Retrato de Manassés
Pormenor da folha de rosto da brochura de partituras "1ª Série de Fados e Canções...", cantados por Manassés de Lacerda, 1907. Por baixo da moldura que rodeia o retrato do cantor é bem visível uma Guitarra do Porto.
Natural de Sabrosa, Manassés Ferreira de Lacerda Botelho nasceu em 1885, tendo falecido anonimamente no Rio de Janeiro em 1962. Entre 1901-1904 estudou no Liceu de Coimbra e colaborou frequentemente com a TAUC como actor amador e cantor. Manteve em Coimbra um grupo afamado, integrado por Adelino Sá/Manuel Ribeiro Alegre (guitarras), Francisco Pereira/Maurício Costa (violinos) e Adelino Figueira (violão). Residiu temporariamente em Bragança, tendo passado a aluno do Colégio de São Carlos no Porto, instituição situada num casarão da Rua Fernandes Tomás, nº 62. No Porto, Manassés popularizou o repertório que trouxera de Coimbra e alargou-o. Rapidamente ganhou fama como serenateiro nos meios estudantis e culturais portuenses, fama essa que ainda se mantinha em 1925 quando uma das suas brochuras de partituras foi ofertada à Associação Académica sita na Rua de São Bento. Artista amador da Belle Époque, Manassés foi o grande divo responsável pela entrada da CC nos anos de optimismo vividos pela burguesia até ao rebentamento da Grande Guerra em 1914. Voz sustentada, incorporação de sentimentais e comoventes ais neumáticos nas repetições de dísticos, compassos quaternários quanto baste nas composições estróficas. Em Coimbra tentara mesmo superar a pobreza dos acompanhamentos da guitarra em afinação natural graças à inclusão frequente de violino na tocata.
Caso para perguntar, como é que este homem quase foi varrido do mapa da CC pela gesta de António Menano, ao ponto de ter morrido no mais inquietante esquecimento no Rio de Janeiro? Quando em 9/11/1968 os antigos estudantes da UC lhe promoveram uma sentida homenagem em Sabrosa, nem sequer a filha do cantor ali presente, Marília de Lacerda Pinto, possuía as partituras do repertório paterno ou sabia que seu pai gravara discos. A referida cerimónia foi dinamizada por Divaldo Gaspar de Freitas (Piracicaba, 20/07/1912; São Paulo, 15/03/2003), tendo contado com as presenças activas de Manuel Branquinho e Jorge Gomes.
No meio de tantas perplexidades, a mais difícil de remoer é seguramente a inacessibilidade dos discos gravados por Manassés, não obstante os vãos esforços de José Moças/Anjos de Carvalho/António M. Nunes para que a Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003 se dignasse comparticipar a reedição de algumas dessas fontes preciosas. A "culpa" foi do atraso na entrada do projecto, disse-se. Pois, de atrasos, atrasamentos e atrasadores anda a História da Canção de Coimbra cheia. Um "atraso" não justifica comportamentos "atrasados"!
Imagem: brochura de João Caramalho Domingues
AMNunes
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