terça-feira, junho 20, 2006

Sobre José Tito Mackay

e a evolução da viola de acompanhamento


O texto evocativo que o Eng. Marques Inácio já aqui deixou é exemplar na complementaridade da informação objectiva – diz-se o essencial da actividade do extinto dos anos 80 para cá – com o sentimento de tristeza face à perda de um Amigo.
Uma biografia cabal – e digna de toda a confiança porque construída sobre dados facultados pelo próprio – pode ver-se em José NIZA, Um Século de Fado, II. Fado de Coimbra, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 213-215.
Uma boa foto da formação Jorge Tuna / Jorge Godinho / José Tito / Durval Moreirinhas, com os cantores António Sousa Pereira, João Barros Madeira, Mário Medeiros e Mário Pombo (1960), já aqui apareceu no blog, pedindo eu ao Octávio Sérgio o favor de verificar a data do post e, se assim o achar, recolocá-lo. (É a foto em cima)

Praticamente não conheci José Tito. Cruzei-me uma vez com ele em 1982, no final de um dos programas da série Cantos e Contos de Coimbra (RTP/2, Jun./Set.1982, real. Marques Vicente com apresentação de Sansão Coelho; transmissão em directo de um antigo cinema na Foz do Douro, a funcionar ao tempo como auditório da RTP/Porto), onde ele actuara com Frias Gonçalves, Francisco Vasconcelos e um muito jovem viola cujo nome não retive, acompanhando Fernando Rolim. Não o tendo pois verdadeiramente conhecido e só dessa vez o vendo em acção ao vivo, José Tito é para mim essencialmente uma referência, referência reportada aos dois primeiros EP's de Jorge Tuna (um instrumental, outro acompanhando João Barros Madeira), em finais da década de 50[1].
Vendo bem, os anos que vão de ca. 1957 a ca. 1965 assistiram a um conjunto de modificações de tomo na prática da viola de acompanhamento. Perdidas as raízes dos violas da década de ouro, pouco ou nada assimilado ao tempo em Coimbra o «modus faciendi» de Arménio Silva no acompanhamento de Artur Paredes (anos 40 ss.), a verdade é que, a solo ou a duo, nomes como Manuel Pepe, Levi Baptista, José Tito, Durval Moreirinhas, Paulo Alão, Humberto Matias e um pouco mais tarde Rui Pato, Jorge Moutinho, Jorge Rino, Jorge Ferraz de Oliveira ou Rui Borralho operaram uma autêntica revolução [2], ultrapassando o aparente maximum aportado até então por executantes vindos da década de 40 (Aurélio Reis, Eduardo Tavares de Melo, Mário Henriques de Castro…).
«Revolução» em quê ? – perguntareis. Respondo:

§ Basicamente, a viola assume uma tensão que a não limita ao marcar, sem mais, de compassos ternários e/ou quaternários; desenvolve-se o que já foi corrente designar como «passagens».

§ Decorrente do que, a marcação pode não ser apenas de cada compasso de per si, i.e., as tais «passagens» podem prenunciar o compasso subsequente.

§ O entrar progressivo em cena de executantes com formação de viola clássica anda perto da introdução de instrumentos menos populares/artesanais e mais próximos do que alguns construtores chamavam «viola de concerto»; as cordas de «nylon» são outra circunstãncia a considerar obrigatoriamente neste ponto.

§ Quando os instrumentistas são dois (v.g. Manuel Pepe / Levi Baptista, Manuel Pepe / Paulo Alão, José Tito / Durval Moreirinhas, Paulo Alão / Jorge Moutinho, Rui Pato / Jorge Ferraz…) de tal se tira partido com harmónicos dos 2 bordões[3]; se é só um (Durval Moreirinhas, Rui Pato, Jorge Moutinho…), o seu protagonismo acentua-se.

Em tudo isto, a actividade de José Tito até 1961 – ano em que deixa Coimbra, seguindo-se, até 1976, o tempo de serviço militar e os anos de residência em Moçambique – acaba por estar discograficamente pouco documentada. Mas ficam-nos sonoridades «quantum satis» para que nesta breve evocação, por um, a bem dizer, seu desconhecido, o nome do que agora nos deixou tenha destaque e seja logicamente enquadrável numa evolução que vai de meados dos fifties a meados dos sixties.
Em resumo e para fechar: José Tito Mackay ficou na História da viola de acompanhamento, desde logo, desses decénios; mesmo que, ao tempo, pouco tenha gravado.

Lisboa, 20 de Junho de 2006

Armando Luís de Carvalho HOMEM

[1] Sobre estas gravações cf. o que escrevi em «Jorge Tuna: para uma abordagem ternária de um Mestre da Guitarra de Coimbra», Revista Portuguesa de História, XXXVI/2 (2002-2003), pp. 397-416, maxime 399-403 (disponível neste blog, em post de 2005/04/05]).
[2] Para além de outros nomes menos conhecidos por menor presença discográfica; e sem esquecer ainda o caso lateral dos acompanhantes de Carlos Paredes, sucessivamente António Leão Ferreira Alves e Fernando Alvim.
[3] Isso é visível, ainda que por vezes discretamente, no acopanhamento de Barros Madeira no mencionado EP de Jorge Tuna e demais instrumentistas; e é particularmente nítido no acompanhamento das «Variações de Coimbra» de Afonso de Sousa e nas «Variações em mi m» e «em lá m» do próprio J. Tuna no outro dos mencionados EP's. Posted by Picasa

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