quarta-feira, agosto 02, 2006

José Afonso nasceu há 77 anos


Faz hoje 77 anos que nasceu José Afonso (1929), aqui numa foto no Coliseu, acompanhado por Octávio Sérgio e o filho António Sérgio (hoje, o compositor Sérgio Azevedo). Segue-se um texto de Luiz Goes, do Blog da AJA.
Falar do Zeca é falar de um grande amigo com quem convivi muito intimamente em Coimbra, sobretuto nos anos 50.
Quando se dão os grandes acontecimentos dos anos 60 eu já não estava lá, já me tinha formado. O Zeca se fosse vivo tinha mais quatro anos do que eu de idade, mas eu era dos cantores o que me formei mais cedo, porque tinha a mania de ser bom aluno, e não era suficientemente boémio, se fosse hoje, reprovava mais de dez anos.
Formara-me em Outubro de 1958 e em 1959 já estava em Lisboa, nos Hospitais Civis, e a partir daí perdi aquele contacto diário, constante, com esses meus queridos amigos, o Zeca era um deles. Como é evidente, com essa vinda para Lisboa, perdi o convívio com aquela geração, e com aqueles acontecimentos da época lá em Coimbra. Mas acompa­nhei-os muito de perto.
Entretanto fui mobilizado, para a Guiné, onde estive dois anos e, quando voltei, procurei recuperar o tempo que tinha perdido em termos de cantigas, estimulado por terceiros. Depois lá recuperei um pouco e entrei numa fase da minha vida, mais amadurecida talvez, mais velho por dentro também, e, naturalmente, modifiquei a minha maneira de ser. Mas, falar do Zeca é falar de uma pessoa inesquecível. Do seu talento, do seu lirismo, no fundo, para mim, o Zeca foi sempre um lírico, punha as palavras também ao serviço do coração. Eu sei que era assim. E depois de tantos episódios curiosos vou-lhes lembrar apenas um. Eu durante muito tempo não fui repúblico em Coimbra, porque a minha mãe vivia lá, pois eu sou natural de Coimbra. Devo ser talvez, o único cantor conhecido, pelo menos do nosso tempo, que tenha nascido em Coimbra, de maneira que tinha casa. O Zeca já era casado, era a primeira mulher, tinha dois filhos e a minha casa era uma "República", e então, muitas vezes, o Zeca chegava e dizia assim: "à D. Leopoldina", que era a minha mãe, "não se importa que os miúdos fiquem aí?" E a minha mãe respondia: "à Sr. Doutor", a minha mãe tratava toda a gente por doutores, porque era costume lá em Coimbra, um indivíduo desde que tivesse capa e batina tratava-se logo por senhor doutor, desde o primeiro ano, "isto é uma maravilha, hem?". Entretanto ficavam lá os dois miúdos e o Zeca esquecia-se. Um dia, a minha mãe, ao fim de dois dias, disse-me assim: "à Luís, desculpa lá, eu sou muito amiga do Zeca, mas ele. . . quando é que? .. " E eu: "... O quê? ainda cá estão?..." Tinha-se esquecido. Depois ia buscá-los. Isto é um episódio que revelo com muita ternura, com muita saudade e com muita afectividade. Eu tenho orgulho de ter pertencido à geração dele, e também, em ter contribuído à minha maneira, para que as coisas mudassem. Mas não me esqueço dele. Foi um grande amigo, é uma grande memória, uma pessoa que eu trago sempre no coração e na minha sensibi­lidade.
Luiz Goes

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