sábado, agosto 05, 2006


Mãe dos Bacharéis Posted by Picasa
"Alma Mater" ou "A Mãe dos Bacharéis" é uma caricatura da Universidade de Coimbra criada por Rafael Bordalo Pinheiro em 1882. Corrosiva, assimila a UC ao "obscurantismo" de Antigo Regime, ao "fanatismo" habitualmente atirado à cara da Companhia de Jesus e ao "despotismo" pombalino. A UC era insinuada como uma caquética dona setecentista, com cabeleira de topes e saia convertida em barrete doutoral (=borla), insígnia a que os estudantes progressistas jocosamente chamavam "apagador do senso comum". Alude-se, em jeito de denúncia, ao odiado Foro Académico que na realidade já não existia desde o triunfo liberal de 1834, porquanto transformado em Regulamento Disciplinar da UC (podendo embora sindicar alunos, prendê-los provisoriamente ou expulsá-los).
A caricatura vinha acompanhada por um sanguinário e palavroso texto de Ramalho Ortigão, alvitristas que faz suas as queixas das gerações republicana, socialista e anarquista que haviam explodido entre a Questão Coimbrã, as Conferências do Casino e o Tricentenário de Camões.
Sendo certo que a UC era uma instituição fiel ao rei e à causa monárquica, além de zelosa cumpridora dos preceitos do Concílio de Trento, dispunha de lentes pedagogicamente odiados em Direito e Teologia.
A lições de muitos destes lentes cheios de tiques teatrais, vozes monótonas de adormecer um morto e alfobres de citações em latim e francês, eram o prato forte das anedotas estudantis, alimentando récitas de cursos e ácidas historietas. Relendo as memórias académicas coevas, há que dar razão aos muitos alunos que nos anfiteatros de Direito e Teologia sofreram autênticas torturas antipedagógicas.
Far-se-á ressalva, no entanto, para precisar que os lentes de Direito e de Teologia não representavam todos os cursos da UC e que mesmo esses lentes destituídos de noções elementares de pedagogia afinal estavam mesmo muito actualizados no plano científico.
A Biblioteca da Faculdade de Direito da UC é riquíssima em publicações portuguêsas, francesas, alemãs, italianas e inglesas. Percorrendo o catálogo dessa biblioteca, lendo esses livros e cotejando os respectivos conteúdos com as "sebentas" publicadas pelos lentes conimbricenses do último quartel do século XIX e inícios do século XX, asinha se conclui que os lentes tão virulentamente acusados até podiam não pescar nada de pedagogia, mas em termos científicos dominavam como profundidade as matérias leccionadas e estavam a par do mais fresco que se ia estudando nas escolas superiores europeias. E não se limitavam a importar ideias e a partir delas forjar teorias ecléticas (quem não conhece a célebre tirada coimbrã "a nossa solução é"...), propondo alguns interpretações e soluções lidas e respeitadas internacionalmente.
Fonte: Rafael Bordalo Pinheiro, "Álbum das Glórias", Lisboa, Expresso, 2005.
AMNunes

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