho, ou o próprio Zeca, que aparece aqui tão mais presente, tão mais contraditório, iluminado?
Mais uma vez, a luz. Mas aqui, desta vez, sem misticismo. Para o Viriato tratou-se só de erguer a lâmpada sobre as extraordinárias funções do Zeca, e nisso encontrar quem nós temos saudade de ouvir e ver. De facto, não somos ainda uma nação de biografados. Às vezes é um bem: mas muitas outras é pena. Porque parte da riqueza do objecto biográfico é a sua simples dimensão romanesca. É certamente o caso do Zeca, material ficcional por excelência, porque uma vida singular, e a obra que lhe veio compor o caos, é certamente matéria-de-ouro para um livro que nunca-mais em Portugal se escreverá. E ele quereria?
O Zeca era um génio. Não gosto de empregar esta palavra levianamente, no sentido norte-ou-sul-americano do termo. Somos todos geniais. Pois. Mas o Zeca era mesmo genial. E muito queria que isto não fosse um consenso, mas um dado adquirido. A diferença é subtil, mas fundamental. Porque o livro do Viriato dá a conhecer muito melhor o Zeca, e mais: dá vontade de ouvi-lo e gozá-lo e perceber como é que ele foi capaz de unir tantas referências numa obra criativa única. Um dado progressivamente adquirido, como eu gostaria que fosse a vida. Por breve que se progrida, por curta que para nós, felizes nós, tenha sido a vida dele.
Sérgio Godinho" Posted by Picasa

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