terça-feira, abril 18, 2006


Crise Académica de 1969 Posted by Picasa
Página de abertura do álbum fotográfico comemorativo "Coimbra, 17 de Abril de 1969. A Crise Académica", Coimbra, Edição da Câmara Municipal de Coimbra, 1999. Foi na Academia de Coimbra que mais profunda e duradouramente se fizeram sentir os efeitos do Maio de 1968, das ideologias de esquerda e das utopias libertárias associadas ao sindicalismo estudantil.
Motivo de ira para os simpatizantes do regime de então, legado incómodo aos olhos dos neo-tradicionalistas pós-1974 (afinal a Crise aboliu a praxe, as tradições e a Queima das Fitas), herança orgulhosamente reinvindicada pelo associativismo de esquerda (herança ainda hoje viva nos discursos anti-propinas), a Crise Académica de 1969 pede os seus historiadores e sociólogos.
Na fotografia, destaque para Celso Cruzeiro (advogado em Aveiro, de costas) e Alberto Martins (de pé, com Capa e Batina).
É compreensível que num exercício comparativo entre o parlamentar de hoje e o estudante de ontem os nossos jovens digam que não se trata da mesma pessoa. Diríamos que a verdade está na voz dos jovens amargurados com as poltronas onde se vieram sentar muitos dos ídolos dos sixties. A derrota de Manuel Alegre na pugna presidencial apurada em Janeiro de 2006 representou o canto do cisne das ideologias estudantis coimbrãs onde nidificaram e sonharam para além do tempo muitas gerações. Um tempo, um modo de estar na vida, uma forma de conceber a sociedade e a gestão da "res publica" que chegaram ao fim da pior maneira possível. Manuel Alegre como que soube intuir premonitoriamente um tal desfecho quando em 1999 anteviu duríssima arrogância discursiva na questão da co-incineração da cimenteira de Souselas. Decorridos escassos 6 anos, os professores portugueses, estupefactos, tomaram o gosto do férulo letago do seu eleito "iron maiden" na greve aos exames, corria Junho de 2005. Eram chegados os tempos da ressurreição de velhos estilos, em nome da omnipotente boa razão do Estado, que só a crédula ingenuidade julgava banidos das ribaltas civilizacionais.
Os contestatários de ontem passaram a sacrificar sem pudor à morte do Estado Providência, entronizando o neo-liberalismo mais primário e feroz pregado pelas governações Ronald Regan (1981-1989), Margaret Thatcher (1979-1990), Tony Blair e pseudo cientistas sociais como Charles Murray e Lawrence Mead. Cínicos e serenos, como que fulminados por estranha e oportunista amnésia, aplaudem as demenciais medidas neo-totalitárias de um qualquer "tiranossaurus-esse-covilhanensis" que à direita colhem louvores e nas esferas da velha esquerda provocam sofridas arritmias:
-a impune redução dos elementares direitos dos trabalhadores;
-a crescente usurpação de competências parlamentares por via da emissão de proclamações do Conselho de Ministros e de sinistros despachos urgentes provindos de gabinetes ministeriais e de secretários de Estado, mediante os quais se derrogam por tempo indeterminado as leis constitucionais;
-o prolongado e incómodo silêncio do Parlamento e do Tribunal Constitucional perante a suspensão por tempo indeterminado dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
-a campanha estatal de culpabilização dos funcionários públicos por todos as maleitas orçamentais, num país onde o estigmatizado judeu de outrora apenas muda de nome, para manifesto gáudio de todos os portugueses malsinantes que invejam e odeiam quem recebe o subsídio de férias ou ou 13º mês;
-a passiva desculpabilização de todos os ex-ministros e ex-secretários de Estado que tendo sido directamente responsáveis pela situação calamitosa que se vive em muitos dos serviços públicos, não só não são responsabilizados, como ocupam tranquilamente mandarinatos que são vistos como "prémios" pelas "altas funções desempenhadas";
-o regresso das liturgias demagógicas centradas na figura do 1º ministro, que em vez dos palcos de Nuremberga se serve das televisões e da tribuna parlamentar;
-a progressiva diabolização das greves e dos funcionários públicos grevistas;
-a invenção arbitrária e ilegal de um novo conceito de "serviços mínimos";
-a insidiosa campanha de desacreditação e desmantelamento das forças sindicais;
-o assassino descrédito e o supremo desprezo com que se fulminam todos os argumentos das oposições democráticas (partidárias, sindicais, associativas, cívicas), rotulados de inúteis, ou de menor valia, com base numa retórica autofágica exercida no pior estilo dos déspotas esclarecidos de antanho;
-a sibilina manipulação de certa comunicação social que, acriticamente alinhada pela cruzada política do momento, serve de instrumento de aclamação e legitimação das medidas apresentadas como as "únicas" possíveis;
-o perigoso e anticonstitucional primado do Executivo sobre os restantes poderes de Estado;
- a redução do serviço nacional de saúde num país onde há 30 anos as pessoas nasciam e morriam em casa;
-a pregação fanática da "tolerância zero" contra os professores, juizes, médicos e polícias, com correlativa instauração de trabalhos forçados gratuitos em prol da comunidade, ameaços de processos disciplinares e congelamento de progressão nas carreiras;
-o retorno do Estado Forte no estilo Pombal/Salazar;
-a ressurreição das inquietantes razões do primeiro ministro (os "Fuhrerprinzip" de 2/08/1934);
-vigilância informatizada dos cidadãos, vendida como admirável progresso tecnológico;
-a leviatânica concentração de poderes nas mãos do Ministro das Finanças, típica de um país que continua a esperar o seu messias político;
-o irracional e parolo apelo à mística da união da população em torno da chefatura messiânica de um líder omnisciente e autoproclamado capaz de salvar o país da crise económica, cujo apostolado tem sido acriticamente desempenhado por jornalistas e opinion-makers que confundem a sua profissão com a de pastores de uma qualquer seita conservadora norte-americana;
-a abusiva invocação da necessidade do sacrifício nacional, velho preceito judaico-cristão tão caro aos portugueses durante séculos, lançada sobre milhares de descendentes de emigrantes sacrificados no Brasil, França e EUA, os retornados de África e os filhos de camponeses analfabetos que há cerca de 30 anos viviam em condição de servidão agrícola e se confundiam com o gado e o estrume;
-a desonesta e sistemática campanha de promoção de valores autoritários, realizada por jornalistas coniventes com a febre leviatânica, para tanto colocando no topo das figuras da semana dos seus jornais os políticos que reputam de "corajosos";
-a deportação/confinamento forçado de milhares de portugueses por via da extinção de maternidades, deslocação de sedes de escolas primárias e encurralamento dos concursos professorais.
Não nos admiremos se virmos heróis das barricadas sixties a encolherem cinicamente os ombros perante "utopias" que apenas ficam muito bem nos álbuns das recordações. Eles queriam o "poder já" e já o conquistaram. Em nome dos que foram ficando e não se renderam... acode-nos agora aquela palavra tão dita e mil vezes escrita aos fura-greve dos exames de 1969. Os políticos são como as pombas, chegam e partem. Os portugueses ficam e adivinham os insidiosos segredos que navegam na frouxidão dos actos comemorativos. Já conheceram outros filofascistas sobre os quais se abateu a ira de Némesis.
Aqui jaz o "espírito" do 17 de Abril de 1969?
Dedico esta crónica à memória do Dr. Afonso de Sousa, nascido em Maceira, arredores de Leiria, no dia 24 de Junho de 1906, cujo centenário celebramos comovidamente, por estas e por outras legítimas inquietações que ficam sem resposta.
AMNunes

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