Todos os fins são tristes
"Serenata de Estudantes": grande plano de uma pintura mural polícroma, datável de finais da década de 1950/inícios de 60, existente na antiga República dos PAXÁS, à Ladeira do Seminário. A referida República foi fundada em 1950. Após penoso e conturbado estertor, fechou definitivamente as portas em 1987. Se responsabilidades haveria a apontar, talvez valha a pena falar de um contrato de arrendamento muito mal gerido, da incapacidade de negociar o problema junto senhorio e da negligência do último repúblico que, desconfiado perante eventuais "penetras" que não cultuassem à sua sacra ideologia, pura e simplesmente boicotou durante os derradeiros anos o processo de admissão de novos candidatos a repúblicos. Ao longo de 1987 ainda houve estudantes que se juntaram para ir pernoitar aos PAXÁS na vã esperança de iludir o senhorio. O Conselho de Repúblicas ainda tocou a rebate com um comunicado distribuído publicamente. Era demasiado tarde. O senhorio, após várias ordens de despejo, farto de esperar, entrou a matar: portas e janelas violentamente arrancadas, tecto removido sem apelo nem agravo. Pode dizer-se que radicalismos produziram outros radicalismos.
A PAXÁS era detentora de um rico património artístico, traduzido em fotografias, documentos de época, cartolas de confecção manual em cartão e papel de lustro (a meu ver muito mais interessantes do que as cartolas de fábrica) e uma notável galeria de pinturas murais. Tudo o vento e as chuvadas levaram. No dia 2/02/1988 fui propositadamente fotografar o que restava dessas pinturas. No meio dos escombros adivinhavam-se velhas cartolas desbotadas, cartazes de antigas Queimas, jornais das décadas de 50 e 60 empapados, fotografias, e os inevitáveis objectos "gentilmente ofertados" (sinais de trânsito, placas de consultórios médicos, cartazes de cinema, etc.), e as famosas pinturas. Era Inverno. Do que estava no chão a monte já nada se aproveitava. Deparei-me, em 1º lugar, com quatro quadros soltos, representando vistas de Coimbra, concretamente os Arcos do Jardim, o Paço das Escolas com a Via Latina e a Torre, a Sé Velha e a Praça da Porta Férrea. Em 2º lugar, com um diaporama de pinturas figurativas que narravam o percurso do estudante desde a chegada a Coimbra até à formatura: Desembarque na Estação, Rapanço, Apadrinhamento, Imposição do Grelo, Imposição das Fitas, Desfile de Cartolado e Formatura com Rasganço. Esta sequência era verdadeiramente notável, obrigando a uma visualização movimentada, quase em espiral, uma vez que preenchia os muros da caixa das escadarias em sentido ascendente. Em 3º lugar, detectei um belíssimo triptíco, cindido em Trupe, Serenata e Namoro. É o painel central desse desaparecido tríptico que agora se recorda nesta amostragem. Embora trabalho de amador, a definição das figuras e o tratamento da mancha cromática são de grande riqueza, revelando-nos um anónimo artista cujo nome importaria descobrir.
AMNunes
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