"História": 2004
Um DVD com "histórias"
“História do Fado de Coimbra”, Coimbra, contar.com, Janeiro de 2004 é um dvd produzido em 2003 e lançado a título de 2ª edição em Novembro de 2005 (“A História do Fado de Coimbra”, Coimbra, TELEVITA, 2005), com o apoio do “Diário de Coimbra”.
Estamos em presença de um dvd escrito e apresentado pelos cultores de CC Patrick Mendes (PM) e José Manuel Beato (JMB), internamente estruturado em 4 pontos fulcrais:
1 – “História do Fado de Coimbra”;
2 – “10 anos de silêncio”;
3 – A Canção de Coimbra”;
4 – Luiz Goes
Na 1ª parte, os autores sugerem um passeio pela história, percurso sucessivamente animado pelas deambulações urbanas dos dois cicerones, interpelações de PM, respostas de JMB, e amostragens sonoras de temas considerados aptos à compreensão das épocas e das figuras invocadas.
Em termos de exemplificações, os dois guias aproveitam um espectáculo realizado em Coimbra, no Teatro Académico de Gil Vicente, em 2/11/2002, no âmbito das comemorações dos 115 anos da fundação da AAC.
O passeio ressente-se fortemente da ausência de iconografia adequada às figuras e acontecimentos referidos, socorrendo-se os guionistas, as mais das vezes, de imagens extraídas da obra de José Niza “Um século de Fado. Fado de Coimbra”, 1999.
“História do Fado de Coimbra”, Coimbra, contar.com, Janeiro de 2004 é um dvd produzido em 2003 e lançado a título de 2ª edição em Novembro de 2005 (“A História do Fado de Coimbra”, Coimbra, TELEVITA, 2005), com o apoio do “Diário de Coimbra”.
Estamos em presença de um dvd escrito e apresentado pelos cultores de CC Patrick Mendes (PM) e José Manuel Beato (JMB), internamente estruturado em 4 pontos fulcrais:
1 – “História do Fado de Coimbra”;
2 – “10 anos de silêncio”;
3 – A Canção de Coimbra”;
4 – Luiz Goes
Na 1ª parte, os autores sugerem um passeio pela história, percurso sucessivamente animado pelas deambulações urbanas dos dois cicerones, interpelações de PM, respostas de JMB, e amostragens sonoras de temas considerados aptos à compreensão das épocas e das figuras invocadas.
Em termos de exemplificações, os dois guias aproveitam um espectáculo realizado em Coimbra, no Teatro Académico de Gil Vicente, em 2/11/2002, no âmbito das comemorações dos 115 anos da fundação da AAC.
O passeio ressente-se fortemente da ausência de iconografia adequada às figuras e acontecimentos referidos, socorrendo-se os guionistas, as mais das vezes, de imagens extraídas da obra de José Niza “Um século de Fado. Fado de Coimbra”, 1999.
Ao nível das amostragens sonoras seleccionadas é bem evidente a colagem à monumental antologia vinil de António Brojo/António Portugal, “Quatro décadas no Canto e na Guitarra”, de 1984. Ora, Brojo e Portugal haviam precisado de pelo menos 6 lps, 4 com composições cantadas e 2 de instrumentais, num total de 71 faixas sonoras, para atingirem uma amostragem ainda assim muito lacunosa e demasiado formatada no plano daquilo que fora o “politeísmo estético” anterior à constituição da Tertúlia do Calhabé. Embora se recue no tempo e aluda a José Dória, os exemplos sonoros limitam-se a reproduzir os mitos mais consensuais. Invocando Hylario, apresenta-se o Fado Hylario Moderno, consabidamente um apócrifo que não ajuda a contextualizar Augusto Hylario. Fado Manassés remete o auditor para Manasses de Lacerda, uma vez mais usando da versão herdada de António Menano, o que é de lamentar, pois Manassés esteve muito longe de ser um protagonista secundário. Quero com isto dizer que estavam perfeitamente disponíveis os documentos necessários a uma reconstituição criteriosa do original, isto é, do Fado Maria.
Depois é o salto em queda livre para a década de 1920, com Saudadinha a lembrar as singularidades de Edmundo Bettencourt/Artur Paredes. O arranjo de acompanhamento não é o coevo da peça mas o que João Bagão fez na 2ª metade da década de 1960. Novo salto para os anos 40, com Não Olhes para os Meus Olhos (de novo tirado da antologia Portugal/Brojo). Os anos 50 são aflorados apenas com Ondas do Mar (versão Brojo/Portugal), com o cantor a vocalizar desagradáveis “sobri-as-ondas” e “sobri-o-mar”. Prossegue a conversa já nos anos 60. A iconografia queda-se minudentemente pela casa de espectáculos ÀCapela, sendo escolhido unicamente o tema Traz Outro Amigo Também (versão APortugal, com guitarra). Confirma-se assim, uma vez mais, a tendência muito "fin de siècle" de "guitarração" do Movimento da Balada (denunciada na década de 80 por Rui Pato e Jorge Cravo). Os anos 80 e 90 ficam no silêncio dos sons, com fugazes imagens de discos gravados pelos grupos juvenis activos na década de 80. São pinceladas demasiado rápidas e epidérmicas, coladas artificialmente na espinha dorsal de um tempo linear à relojoeiro.
Há depois uma 2ª parte cindida em blocos bastante conseguidos. A propósito da rubrica “10 anos de silêncio” testemunham com clareza Joaquim Reis, Jorge Gomes, o Dux Veteranorum e Luís Alcoforado. Ficam alinhavados dados suficientes para a compreensão da supressão das tradições estudantis em finais da década de 1960, do ambiente hostil que rodeou a CC na década de 1970, dos anos difíceis que se seguiram a 1974, da intentona que originou a fundação das Escolas da Secção de Fado da AAC em 1980.
O ponto seguinte, “A Canção de Coimbra”, comporta intervenções deveras interessantes, marcadas pelo especial cunho didáctico de Fernando Meireles (a arte de construir guitarras), Ricardo Dias (técnicas de dedilhação da guitarra), Pedro Lopes (dos usos da viola de acompanhamento), Jorge Cravo (informações sobre o estilo vocal de Coimbra e cantores paradigmáticos), e José Manuel Beato (poesia e literatura).
No último subtítulo apresenta-se um apontamento de uma entrevista a Luiz Goes, possivelmente filmada durante a homenagem que a Academia de Coimbra lhe promoveu em Maio de 1998.
Na globalidade estamos em presença de um projecto bem conseguido, algo eclético, mas suficientemente articulado. Não são de assinalar na matéria controvertida erros graves de parte dos interventores. Claro que a exemplificação sonora peca por defeito, afigurando-se excessivamente lacunar e supersónica:
Depois é o salto em queda livre para a década de 1920, com Saudadinha a lembrar as singularidades de Edmundo Bettencourt/Artur Paredes. O arranjo de acompanhamento não é o coevo da peça mas o que João Bagão fez na 2ª metade da década de 1960. Novo salto para os anos 40, com Não Olhes para os Meus Olhos (de novo tirado da antologia Portugal/Brojo). Os anos 50 são aflorados apenas com Ondas do Mar (versão Brojo/Portugal), com o cantor a vocalizar desagradáveis “sobri-as-ondas” e “sobri-o-mar”. Prossegue a conversa já nos anos 60. A iconografia queda-se minudentemente pela casa de espectáculos ÀCapela, sendo escolhido unicamente o tema Traz Outro Amigo Também (versão APortugal, com guitarra). Confirma-se assim, uma vez mais, a tendência muito "fin de siècle" de "guitarração" do Movimento da Balada (denunciada na década de 80 por Rui Pato e Jorge Cravo). Os anos 80 e 90 ficam no silêncio dos sons, com fugazes imagens de discos gravados pelos grupos juvenis activos na década de 80. São pinceladas demasiado rápidas e epidérmicas, coladas artificialmente na espinha dorsal de um tempo linear à relojoeiro.
Há depois uma 2ª parte cindida em blocos bastante conseguidos. A propósito da rubrica “10 anos de silêncio” testemunham com clareza Joaquim Reis, Jorge Gomes, o Dux Veteranorum e Luís Alcoforado. Ficam alinhavados dados suficientes para a compreensão da supressão das tradições estudantis em finais da década de 1960, do ambiente hostil que rodeou a CC na década de 1970, dos anos difíceis que se seguiram a 1974, da intentona que originou a fundação das Escolas da Secção de Fado da AAC em 1980.
O ponto seguinte, “A Canção de Coimbra”, comporta intervenções deveras interessantes, marcadas pelo especial cunho didáctico de Fernando Meireles (a arte de construir guitarras), Ricardo Dias (técnicas de dedilhação da guitarra), Pedro Lopes (dos usos da viola de acompanhamento), Jorge Cravo (informações sobre o estilo vocal de Coimbra e cantores paradigmáticos), e José Manuel Beato (poesia e literatura).
No último subtítulo apresenta-se um apontamento de uma entrevista a Luiz Goes, possivelmente filmada durante a homenagem que a Academia de Coimbra lhe promoveu em Maio de 1998.
Na globalidade estamos em presença de um projecto bem conseguido, algo eclético, mas suficientemente articulado. Não são de assinalar na matéria controvertida erros graves de parte dos interventores. Claro que a exemplificação sonora peca por defeito, afigurando-se excessivamente lacunar e supersónica:
-omissões para todo o século XIX;
-ausência de peças instrumentais;
-não ilustração de longos períodos artísticos referentes a 1910-1920, 1930-1940, pluralismo artístico dos anos 60, os tempos que vão de 1980 a 1990;
-cedências ao facilitismo dos anacronismos (emprestando a determinadas épocas afinações, vocalizações e instrumentos que não eram sequer conhecidos);
-vulnerabilidades evidentes no delineamento de Movimentos Artísticos e singularização de protagonistas, o que ditou a reprodução do alinhamento simplista por décadas (estrutura linear consagrada por Brojo/Portugal em “Tempos de Coimbra”, 1984);
-hipervalorização do relato académicocêntrico, fazendo uso de uma "Canção de Coimbra de Capa e Batina", com negligente silenciamento das práticas "futricas".
Enfatizando o papel desempenhado pelos arautos do vanguardismo estético, e respectiva herança, Jorge Cravo poderia ter deixado uma palavra oportuna para outras vozes do século XX que criaram escolas longamente glosadas: Manassés e António Menano. Não eram vanguardistas mas instauraram escolas conhecidas em Portugal e no estrangeiro. Merece estranheza também o facto de Pedro Lopes frisar que a viola de acompanhamento costuma ser identificada por “viola de Coimbra” (sic), pois não se consegue assacar relação entre a Viola de Coimbra que é a Viola Toeira de 5 ordens (3 duplas e 2 triplas) e a Viola de 6 ordens singelas, dita também “guitarra clássica”, “guitarra espanhola”, “violão francês”, ou mais popularmente violão (Brasil, Açores, obrigatoriamente no último caso para evitar confusões com a Viola da Terra).
Visto e ouvido o dvd, nele se evidenciam alguns pequenos defeitos, próprios de uma obra que não se podia inspirar em antecedentes:
Enfatizando o papel desempenhado pelos arautos do vanguardismo estético, e respectiva herança, Jorge Cravo poderia ter deixado uma palavra oportuna para outras vozes do século XX que criaram escolas longamente glosadas: Manassés e António Menano. Não eram vanguardistas mas instauraram escolas conhecidas em Portugal e no estrangeiro. Merece estranheza também o facto de Pedro Lopes frisar que a viola de acompanhamento costuma ser identificada por “viola de Coimbra” (sic), pois não se consegue assacar relação entre a Viola de Coimbra que é a Viola Toeira de 5 ordens (3 duplas e 2 triplas) e a Viola de 6 ordens singelas, dita também “guitarra clássica”, “guitarra espanhola”, “violão francês”, ou mais popularmente violão (Brasil, Açores, obrigatoriamente no último caso para evitar confusões com a Viola da Terra).
Visto e ouvido o dvd, nele se evidenciam alguns pequenos defeitos, próprios de uma obra que não se podia inspirar em antecedentes:
a) narrativa algo hermética da parte de JMB, essencialmente dirigida ao público conimbricense. Em si mesmo, falar com erudição não é defeito, mas se a intenção era criar uma obra de divulgação, convém lembrar que o resto do país não fala com a desenvoltura coimbrã;
b) a narrativa é excessivamente coimbrocêntrica/académicocêntrica, omitindo o culto activo da CC noutras sensibilidades e latitudes;
c) sendo os grupos participantes ecléticos e generalistas no tipo de repertório apresentado/recriado, importaria recorrer a tocatas mais diversificadas, cujos elementos fossem capazes de superar o eterno “mais do mesmo”. Quando se aborda o passado, é preciso considerar que existiram outros instrumentos, outros visuais, outras formas de cantar, outras afinações, outros recursos de acompanhamento do canto, sendo que a CC não se circunscreve a peças cantáveis. Neste particular, o projecto ressente-se fortemente da herança do "monoteísmo estético" instaurado pela Tertúlia do Calhabé e pelo Coimbra Quintet na década de 1950.
O dvd “História do Fado de Coimbra” é um produto feito por jovens protagonistas, debruçado sobre um “mundo interior”, raramente acessível ao grande público, junto do qual predominam visões cristalizadas e virtuais. “História”? António Brojo e António Portugal não arriscaram ir tão longe. O Coronel José Anjos de Carvalho, mergulhado em documentos há mais de 20 anos, não se atreve a dizer que conhece uma “História” da CC. Eu também não conheço nenhuma, mesmo contando com os esforços de Carlos Figueiredo (1952), João José Falcato (1952, 1957), José Carlos Vasconcelos (1966), António José Soares (1985), Alberto Sousa Lamy (1990), e José Niza (1999). Confrontados com a impossibilidade de em um só dvd se conseguir fazer uma “História”, teria sido mais prudente intitular o projecto “Contributos para”, “Imagens de”, “Retalhos da História de”.
Tudo quanto se disse em nada desmerece o pioneiro mérito de um projecto que veio preencher um espaço ainda virgem. Na era do audiovisual não existia rigorosamente nada em termos de percursos da CC que pudesse ser utilizado por um investigador, por um aluno em fase de aprendizagem nas escolas locais, por um visitante estrangeiro, por um aluno de curso de férias de Verão, ou por uma personalidade do mundo das artes.
Todos os anos visitam Coimbra dezenas e dezenas de antigos estudantes, a propósito de jantares de curso, de evocações, porventura em última viagem. Nestas situações, Reitoria da UC, Associação dos Antigos Estudantes, Museu Académico e Direcção Geral da AAC, poderiam efectuar protocolos de colaboração, cujos programas de acolhimento contemplassem a aquisição deste tipo de obras para oferta/recordação. Aliás, é absolutamente desolador visitar o Museu Académico e não ver nesse espaço um recanto com oferta de objectos ligados à cultura académica e universitária, à semelhança do que acontece em Salamanca e em Oxford. Problema idêntico se observa todas as vezes que são realizadas em Coimbra jornadas, encontros ou seminários de CC, conforme já alertou Armando Luís de Carvalho Homem em 2003. Em lugar de um expositor com livros, discos, dvds, postais, reedições críticas de obras esgotadas, antologias iconográficas, actas, impera o vazio.
A oferta de objectos não tem de cingir-se obrigatoriamente só a medalhas, livros luxuosamente ilustrados (quantas vezes tão caros quanto inutéis), cristais ou cerâmicas. Lembraria que a 1ª edição do álbum fotográfico “A Velha Alta Desaparecida” (1984) foi durante anos ofertada com sucesso a visitantes pela Reitoria da UC liderada por Rui de Alarcão. Recordaria também que da 2ª edição vinil da colectânea “Tempos de Coimbra. Quatro décadas no Canto e na Guitarra” (1990), a Reitoria de Rui de Alarcão e a Câmara Municipal de Manuel Machado reservaram centenas de exemplares para ofertas.
Para primeiro passo de uma “história” por fazer, podemos dizer que este dvd está muito bem, recomendando-se a sua aquisição. Se eu não soubesse nada sobre o passado da CC e desejasse inteirar-me um pouco da sua já longa História, posso dizer que após a audição deste dvd sairia melhor informado. Parabéns aos mentores do projecto. Aliás, do muito que se escreveu nos anos 80/90 alguma coisa transpira nas falas de Jorge Cravo e de JMBeato, sinal inequívoco da superação dos paradigmas clássicos que no plano espistemológico tinham entrado na mais insolvente glaciação.
O dvd “História do Fado de Coimbra” é um produto feito por jovens protagonistas, debruçado sobre um “mundo interior”, raramente acessível ao grande público, junto do qual predominam visões cristalizadas e virtuais. “História”? António Brojo e António Portugal não arriscaram ir tão longe. O Coronel José Anjos de Carvalho, mergulhado em documentos há mais de 20 anos, não se atreve a dizer que conhece uma “História” da CC. Eu também não conheço nenhuma, mesmo contando com os esforços de Carlos Figueiredo (1952), João José Falcato (1952, 1957), José Carlos Vasconcelos (1966), António José Soares (1985), Alberto Sousa Lamy (1990), e José Niza (1999). Confrontados com a impossibilidade de em um só dvd se conseguir fazer uma “História”, teria sido mais prudente intitular o projecto “Contributos para”, “Imagens de”, “Retalhos da História de”.
Tudo quanto se disse em nada desmerece o pioneiro mérito de um projecto que veio preencher um espaço ainda virgem. Na era do audiovisual não existia rigorosamente nada em termos de percursos da CC que pudesse ser utilizado por um investigador, por um aluno em fase de aprendizagem nas escolas locais, por um visitante estrangeiro, por um aluno de curso de férias de Verão, ou por uma personalidade do mundo das artes.
Todos os anos visitam Coimbra dezenas e dezenas de antigos estudantes, a propósito de jantares de curso, de evocações, porventura em última viagem. Nestas situações, Reitoria da UC, Associação dos Antigos Estudantes, Museu Académico e Direcção Geral da AAC, poderiam efectuar protocolos de colaboração, cujos programas de acolhimento contemplassem a aquisição deste tipo de obras para oferta/recordação. Aliás, é absolutamente desolador visitar o Museu Académico e não ver nesse espaço um recanto com oferta de objectos ligados à cultura académica e universitária, à semelhança do que acontece em Salamanca e em Oxford. Problema idêntico se observa todas as vezes que são realizadas em Coimbra jornadas, encontros ou seminários de CC, conforme já alertou Armando Luís de Carvalho Homem em 2003. Em lugar de um expositor com livros, discos, dvds, postais, reedições críticas de obras esgotadas, antologias iconográficas, actas, impera o vazio.
A oferta de objectos não tem de cingir-se obrigatoriamente só a medalhas, livros luxuosamente ilustrados (quantas vezes tão caros quanto inutéis), cristais ou cerâmicas. Lembraria que a 1ª edição do álbum fotográfico “A Velha Alta Desaparecida” (1984) foi durante anos ofertada com sucesso a visitantes pela Reitoria da UC liderada por Rui de Alarcão. Recordaria também que da 2ª edição vinil da colectânea “Tempos de Coimbra. Quatro décadas no Canto e na Guitarra” (1990), a Reitoria de Rui de Alarcão e a Câmara Municipal de Manuel Machado reservaram centenas de exemplares para ofertas.
Para primeiro passo de uma “história” por fazer, podemos dizer que este dvd está muito bem, recomendando-se a sua aquisição. Se eu não soubesse nada sobre o passado da CC e desejasse inteirar-me um pouco da sua já longa História, posso dizer que após a audição deste dvd sairia melhor informado. Parabéns aos mentores do projecto. Aliás, do muito que se escreveu nos anos 80/90 alguma coisa transpira nas falas de Jorge Cravo e de JMBeato, sinal inequívoco da superação dos paradigmas clássicos que no plano espistemológico tinham entrado na mais insolvente glaciação.
Fala da juventude e em nome da juventude, impossível de consumar na década de 1980, relembremos alguns antecedentes: em Maio de 1987, durante a Queima das Fitas, os Praxis Nova participaram activamente nas Primeiras Jornadas Sobre Tradições Académicas e Canção de Coimbra. Luís Alcoforado fez várias sugestões, entre elas a criação de um galardão de atribuição anual a figuras de reconhecido mérito (O Hilário); em Maio de 1988, durante a Queima das Fitas, decorreram as Segundas Jornadas Sobre Tradições Académicas e Canção de Coimbra, com propostas de novo adiadas; em Maio de 1998, o VI Seminário da Canção de Coimbra/Homenagem a Luiz Goes, encerrou no Teatro Académico de Gil Vicente com um diaporama histórico cujo guião foi escrito pela dupla José Manuel Beato/Jorge Cravo; em Novembro de 2002, durante o sarau comemorativo dos 115 anos da AAC, de novo se intentou reconstituir uma viagem audiovisual do passado da CC, cujos materiais aparecem agora reaproveitados no presente dvd.
Não faltavam pois exemplos de tentativas de conferir às novas gerações o legítimo direito de falar sobre a CC sem falsos paternalismos. Jorge Cravo e José Manuel Beato não são apenas mais dois "opinion makers", num território superpovoado de "especialistas". Pesquisaram, leram, reflectiram, distinguindo-se do devoto cultor anónimo. JMBeato, configura mesmo um caso de formidável hiperlucidez num certo caos estético e intelectual, sendo de todos o mais lido, o mais reflectido e o melhor informado. A ele se deve a fundação da "Estética da Canção de Coimbra", gesto que vem colocar a CC na plataforma dos géneros artísticos autónomos, sem receio de confronto com a Ópera, a Canção Napolitana, o Flamenco, o Jazz, a Morna, o Samba, a pintura, a escultura, o Fado, o Tango, quiçá o Ballet. Goste-se ou não se goste, compreenda-se ou não se compreenda, descontando algum catastrofismo, a reflexão crítica protagonizada por JMB coloca a CC no campo da Arte enquanto tal, libertando-a do oco sensualismo radicado no "gosto"/"não gosto" e devolvendo-a ao inesperado campo da autonomia/identidade que uma certa cronística preguiçosa e desonesta perseverava em negar-lhe.
Assim dito, mais vale consumir uma visão coimbrocêntrica dos percursos da CC, feita pelos seus directos cultores, do que engolir o sapo brutal e violentador de um programa televisivo onde arrogantemente se branqueia a história e se pretende impôr uma determinada imagem inventada e mistificadora (Cf. "Cantares do Mondego", RPP1 em 30/07/2004; idem, RTPÁfrica, em 21/09/2004; ibidem, RTP2, em 24/09/2004).
AMNunes
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