FADO DE COIMBRA
(Versão Armando Goes: 1929)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de António de Sousa (1898-1981)
Incipit: Nossa Senhora da Graça
Origem: Coimbra
Data: ca. 1912
(Versão Armando Goes: 1929)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de António de Sousa (1898-1981)
Incipit: Nossa Senhora da Graça
Origem: Coimbra
Data: ca. 1912
Nossa Senhora da Graça,
Que tantos milagres fazes,
‘stou de mal com o meu amor,
Senhora, fazei as pazes.
Falas de amor só as sabem
Os cegos de olhar profundo;
Há palavras que não cabem
Em toda a luz deste mundo.
Canta-se o 1º dístico, repete-se; canta-se o 2º e repete-se.
Esquema do acompanhamento:
1º dístico: Sol maior, Mi menor, 2ª Sol /// Lá menor, 2ª Sol, Sol maior;
2º dístico: Mi menor, 2ª Mi /// 2ª Mi, Mi menor; (1ª vez)
2º dístico: Dó maior, Ré maior, Sol maior /// 2ª Sol, Sol maior; (2ª vez)
Informação complementar
Canção musical estrófica em compasso quaternário (4/4) e tom de Sol Maior, de estrutura silábica, marcada pelo efeito de repetição dos dísticos. Melodia singela, como que a repetir a costumeira alternância dos acordes de tónica e dominante, o que lhe confere um certo carácter improvisatório de arruada, próprio para serenata em andamento moderado pelas ruas.
Composição vulgarmente conhecida pelas seguintes designações:
-FADO DA MÁGOA (Fiz uma cova na areia), nas gravações de António Menano para a Odeon;
-FADO DE COIMBRA (Deixem-me cantar o fado), gravações de José Dias para a Gramóphono e His Master’ Voice;
-UM FADO DE COIMBRA (Fiz uma cova na areia), gravação de António Bernardino para a Alvorada;
-OLHOS VERDES (Teus olhos verdes, gaiatos), gravação de Barros Madeira para a Rapsódia e de Manuel Branquinho para a Orfeu;
-SENHORA DA GRAÇA (Nossa Senhora da Graça), gravação de Manuel Branquinho para a Imavox.
A letra transcrita corresponde à versão gravada por Armando do Carmo Goes, em Lisboa, nos primeiros dias de Setembro de 1929: 78 rpm “Fado de Coimbra”, His Master’s Voice 30-2093 EQ 245, acompanhado por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (gg). A selecção do título para efeitos de inventariação levantou-nos algumas dúvidas, tamanha se revelou a proliferação de títulos e de letras entre as décadas de 1920-1980. O título original parece ser “Fado de Coimbra”, tal qual ocorre em Armando Goes e José Dias, tendo sido o último dos cantores acompanhado em estúdio pelo próprio autor, Paulo de Sá. Armando Goes e António Menano vocalizaram este tema em Sol Maior (registos da década de 1920), tom que seria o original, pois o primeiro grande divulgador do tema foi o tenor extenso Agostinho Fontes Pereira de Melo, por sinal formado no mesmo ano de Paulo de Sá.
Paulo de Sá era natural de Santa Maria da Feira (1891). Formado em Direito no ano de 1914, exerceu o notariado em Coimbra e Santa Maria da Feira. Na década de 1940 assumiu funções de Chefe da Secretaria do Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto. Faleceu na cidade do Porto em 1952. Discípulo e “afilhado” de Francisco Menano, Sá apadrinhou a estreia do seu dilecto cantor António Menano.
Ainda na fase coimbrã estudantil produziu obras como FADO DO LUAR (“E há no mundo quem afronte”), FADO DE COIMBRA e FADO DE AVEIRO (“Se julgas que eu perco muito”, em homenagem ao cantor Agostinho Fontes). Continuou sempre muito ligado aos meios académicos. Antigo membro do naipe dos violões na TAUC, acompanhou a digressão desse organismo ao Brasil no Verão de 1925. Na 2ª metade da década de 1920 fez sair copiosa produção de temas impressos e gravou discos com as vozes de Helena Alão, José Dias e Elysio de Matos.
Nas décadas de 30 e de 40, Sá produziu número significativo de novas composições, das quais tem dado notícia o seu próximo colaborador desses anos José Archer de Carvalho. Costumava tocar instrumentalmente as suas melodias, e outras de Mansilha, Borges de Sousa, Cochofel e Francisco Menano. Guitarrista da Belle Époque, com costela para o Bello Horrível, na época de Sá predominavam nos textos cantados em Coimbra o restolho do Ultra-Romantismo mórbido e o Nacionalismo folclórico. Nas vozes, de que era divo Agostinho Fontes Pereira de Melo, estava na moda o “estilo Manassés”, rotulado de “cantar à antiga” a partir da erupção protagonizada por António Menano. No trabalho de guitarra, além dos vários tipos em uso (Lisboa, Porto e Coimbra), oscilava-se entre a afinação natural em Dó Maior, os sobe e desce de tons a certas cordas para esta ou aquela peça e, os imprescindíveis e chorados “fados”, como o “Fado Menano”, famoso já em 1911.
Sem certezas definitivas, parece-nos estarmos sempre em presença da melodia de Paulo de Sá, nas seguintes entradas em estúdio:
-Um Fado de Coimbra (??), Parlophone B 33304, ca. 1926-1927, voz de Helena Alão (disco inacessível);
-Fado de Coimbra (Deixem-me cantar o fado), Gramóphono e His Master’s Voice, 1927, voz de José Dias;
-Fado da Mágoa (Fiz uma cova na areia), Odeon 136.819 e A136.819, 1928, voz de António Menano;
-Fado de Coimbra (Nossa Senhora da Graça), His Master’s Voice E. Q. 245, 1929, voz de Armando Goes;
-Fado de Coimbra (??), Polydor 4243, 1929, voz de Manuel Homem Cristo (disco inacessível);
-Fado de Coimbra (??), Columbia, 5/12/1929, voz de Edmundo Bettencourt (não editado; matriz perdida);
-Olhos Verdes (Teus olhos verdes, gaiatos), Rapsódia, 1960, voz de João Barros Madeira;
-Um Fado de Coimbra (Fiz uma cova na areia), Alvorada, 1966, voz de António Bernardino;
-Olhos Verdes (Teus olhos verdes, gaiatos), Orfeu, 1968, voz de Manuel Branquinho;
-Senhora da Graça (Nossa Senhora da Graça), Imavox, 1977, voz de Manuel Branquinho;
-Um Fado de Coimbra (Nossa Senhora da Graça), Jorsom, 1983-1984 e série RTP Tempos de Coimbra, voz de António Bernardino;
-Um Fado de Coimbra (Nossa Senhora da Graça), Orfeu, 1986, voz de Pais da Rocha;
-Fado da Mágoa (Fiz uma cova na areia), Discossete, 1993, voz de Raul Moreira Dinis;
-Um Fado de Coimbra (Nossa Senhora da Graça), SF-AAC, 1995, voz de Carlos Pedro;
-Um Fado de Coimbra (Nossa Senhora da Graça), Aeminium Records, AE-001, 2000, voz de Mário Gomes Pais.
Composição gravada pelo barítono José Dias em Lisboa, no Teatro S. Luís, no mês de Maio de 1927, acompanhado à guitarra por Paulo de Sá e executante de violão não identificado (Doutor José Carlos Moreira?): 78 rpm “Fado de Coimbra”, His Master’s Voice E. Q. 28, master 2-62572. A interpretação vocal é manifestamente banal. José Dias, cuja biografia se desconhece, pode ter sido um estudante de Coimbra da década de 1920 (a ser assim, nunca aparece referido nas fontes coevas), ou um cantor amigo de Paulo de Sá, porventura radicado em Espinho, Granja ou Santa Maria da Feira. O acompanhamento proposto por Paulo de Sá é aflitivamente decepcionante. Paulo de Sá toca Guitarra Toeira em afinação natural, fazendo breve Introdução em marcação de fado corrido; nas partes do canto executa as convencionais “puxadas” em acordes de tónica e dominante; alinhava um Separador em plágio ao fado corrido; finaliza com um remate novamente em corrido.
Esta gravação tem tanto de decepcionante como de importante documento de época:
a) pela letra que a seguir se transcreve, certamente a original;
b) pelas soluções de acompanhamento usadas entre finais do século XIX e inícios do século XX por tocadores como Paulo de Sá e Francisco Menano, cujas propostas afadistavam convincentemente as melodias;
c) com efeito, tal qual se apresenta nesta gravação, “Fado de Coimbra” lembra mais um “fado” e menos uma serenata estrófica. Desconhecemos quem possa ser o autor da 1ª quadra. A 2ª é de Augusto César Ferreira Gil, tão amado de Francisco Menano e de Paulo de Sá.
Deixem-me cantar o fado,
Não faço mal a ninguém.
Eu canto só pra espalhar
Mágoas que me dá o meu bem.
Amas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente
Só a mim não tens amor
Que morro por ti somente.
Este tema também foi gravado em Lisboa, no ano de 1928, por António Menano, no tom de Sol Maior, com o título modificado para FADO DA MÁGOA e 3 coplas populares:
Fiz uma cova na areia
Para enterrar a minha mágoa;
Entrou por ela o mar todo,
Não encheu a cova d’água.
Tu de longe e eu de longe,
Tu sozinha e eu sozinho;
Ó quem pudesse ai fazer
Uma prega no caminho.
Cerejas frescas, vermelhas,
Suspensas pelos caminhos,
Sois os brincos das orelhas
Das filhas dos pobrezinhos.
A versão António Menano, presente nas matrizes fonográficas Odeon 136819 e A136819 Og 691, encontra-se remasterizado no álbum vinil “Fados de Coimbra. António Menano, Volume II”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 2612283, ano de 1986, LP 1, Face 2, faixa nº 4; idem, no CD “Fados. António Menano, Volume II”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724383644520, ano de 1995, faixa nº 1. Na sua interpretação, Menano pretere a famosa quadra “Nossa Senhora da Graça”, que grava apenas no espécime “Canção da Beira”, adoptando aleatoriamente coplas que costumava interpretar noutros temas.
Espécime gravado por Armando do Carmo Goes, em Lisboa, no ano de 1929, com Albano de Noronha e Afonso de Sousa no 78 rpm His Master’s Voice EQ 245, 30-2093. A versão Armando Goes veio a ser parcialmente regravada por António Bernardino, acompanhado à guitarra por António Portugal/Manuel Borralho, e à viola por Rui Pato: EP Alvorada, AEP 60817, ano de 1966, remasterizado no CD “Serenata Monumental”, Lisboa, Movieplay, MOV 30.487, ano de 2003, CD 1, faixa nº 15. O título grafado é “Um Fado de Coimbra”, e a letra vem erradamente atribuída a António Menano. Bernardino interpreta o tema em Ré Maior, enquanto que cerca de 40 anos antes Armando Goes navegara com grande à vontade no mesmo tom adoptado por António Menano (Sol Maior). Merece destaque o arranjo de acompanhamento de António Portugal para esse registo de 1966. António Bernardino realizou uma 2ª gravação desta canção, acompanhado por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe Roxo Ferreira, no disco 1 do Album Tempo(s) de Coimbra, editado em 1984. No dito álbum vem a indicação de a música e a letra serem do Dr. Paulo de Sá, o que quanto à letra não está correcto. Matriz disponível em compact disc: álbum “Tempo(s) de Coimbra”, CD Nº 1, EMI 0777 7 99608 2 8, editado em 1992 e reeditado em 2005; Col. “Um Século de Fado”/Ediclube, CD Nº 4/Coimbra, EMI 7243 5 20638 2 6, editado em 1999.
A 1ª quadra, “Nossa Senhora da Graça”, é popular, vem no “Cancioneiro Geral dos Açores”, vol. 1º, pág. 65, e no “Cancioneiro Popular Português”, de José Leite de Vasconcelos, no III Vol., pág. 308, na “Etnografia da Beira” de Jaime Lopes Dias, e noutros. Aliás, veio a ser repescada anos volvidos por Fernando Machado Soares, a propósito do título “Nossa Senhora da Graça”, tema que paradoxalmente abre com uma invocação a Santa Luzia. A 2ª quadra, “Falas de amor, só as sabem”, é da autoria de António de Sousa (Cf. “O Encantado”, Porto, 1919, pág. 44). Uma reconstituição deste espécime deve ter em conta outras coplas populares complementares, de que existem umas 15 amostras no “Cancioneiro de José Leite de Vasconcelos”, Volume III:
Fui à senhora da Graça
Bebi água graciosa
Stava o meu amor em frente
Atirou-me c’uma rosa.
Nossa Senhora da Graça
Eu quero ir por além
Dar abraços a quem amo
Beijos a quem quero bem.
Este espécime foi retomado nos alvores da década de sessenta por João Barros Madeira: 45 rpm EP “Balada. Dr. Barros Madeira”, Rapsódia, EPF 5. 092, gravado em 29 de Março de 1960, com o título OLHOS VERDES e letra do estudante natural de Portimão Francisco Gregório Bandeira Mateus. O cantor foi acompanhado por Jorge Tuna/Jorge Godinho (gg) e Durval Moreirinhas/José Tito MacKay (vv nylon). Esta gravação, passados quase 20 anos, foi integrada no LP “Coimbra”, Rapsódia, LDF 044, editado em 1976. No registo Barros Madeira o título foi modificado para OLHOS VERDES, e a música aparece erradamente atribuída ao próprio Barros Madeira.
Teus olhos verdes, gaiatos,
São mais profundos que o mar;
Espelhos de um coração
Que escondes do meu olhar.
Teus olhos da cor do mar
São duas ondas serenas,
Duas velas do altar
Onde rezo as minhas penas.
Tema gravado por Manuel Branquinho em 1968, com o título “Olhos Verdes”, no EP Orfeu, ATEP 6409, acompanhado por Branquinho/Francisco Dias (gg) e Manuel Dourado (v). Registo disponível no LP Orfeu, ST-109 e remasterizado no CD “Clássicos da Renascença. Manuel Branquinho”, MOV 31. 029, ano de 2002. Nova gravação por Branquinho no LP IMAVOX, BL 60005; idem, LP “Fados de Coimbra por Manuel Branquinho”, Lisboa, IMAVOX, IM-30 031, ano de 1977, Face 1, faixa nº 2, com o título modificado para “Senhora da Graça”, sem quaisquer identificações de autorias, mantendo a 1ª quadra interpretada por Armando Goes e adoptando como 2ª uma de Augusto Gil: “Se não queres que eu te queira,/Pede a Deus pra que me chame;/Pois só Deus, desta maneira,/Fará com que eu te não ame”. Nesta gravação, Branquinho executa 1ª e 2ª guitarra, 1ª e 2ª viola.
O Dr. Pais da Rocha, do Grupo Académico Serenata, do Porto, gravou este tema com as duas quadras fixadas por Armando Goes, acompanhado à guitarra por Engº. Cunha Pereira e Jorge Carvalho e, à viola, por Dr. Carlos Teixeira e Arnaldo Brito (LP Orfeu, LPP 44, gravado em 1986). No dito disco vem a indicação de a música ser de Paulo de Sá.
Esta composição encontra-se disponível em compact disc de outros cantores:
-CD “António Vechi – Guitarra chora baixinho”, Movieplay, 30.297, editado em 1992;
-CD “Alma Mater – Grupo de Fados de Coimbra”/Secção de Fado/AAC, CD-SF-005, ano de 1995, Faixa nº 11: canta Carlos Pedro, acompanhado por Pedro Anastácio/Nuno Cadete (gg) e António Paulo (v). O cantor segue a 2ª versão de António Bernardino, com arranjo de acompanhamento de Pedro Anastácio.
Gravado com o título contrafeito (Olhos Verdes Gaiatos), pelo cantor activo na Região do Porto Carlos Costa, acompanhado à guitarra por Joaquim Martins, Armando Martins e Luis de Sousa e, à viola, por José Martins e Anibal Ramos (LP Fados de Coimbra, Ofir, AMS 324). Neste disco a autoria vem erradamente atribuída a João Barros Madeira.
Raul Dinis gravou esta canção acompanhado à guitarra por António Ralha/Jorge Gomes e, à viola, por Manuel Dourado: CD “Coimbra de Sempre”, Discossete, CD 971000, ano de 1993, faixa nº 5: segue o título “Fado da Mágoa” e a letra é a interpretada por António Menano, com a seguinte sequência: 1ª (Fiz uma cova na areia), 2ª (Cerejas, frescas, vermelhas), 3ª (Tu de longe e eu de longe).
Não deve confundir-se a composição de Paulo de Sá com “Um Fado de Coimbra”, de Alexandre Rey Colaço, “Um Fado”, de Lourenço Varela Cid, ou “Fado de Coimbra”, de Reynaldo Varela. Aliás, o título adoptado por Paulo de Sá corresponde a um período de extrema banalização do vocábulo “fado”: no geral todas as peças cantáveis eram designadas discricionariamente por “fados”; boa parte das guitarradas eram intituladas de “fados” (sobretudo quanto nos tons de Ré Maior, de Ré menor, e de Mi menor); nas situações mais extremas, era comum fazerem-se identificações do tipo “um fado”, “fado novo”, “fado do”, “fado da”, “fado número…”.
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2006)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: José Archer de Carvalho, José Moças (Tradisom), Dr. João Caramalho Domingues, Sandra Cerqueira (Edisco), Dr. João Barros Madeira
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