ANTÓNIO MENANO
(Fornos de Algodres, 05-05-1895; Lisboa, 11-09-1969)
Por José Anjos de Carvalho e António Manuel Nunes
I - Cintilações e Gorjeios de um “Rouxinol”
(Roteiro biográfico e artístico)
Natural de Fornos de Algodres, António Paulo Menano é um dos poucos divos cujo nome ornamenta em letras douradas a abóbada da “Capela Sistina” da Galáxia Sonora Coimbrã (conceito avançado por Vera Lúcia Vouga, “Na Galáxia Sonora: Sobre o Fado de Coimbra”, Porto, 1991, depois generalizado em ensaios de Armando Luís de Carvalho Homem).
Nascido nas faldas da Serra da Estrela, oriundo de uma família numerosa, António Menano é o mais conhecido e popular cantor de Fados de Coimbra do seu tempo e um dos “magníficos” da Década de Oiro. Era filho de António da Costa Menano e de Januária Augusta Paulo, domiciliados em Fornos de Algodres.
À semelhança de Augusto Hylario que em vida gerara uma autêntica onda de hilariomania, António Menano foi considerado o novo Hylario do primeiro terço do século XX. A sua voz, composições e reportório, originaram um fenómeno de menanomania ainda hoje difícil de avaliar. Além das digressões artísticas feitas um pouco por todo o Portugal continental, António Menano deslocou-se a Espanha, França e Alemanha como artista no activo. Foi ouvido por todo o Portugal continental, insular e ultramarino. A sua voz chegou ao Brasil e aos EUA.
Entre 1918-1925, antes do ciclo de gravação de discos de 78 rpm, o já amplo reportório musical impresso de António Menano era vendido em casas de música, quiosques, e no distante Brasil. O espectro reportorial mais popularizado de António Menano foi tocado por filarmónicas, tunas, grupinhos de liceais, operários fabris e meninas de famílias burguesas com instrução pianística. Por exemplo, Menano estava muito bem representado na fonoteca do teatro recreativo dos operários da Fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, pela década de 1930 (testemunho do maestro João Anjo em 2002). Apodado de o “Rouxinol do Mondego”, António Menano parecia ser o equivalente do Carlos Gardel à portuguesa, reunindo todas as condições para se transformar numa vedeta de alcance internacional.
Num volte-face difícil de explicar, e estando o artista no auge da fama e das solicitações, António Menano domiciliou-se com a família em Moçambique no ano de 1933. Seguiu-se o silêncio. A Medicina tinha triunfado sobre a Música. Nem participações no Rádio Clube de Moçambique, nem saraus nos círculos de antigos estudantes da UC radicados em Lourenço Marques, nem cumprimentos aos organismos académicos que se deslocavam em digressão a Moçambique. Na opinião dos antigos estudantes da UC domiciliados em Lourenço Marques, a responsável pelo “sequestro” artístico de António Menano seria a sua esposa, Henriqueta Menano que o teria pressionado a escolher entre o casamento e a carreira artística. Este pormenor da micro-história, sendo verídico, foi-nos confirmado pelo filho do cantor, Eng. António Nuno Menano.
António Menano nunca falou publicamente sobre os motivos familiares que estiveram na origem da sua retirada dos meios artísticos, quando tudo indicava que se movimentava com grande à vontade em campos como a cultura de rua (serenatas), a cultura de palco (espectáculos) e os salões animados pelas elites burguesas e aristocráticas. António Menano tinha jeito para os palcos, não se incomodando em interpretar qualquer tipo de reportório do agrado do público. Colaborou nas campanhas de marketing que rodearam a edição do seu reportório e com ele, a Canção de Coimbra ganhou o estatuto de mercadoria posicionada no circuito dos bens de consumo para as massas.
António Menano está tão intimamente ligado ao chamado Fado de Coimbra e este a ele que, na verdade, não se podem dissociar um do outro. Na opinião dos admiradores coevos, falar de António Menano é falar do Fado de Coimbra e da Década de Oiro (1920-1930), numa espécie de simbiose mística.
Segundo nos conta João Seabra em tom exaltado (“Revista Turismo”, Nº 56, de Jan/Fev de 1944), a lembrança e a saudade de Hilário foram esmorecendo com o tempo mas as guitarradas e os cantadores continuaram a ouvir-se no Mondego; um dia todos os rouxinóis se calaram para ouvir um outro que erguia mais alto os seus harmoniosos trinados, o estudante António Menano. Mais nos conta o autor citado que a recordação do seu nome trazia à memória a loucura que se apossou de Coimbra e, depois, de Lisboa e de todas as terras do país, para ouvirem a sua admirável voz de tenor. Diz-nos ainda que iam a Coimbra milhares de pessoas só para o ouvir cantar e que, em Lisboa, nalgumas festas em que participou, mesmo em recintos de grande lotação, como o Coliseu dos Recreios e o Jardim Zoológico, os bilhetes se esgotavam e a ansiedade para o ouvir era enorme, tendo-lhe sido prestadas ovações “como raras vezes se fizeram às maiores celebridades líricas”.
(Fornos de Algodres, 05-05-1895; Lisboa, 11-09-1969)
Por José Anjos de Carvalho e António Manuel Nunes
I - Cintilações e Gorjeios de um “Rouxinol”
(Roteiro biográfico e artístico)
Natural de Fornos de Algodres, António Paulo Menano é um dos poucos divos cujo nome ornamenta em letras douradas a abóbada da “Capela Sistina” da Galáxia Sonora Coimbrã (conceito avançado por Vera Lúcia Vouga, “Na Galáxia Sonora: Sobre o Fado de Coimbra”, Porto, 1991, depois generalizado em ensaios de Armando Luís de Carvalho Homem).
Nascido nas faldas da Serra da Estrela, oriundo de uma família numerosa, António Menano é o mais conhecido e popular cantor de Fados de Coimbra do seu tempo e um dos “magníficos” da Década de Oiro. Era filho de António da Costa Menano e de Januária Augusta Paulo, domiciliados em Fornos de Algodres.
À semelhança de Augusto Hylario que em vida gerara uma autêntica onda de hilariomania, António Menano foi considerado o novo Hylario do primeiro terço do século XX. A sua voz, composições e reportório, originaram um fenómeno de menanomania ainda hoje difícil de avaliar. Além das digressões artísticas feitas um pouco por todo o Portugal continental, António Menano deslocou-se a Espanha, França e Alemanha como artista no activo. Foi ouvido por todo o Portugal continental, insular e ultramarino. A sua voz chegou ao Brasil e aos EUA.
Entre 1918-1925, antes do ciclo de gravação de discos de 78 rpm, o já amplo reportório musical impresso de António Menano era vendido em casas de música, quiosques, e no distante Brasil. O espectro reportorial mais popularizado de António Menano foi tocado por filarmónicas, tunas, grupinhos de liceais, operários fabris e meninas de famílias burguesas com instrução pianística. Por exemplo, Menano estava muito bem representado na fonoteca do teatro recreativo dos operários da Fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, pela década de 1930 (testemunho do maestro João Anjo em 2002). Apodado de o “Rouxinol do Mondego”, António Menano parecia ser o equivalente do Carlos Gardel à portuguesa, reunindo todas as condições para se transformar numa vedeta de alcance internacional.
Num volte-face difícil de explicar, e estando o artista no auge da fama e das solicitações, António Menano domiciliou-se com a família em Moçambique no ano de 1933. Seguiu-se o silêncio. A Medicina tinha triunfado sobre a Música. Nem participações no Rádio Clube de Moçambique, nem saraus nos círculos de antigos estudantes da UC radicados em Lourenço Marques, nem cumprimentos aos organismos académicos que se deslocavam em digressão a Moçambique. Na opinião dos antigos estudantes da UC domiciliados em Lourenço Marques, a responsável pelo “sequestro” artístico de António Menano seria a sua esposa, Henriqueta Menano que o teria pressionado a escolher entre o casamento e a carreira artística. Este pormenor da micro-história, sendo verídico, foi-nos confirmado pelo filho do cantor, Eng. António Nuno Menano.
António Menano nunca falou publicamente sobre os motivos familiares que estiveram na origem da sua retirada dos meios artísticos, quando tudo indicava que se movimentava com grande à vontade em campos como a cultura de rua (serenatas), a cultura de palco (espectáculos) e os salões animados pelas elites burguesas e aristocráticas. António Menano tinha jeito para os palcos, não se incomodando em interpretar qualquer tipo de reportório do agrado do público. Colaborou nas campanhas de marketing que rodearam a edição do seu reportório e com ele, a Canção de Coimbra ganhou o estatuto de mercadoria posicionada no circuito dos bens de consumo para as massas.
António Menano está tão intimamente ligado ao chamado Fado de Coimbra e este a ele que, na verdade, não se podem dissociar um do outro. Na opinião dos admiradores coevos, falar de António Menano é falar do Fado de Coimbra e da Década de Oiro (1920-1930), numa espécie de simbiose mística.
Segundo nos conta João Seabra em tom exaltado (“Revista Turismo”, Nº 56, de Jan/Fev de 1944), a lembrança e a saudade de Hilário foram esmorecendo com o tempo mas as guitarradas e os cantadores continuaram a ouvir-se no Mondego; um dia todos os rouxinóis se calaram para ouvir um outro que erguia mais alto os seus harmoniosos trinados, o estudante António Menano. Mais nos conta o autor citado que a recordação do seu nome trazia à memória a loucura que se apossou de Coimbra e, depois, de Lisboa e de todas as terras do país, para ouvirem a sua admirável voz de tenor. Diz-nos ainda que iam a Coimbra milhares de pessoas só para o ouvir cantar e que, em Lisboa, nalgumas festas em que participou, mesmo em recintos de grande lotação, como o Coliseu dos Recreios e o Jardim Zoológico, os bilhetes se esgotavam e a ansiedade para o ouvir era enorme, tendo-lhe sido prestadas ovações “como raras vezes se fizeram às maiores celebridades líricas”.
O Dr. João Falcato vai até mais longe e afirma que “essas ovações apoteóticas nunca se fizeram às maiores celebridades líricas” (in “Coimbra dos Doutores”, 1957, pág. 169). O médico Fernando da Silva Correia (1893-1960), contemporâneo e admirador de António Menano utilizou a figura do artista para construir o personagem do mavioso “Passarinho”, no romance de quilate literário menor “Vida Errada. O Romance de Coimbra”, 1ª edição de 1933 (outro inspirador foi Fausto de Almeida Frazão). A voz de António Menano gerou um imparável movimento de solicitações. Era procurado e visitado para ser ouvido por admiradores de ambos os sexos. Eram-lhe oferecidas letras para por em música, como aconteceu com a "Carta de Longe", uma encomenda que António de Sousa pretendia dedicar à esposa. Eram-lhe ofertadas composições para efeitos de estreia, como "Saudades", de Paulo de Sá, "Fado d'Anto", de Francisco Menano, D'Um Olhar, de Alexandre Rezende, e "Um Fado", de Varela Cid.
Tamanha e invulgar singularidade artística em nada confirma o lendário oral escrito por Paul Vernon em Março de 1995 no CD "António Menano (1927-1928). Fado's Archives V", London, Interstate Music Ltd, reeditado em Portugal pela Tradisom, sobretudo nas matérias que pretendem assacar ao cantor uma espécie de precocidade mozartiana. O facto de António Menano cantar fados desde criança e temas da CC, apenas corrobora que estava familiarizado com a guitarra e a CC através dos irmãos que tinham estudado em Coimbra, e que também conhecia fados no estilo de Lisboa provincialmente popularizados. Não poderia nunca ter composto o oitocentista "Fado da Severa" (atribuído a Sousa Casacão, sofrera impressão musical no séc. XIX), nem o "Fado Maria Victória" (maestro Alves Coelho), nem o "Fado Maria"="Fado Manassés" (Manassés de Lacerda), como também não protagonizou a passagem da CC do século XIX para o século XX com a adopção generalizada do compasso quaternário nas monodias estróficas (fenómeno que teve por figura central Manassés de Lacerda).
Os chamados “irmãos Menanos” constituíram a mais famosa e fecunda plêiade de artistas que passou por Coimbra entre finais do século XIX e o crepúsculo do primeiro quartel do século XX. José Paulo Menano e Paulo da Costa Menano (1881-1960), ambos formados em Direito, em 1901 e 1903 respectivamente, notabilizaram-se em récitas e outras actividades artísticas. Tocavam guitarra em afinação natural. Francisco Paulo Menano (1888-1970), chegado ao Liceu de Coimbra em 1905, formado em Direito no ano de 1912, colaborou na parte musical do rancho promotor das Fogueiras de São João activo no Largo de São João de Almedina (Largo do Museu Machado de Castro), foi 2º tenor e ensaiador do Orfeon de António Joyce, guitarrista, compositor amador e recolector de canções populares destinadas ao Orfeon Académico e Orfeon da Figueira da Foz. Após a formatura estabeleceu-se por alguns anos na Figueira da Foz, mas continuou a participar com regularidade em eventos ligados a Coimbra, nos quais iam aparecendo António Menano, Agostinho Fontes e Paulo de Sá.
Horácio Paulo Menano (1890-1972?), formado em Filosofia (1912) e Medicina (1915), destacou-se como cantor e executante de guitarra em afinação natural. Andaram ainda em Coimbra Abel Menano e Alberto Menano (formado em Direito no ano de 1919-1920), discretos tocadores de guitarra. À semelhança de seus irmãos, António Menano sabia dedilhar em guitarra afinada pelo natural os acordes básicos de acompanhamento do canto. Possuía guitarra e nas serenatas espontâneas costumava cantar e acompanhar-se, prática confirmada por testemunhos oculares (testemunhos prestados por Jorge “Xabregas” e José de Almeida Borges).
Quando António Menano se matriculou na Faculdade de Medicina da UC em Outubro de 1914, seu irmão Francisco já se encontrava formado em Direito e a trabalhar como jurista na Figueira da Foz. O apadrinhamento do jovem cantor caberia a Paulo de Sá, guitarrista que trabalhou como notário em Coimbra até 1919. Paulo de Sá compusera recentemente o tema “Saudades” (Saudades são orações), com letra de Alfredo Fernandes Martins, dedicando-o ao seu jovem afilhado que se estreou na melodia de Capa e Batina, num jeito muito peculiar que consistia em colocar os dois dedos polegares nos bolsos do colete (testemunho de José Archer de Carvalho). E o tema logo fez sucesso, pois em 1915 a Livraria Neves fez sair uma 2ª edição cuja tiragem se abeirou do “3º milhar”.
A escola vocal seguida por António Menano não seria, contudo, um mero repisar dos ensinamentos colhidos em mentores como Paulo de Sá, Francisco Menano e Agostinho Fontes. Muito rapidamente, fruto de sensibilidade própria e da continuada presença no Orfeon Elias de Aguiar, António Menano definiu um estilo vocal interpretativo diferente do consagrado no meio estudantil pela “Escola à Manassés”. Simultaneamente, distanciou-se das práticas vocais em usança na cultura popular local, preservadas nos discos dos Irmãos Caetanos. Aproveitando a herança da vocalização ariosa e dos prolongamentos de ais neumáticos ad libitum, Menano apostou sobretudo no forte contraste entre crescendos agudos e prolongamentos em pianíssimo. As frases passaram a ser entoadas com sentimentalidade muito vincada, coloridas com plangentes ultra-românticos. O cantor mostrou-se muito cuidadoso com a acentuação das sílabas tónicas e na adopção da fonética coimbrã, evitando desagradáveis efeitos auditivos. Amigo e companheiro de deambulações de António Menano, Mário Machado destaca-lhe os “pianíssimos impressionantes”, as “rápidas e perfeitas transições de frases” (Cf. Mário Machado”, “O Rouxinol do Mondego”, Rua Larga, Nº 42, 12 de Julho de 1960), em alusão a uma técnica vocal a que não seriam alheios os treinos orfeónicos implementados por Elias de Aguiar e a audição atenta da imensa discografia de Caruso.
Os chamados “irmãos Menanos” constituíram a mais famosa e fecunda plêiade de artistas que passou por Coimbra entre finais do século XIX e o crepúsculo do primeiro quartel do século XX. José Paulo Menano e Paulo da Costa Menano (1881-1960), ambos formados em Direito, em 1901 e 1903 respectivamente, notabilizaram-se em récitas e outras actividades artísticas. Tocavam guitarra em afinação natural. Francisco Paulo Menano (1888-1970), chegado ao Liceu de Coimbra em 1905, formado em Direito no ano de 1912, colaborou na parte musical do rancho promotor das Fogueiras de São João activo no Largo de São João de Almedina (Largo do Museu Machado de Castro), foi 2º tenor e ensaiador do Orfeon de António Joyce, guitarrista, compositor amador e recolector de canções populares destinadas ao Orfeon Académico e Orfeon da Figueira da Foz. Após a formatura estabeleceu-se por alguns anos na Figueira da Foz, mas continuou a participar com regularidade em eventos ligados a Coimbra, nos quais iam aparecendo António Menano, Agostinho Fontes e Paulo de Sá.
Horácio Paulo Menano (1890-1972?), formado em Filosofia (1912) e Medicina (1915), destacou-se como cantor e executante de guitarra em afinação natural. Andaram ainda em Coimbra Abel Menano e Alberto Menano (formado em Direito no ano de 1919-1920), discretos tocadores de guitarra. À semelhança de seus irmãos, António Menano sabia dedilhar em guitarra afinada pelo natural os acordes básicos de acompanhamento do canto. Possuía guitarra e nas serenatas espontâneas costumava cantar e acompanhar-se, prática confirmada por testemunhos oculares (testemunhos prestados por Jorge “Xabregas” e José de Almeida Borges).
Quando António Menano se matriculou na Faculdade de Medicina da UC em Outubro de 1914, seu irmão Francisco já se encontrava formado em Direito e a trabalhar como jurista na Figueira da Foz. O apadrinhamento do jovem cantor caberia a Paulo de Sá, guitarrista que trabalhou como notário em Coimbra até 1919. Paulo de Sá compusera recentemente o tema “Saudades” (Saudades são orações), com letra de Alfredo Fernandes Martins, dedicando-o ao seu jovem afilhado que se estreou na melodia de Capa e Batina, num jeito muito peculiar que consistia em colocar os dois dedos polegares nos bolsos do colete (testemunho de José Archer de Carvalho). E o tema logo fez sucesso, pois em 1915 a Livraria Neves fez sair uma 2ª edição cuja tiragem se abeirou do “3º milhar”.
A escola vocal seguida por António Menano não seria, contudo, um mero repisar dos ensinamentos colhidos em mentores como Paulo de Sá, Francisco Menano e Agostinho Fontes. Muito rapidamente, fruto de sensibilidade própria e da continuada presença no Orfeon Elias de Aguiar, António Menano definiu um estilo vocal interpretativo diferente do consagrado no meio estudantil pela “Escola à Manassés”. Simultaneamente, distanciou-se das práticas vocais em usança na cultura popular local, preservadas nos discos dos Irmãos Caetanos. Aproveitando a herança da vocalização ariosa e dos prolongamentos de ais neumáticos ad libitum, Menano apostou sobretudo no forte contraste entre crescendos agudos e prolongamentos em pianíssimo. As frases passaram a ser entoadas com sentimentalidade muito vincada, coloridas com plangentes ultra-românticos. O cantor mostrou-se muito cuidadoso com a acentuação das sílabas tónicas e na adopção da fonética coimbrã, evitando desagradáveis efeitos auditivos. Amigo e companheiro de deambulações de António Menano, Mário Machado destaca-lhe os “pianíssimos impressionantes”, as “rápidas e perfeitas transições de frases” (Cf. Mário Machado”, “O Rouxinol do Mondego”, Rua Larga, Nº 42, 12 de Julho de 1960), em alusão a uma técnica vocal a que não seriam alheios os treinos orfeónicos implementados por Elias de Aguiar e a audição atenta da imensa discografia de Caruso.
A imagem de António Menano como "menino prodígio" ou "cantor génio" constitui um eco tardio de uma crença típica do Romantismo do século XIX. O Ballet Romântico tinha vivido um processo de refinamento virtuosístico, assente no treino codificado dos movimentos, na coreografia dos "grandes temas" e na introdução do trabalho de pontas que conferia às bailarinas titulares uma sugestão de voo sobre os tablados. A ópera tivera as suas divas e a execução pianística atingira exageros dificilmente superáveis. Menano congregava alguns desses predicados românticos: tenor extenso, versatilidade interpretativa, timbre cativante, bom ouvido, sentido de ritmo e de palco.
Quando António Menano se começa a afirmar em Coimbra, a pintura, a escultura, a poesia, o ballet e a música erudita, estavam a viver complicados processos de ruptura em relação aos códigos estéticos tradicionais, apontando para trilhos alinhados pela primeira grande ofensiva modernista do século XX. Embora praticada por elites letradas, a CC mantinha-se totalmente alheia às interpelações estéticas formuladas pelas várias artes do tempo, por um lado devido ao esmagador peso das representações ultra-românticas, por outro devido à condição de marginalidade que a vinha a situar no campo das chamadas "artes menores".
António Menano era dono de uma voz extensa, segura, geradora de enorme comoção pública. Composições como "Fado Hylario Moderno" e "Fado do Choupal" permitiam a António Menano proezas vocais consideradas inauditas. Os agudíssimos ais podem ser vistos como o equivalente local do dançar em pontas, das notas das sopranos líricas que partiam vidros, ou dos insuperáveis galopes de Franz Liszt sobre os teclados dos pianos. O pendor estrófico de grande parte do seu reportório de serenateiro permitia fenómenos rápidos e eficazes de empatia entre o cantor e o grande público. No final de um sarau realizado em Coimbra ou num qualquer outro palco regional, o público vinha para a rua assobiar as melodias mais aplaudidas de António Menano. O cantor poderia ter seguido carreira nos grandes palcos ocidentais da música clássica, à semelhança de Tomás Alcaide.
Paulo de Sá afirmou-se um grande apreciador do estilo António Menano e sofreu um enorme desgosto pelo facto de não ter gravado discos com o cantor no final da década de 1920. Já Francisco Menano, fiel ao “estilo Manassés”, na década de 1960 continuava a arreliar-se com o irmão, dizendo-lhe “Não é assim António!” A António Menano se deve a instauração de uma nova “escola de canto” em Coimbra, a Escola Ultra-Romântica, depois seguida por cantores como José Paradela de Oliveira, Lucas Rodrigues Junot e até Armando Goes.
António Menano viu despontar a sua estrela em Fevereiro de 1915, numa homenagem promovida a António Nobre pela revista “A Galera”. Francisco Menano compôs especificamente para esse acto o “Fado d’Anto”, tendo ido a Coimbra acompanhar o tema à guitarra na voz de seu irmão António Menano. Outro momento alto de “revelação” teve lugar em Março de 1915, caloiro ainda, quando cantou reportório de serenata em Aveiro, acompanhado à guitarra por seu irmão Horácio, então quintanista de Medicina, num sarau organizado pela AAC, com a participação da TAUC e do Orfeon. Foi nesse ano lectivo que se procedeu à reorganização do Orfeon Académico, agora sob a regência do Padre Dr. Elias Luís de Aguiar e onde António Menano se tornou solista e ensaiador do naipe dos primeiros tenores, passando também a cantor “titular” de fados e canções nos saraus e noutros espectáculos e actividades que se realizavam.
No final do referido ano lectivo, em 10 de Junho de 1915, na festa de homenagem a Luís de Camões promovida pelos alunos do Liceu José Falcão, de Coimbra, António Menano foi convidado a participar e, em vez dos habituais fados, apareceu a cantar um trecho de “Os Lusíadas”, que fora musicado pelo Dr. Elias de Aguiar.
É também em 1915 que surgem, numa primeira edição musical publicada pela Livraria Neves, à Rua Larga, duas composições da autoria de António Menano. Essa publicação, intitulada “Os Três Mais Lindos Fados de Coimbra”, compreendia D’um Olhar (As meninas dos meus olhos), de Alexandre de Rezende, dedicado “Ao António Menano”, com três quadras populares, sendo os outros dois fados do próprio António Menano: o Fado das Morenas (Todos gostam das morenas), dedicado “Ao Estevão Neto”, com uma quadra de Ribeiro de Carvalho e três outras de Fernando Correia, e o Fado da Noite (Há quem diga que quem chora), dedicado “Ao J. Gambôa”, com cinco quadras de Alfredo Fernandes Martins, o Fernandes Martins que frequentava Direito e que em 25 de Novembro de 1920 foi um dos protagonistas da “Tomada da Bastilha”.
No ano lectivo seguinte, 1915-1916, em Fevereiro, na excursão do Orfeon Académico ao Porto, Braga e Vila do Conde, António Menano consagra-se definitivamente como estrela de primeira grandeza do meio artístico coimbrão, acompanhado à guitarra por Paulo e Sá e Alberto Menano.
Os anos de 1917, 1918 e 1919 constituem um período relativamente morno em termos de Fados e Guitarradas, contribuindo em parte para isso a entrada de Portugal na Grande Guerra – a Alemanha declara guerra a Portugal em 16 de Março de 1916, inicia-se a mobilização militar e a constituição do Corpo Expedicionário Português (CEP) e, no princípio de 1917, começam os primeiros embarques de tropas portuguesas para a Flandres.
O reportório interpretado por Menano reflecte a comoção nacional provocada pelo conflito e os efeitos da propaganda governamental em curso. Surge o “Fado Patriótico”, com letra de pendor guerreiro e pró-nacionalista assinada por Alfredo Fernandes Martins. Porém, não tendo a produção coimbrã um filão narrativo apto a “noticiar” os acontecimentos da Grande Guerra, António Menano optou por cantar e mais tarde gravar fados de Lisboa que abordavam especificamente a Batalha de La Lys (09/04/1918), os mutilados e conceitos como a bravura e o heroísmo.
Outro motivo que originou um arrefecimento temporário no interior da Galáxia Sonora Coimbrã foi o artigo de Manuel da Silva Gaio (1860-1934), ao tempo Secretário da UC, publicado na «Illustração Portugueza» de 29/04/1918, pedindo aos estudantes para não cantarem o «venenoso cogumelo do fado, produto originário da viela urbana» e, em vez disso, entoarem as cantigas populares do Orfeon. Silva Gaio não era visto como um alivitrista coerente, pois na década de 1890 assinara letras para melodias serenateiras, como a “Canção do Mondego” , de Alexandre Rey Colaço (Vendo correr-te o pranto) que entre 1894 e os inícios do século XX atingiu pelo menos a 16ª edição e foi distribuída em Portugal e no Brasil.
Os ruidosos protestos traduziam ecos de um mal-estar que se arrastava. Era a polémica Pró-Fado/Anti-Fado que vinha a mobilizar as elites letradas portuguesas, cujos arautos mais esforçados sobrepunham argumentos ideológicos ao debate meramente musicológico. Contextualizando a questão em termos simples, os letrados que produziam a cultura escrita do tempo e alimentavam as discussões mais actualizadas, não distinguiam entre Fado e Canção de Coimbra. No entanto, o pomo da discórdia residia na representação do Fado como uma espécie de tumor social citadino que importaria remover rapidamente para que não contaminasse a sociedade. As elites aconselhavam o uso do folclore rural como matriz inspiradora e redentora das energias da "nação", mas não o Fado. O debate arrastar-se-ia até 1974 sem entendimento possível, obrigando os que gostavam do Fado a fazerem públicas profissões de fé contra a “menoridade fadística”, como aconteceu com Fernando Lopes Graça, um secreto admirador de Hermínia Silva. E a mudança de regime político não alterou a visão redutora do problema, dado que as linhas de força do conflito são comuns a figuras activas na Monarquia Constitucional, 1ª República, Ditadura Militar e Estado Novo.
Vivia-se então no meio académico e nos círculos intelectuais conimbricenses um ambiente hostil ao Fado, cujas formulações críticas não distinguiam entre a produção fadística lisboeta (a mais veementemente condenada) e a produção estética coimbrã. Para este ambiente havia contribuído o Eng. António Arroyo, irmão do fundador do Orfeon, que em 01 de Maio de 1909 fora proferir a Coimbra uma demolidora palestra sobre o Fado (Cf. “O canto coral e a sua função social. Conferência proferida no dia 1 de Maio de 1909”, Coimbra, França Amado Editor, 1909; idem, “Duas Palavras”, prefácio à obra de Pedro Fernandes Tomás, “Cantares do Povo”, Coimbra, França Amado Editor, 1919). De acordo com Fernando da Silva Correia, “Vida Errada. O romance de Coimbra, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1960, pág. 288, o grande crítico académico do Fado nesses anos foi o estudante de Medicina José Maciel Ribeiro Fortes, mais tarde autor da publicação “O Fado: ensaios sobre um problema etnográfico-folclórico”, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926.
Adoptando o discurso eugénico e moralista da época, e propondo a superioridade da cultura campestre sobre o mundo citadino, António Arroyo condenava explicitamente o Fado e rotulava-o como produto cultural inferior. Exortava os orfeonistas de António Joyce a trazerem canções populares das suas terras de origem para o maestro harmonizar a quatro vozes, como já havia sucedido em 1880 com os cantores regidos por João Arroyo.
O estudante de Direito e regente do Orfeon António Avelino Joyce, integrava a corrente nacionalista apostada no chamado “reaportuguesamento”, que conheceu formulações em Raul Lino (casas à portuguesa), Alexandre Rey Colaço (canções populares), Antero da Veiga (rapsódias populares), José Viana da Mota, Ruy Coelho, Afonso Lopes Vieira e outros. Joyce corroborava inteiramente os pontos de vista de António Arroyo. Enquanto regente do Orfeon, Joyce não compôs um único tema de serenata, nem nada que se pudesse assemelhar a "fados", tendo deixado apenas rapsódias populares que chegaram a ser gravadas em disco pelo Orfeon e uma balada de despedida de curso (1912).
Os sócios do Orfeon descobriam dotes de folcloristas, aprofundando o sentimento regionalista e dando continuidade às “viagens” românticas propostas por Garrett. Nascia a lenda de uma CC concebida como resultado do conjunto de cantigas que os estudantes trariam das suas terras de origem. Partilhando as marcas discursivas típicas dos relatos criacionistas, esta teoria formulada pelas elites letradas na transição da Monarquia Constitucional para a 1ª República configura-se essencialmente como um discurso de distanciamento em relação ao Fado.
Francisco Menano, que além de guitarrista era serenateiro e gostava de tocar fados ao estilo de Lisboa, tentou contornar as hostilidades com canções para as Fogueiras de São João e adaptações de danças como o Abracinho (Adeus ó Vila de Fornos). Nos anos da regência de Elias de Aguiar, a aversão ao Fado não diminuiu. Artigos virulentos colheram grande aceitação junto do público. Manuel da Silva Gaio arremetia contra o Fado e os fadistas, temendo a “decadência da raça”. Vendo bem as coisas, a questão de fundo que se procurava discutir não era propriamente artística nem musicológica, mas sim racial e eugénica. Acreditava-se ser possível uma operação de despoluição da cultura portuguesa, com a consequente erradicação do Fado. Poucos estudantes estavam inteiramente de acordo com as campanhas antifadísticas. O estudante de Medicina e orfeonista Jorge Seabra anotou o ambiente de inquietação vivido em Coimbra e escreveu páginas em defesa da sua dama (Cf, Jorge Seabra, “A Coimbra do meu tempo (1913-1918”, Porto, Livraria Tavares Martins, 1948, págs. 150-153).
Envolto no turbilhão dos discursos avessos ao Fado, e sem se comprometer abertamente com nenhuma das facções, António Menano tentou contornar habilmente a polémica:
-diminuiu fortemente a sua presença nos números de “Fados e Guitarradas” promovidos pelos organismos culturais estudantis;
-nos actos de variedades dos saraus académicos optou por cantar a solo reportório mais neutro como danças populares regionais que tinham começado a fazer parte do programa do Orfeon, rapsódias extraídas de temas populares e cançonetas ligeiras do agrado dos círculos burgueses;
-a partir de 1918 intensificou a produção dos chamados “fados de Coimbra”, intitulando-os habilmente de “Granja”, “Alentejo”, “Choupal”, “Bussaco”, etc.. Na prática tratava-se de mascarar produções conimbricenses, forjadas no âmbito e contexto do chamado “Fado de Coimbra”, com a toilette pouco convincente do “folclore” regional. Nos círculos burgueses estava na moda o consumo dos produtos “nacionais”ou “regionais”, pelo que António Menano optou por adequar o seu reportório versátil e novas composições aos gostos do público.
António Menano era dono de uma voz extensa, segura, geradora de enorme comoção pública. Composições como "Fado Hylario Moderno" e "Fado do Choupal" permitiam a António Menano proezas vocais consideradas inauditas. Os agudíssimos ais podem ser vistos como o equivalente local do dançar em pontas, das notas das sopranos líricas que partiam vidros, ou dos insuperáveis galopes de Franz Liszt sobre os teclados dos pianos. O pendor estrófico de grande parte do seu reportório de serenateiro permitia fenómenos rápidos e eficazes de empatia entre o cantor e o grande público. No final de um sarau realizado em Coimbra ou num qualquer outro palco regional, o público vinha para a rua assobiar as melodias mais aplaudidas de António Menano. O cantor poderia ter seguido carreira nos grandes palcos ocidentais da música clássica, à semelhança de Tomás Alcaide.
Paulo de Sá afirmou-se um grande apreciador do estilo António Menano e sofreu um enorme desgosto pelo facto de não ter gravado discos com o cantor no final da década de 1920. Já Francisco Menano, fiel ao “estilo Manassés”, na década de 1960 continuava a arreliar-se com o irmão, dizendo-lhe “Não é assim António!” A António Menano se deve a instauração de uma nova “escola de canto” em Coimbra, a Escola Ultra-Romântica, depois seguida por cantores como José Paradela de Oliveira, Lucas Rodrigues Junot e até Armando Goes.
António Menano viu despontar a sua estrela em Fevereiro de 1915, numa homenagem promovida a António Nobre pela revista “A Galera”. Francisco Menano compôs especificamente para esse acto o “Fado d’Anto”, tendo ido a Coimbra acompanhar o tema à guitarra na voz de seu irmão António Menano. Outro momento alto de “revelação” teve lugar em Março de 1915, caloiro ainda, quando cantou reportório de serenata em Aveiro, acompanhado à guitarra por seu irmão Horácio, então quintanista de Medicina, num sarau organizado pela AAC, com a participação da TAUC e do Orfeon. Foi nesse ano lectivo que se procedeu à reorganização do Orfeon Académico, agora sob a regência do Padre Dr. Elias Luís de Aguiar e onde António Menano se tornou solista e ensaiador do naipe dos primeiros tenores, passando também a cantor “titular” de fados e canções nos saraus e noutros espectáculos e actividades que se realizavam.
No final do referido ano lectivo, em 10 de Junho de 1915, na festa de homenagem a Luís de Camões promovida pelos alunos do Liceu José Falcão, de Coimbra, António Menano foi convidado a participar e, em vez dos habituais fados, apareceu a cantar um trecho de “Os Lusíadas”, que fora musicado pelo Dr. Elias de Aguiar.
É também em 1915 que surgem, numa primeira edição musical publicada pela Livraria Neves, à Rua Larga, duas composições da autoria de António Menano. Essa publicação, intitulada “Os Três Mais Lindos Fados de Coimbra”, compreendia D’um Olhar (As meninas dos meus olhos), de Alexandre de Rezende, dedicado “Ao António Menano”, com três quadras populares, sendo os outros dois fados do próprio António Menano: o Fado das Morenas (Todos gostam das morenas), dedicado “Ao Estevão Neto”, com uma quadra de Ribeiro de Carvalho e três outras de Fernando Correia, e o Fado da Noite (Há quem diga que quem chora), dedicado “Ao J. Gambôa”, com cinco quadras de Alfredo Fernandes Martins, o Fernandes Martins que frequentava Direito e que em 25 de Novembro de 1920 foi um dos protagonistas da “Tomada da Bastilha”.
No ano lectivo seguinte, 1915-1916, em Fevereiro, na excursão do Orfeon Académico ao Porto, Braga e Vila do Conde, António Menano consagra-se definitivamente como estrela de primeira grandeza do meio artístico coimbrão, acompanhado à guitarra por Paulo e Sá e Alberto Menano.
Os anos de 1917, 1918 e 1919 constituem um período relativamente morno em termos de Fados e Guitarradas, contribuindo em parte para isso a entrada de Portugal na Grande Guerra – a Alemanha declara guerra a Portugal em 16 de Março de 1916, inicia-se a mobilização militar e a constituição do Corpo Expedicionário Português (CEP) e, no princípio de 1917, começam os primeiros embarques de tropas portuguesas para a Flandres.
O reportório interpretado por Menano reflecte a comoção nacional provocada pelo conflito e os efeitos da propaganda governamental em curso. Surge o “Fado Patriótico”, com letra de pendor guerreiro e pró-nacionalista assinada por Alfredo Fernandes Martins. Porém, não tendo a produção coimbrã um filão narrativo apto a “noticiar” os acontecimentos da Grande Guerra, António Menano optou por cantar e mais tarde gravar fados de Lisboa que abordavam especificamente a Batalha de La Lys (09/04/1918), os mutilados e conceitos como a bravura e o heroísmo.
Outro motivo que originou um arrefecimento temporário no interior da Galáxia Sonora Coimbrã foi o artigo de Manuel da Silva Gaio (1860-1934), ao tempo Secretário da UC, publicado na «Illustração Portugueza» de 29/04/1918, pedindo aos estudantes para não cantarem o «venenoso cogumelo do fado, produto originário da viela urbana» e, em vez disso, entoarem as cantigas populares do Orfeon. Silva Gaio não era visto como um alivitrista coerente, pois na década de 1890 assinara letras para melodias serenateiras, como a “Canção do Mondego” , de Alexandre Rey Colaço (Vendo correr-te o pranto) que entre 1894 e os inícios do século XX atingiu pelo menos a 16ª edição e foi distribuída em Portugal e no Brasil.
Os ruidosos protestos traduziam ecos de um mal-estar que se arrastava. Era a polémica Pró-Fado/Anti-Fado que vinha a mobilizar as elites letradas portuguesas, cujos arautos mais esforçados sobrepunham argumentos ideológicos ao debate meramente musicológico. Contextualizando a questão em termos simples, os letrados que produziam a cultura escrita do tempo e alimentavam as discussões mais actualizadas, não distinguiam entre Fado e Canção de Coimbra. No entanto, o pomo da discórdia residia na representação do Fado como uma espécie de tumor social citadino que importaria remover rapidamente para que não contaminasse a sociedade. As elites aconselhavam o uso do folclore rural como matriz inspiradora e redentora das energias da "nação", mas não o Fado. O debate arrastar-se-ia até 1974 sem entendimento possível, obrigando os que gostavam do Fado a fazerem públicas profissões de fé contra a “menoridade fadística”, como aconteceu com Fernando Lopes Graça, um secreto admirador de Hermínia Silva. E a mudança de regime político não alterou a visão redutora do problema, dado que as linhas de força do conflito são comuns a figuras activas na Monarquia Constitucional, 1ª República, Ditadura Militar e Estado Novo.
Vivia-se então no meio académico e nos círculos intelectuais conimbricenses um ambiente hostil ao Fado, cujas formulações críticas não distinguiam entre a produção fadística lisboeta (a mais veementemente condenada) e a produção estética coimbrã. Para este ambiente havia contribuído o Eng. António Arroyo, irmão do fundador do Orfeon, que em 01 de Maio de 1909 fora proferir a Coimbra uma demolidora palestra sobre o Fado (Cf. “O canto coral e a sua função social. Conferência proferida no dia 1 de Maio de 1909”, Coimbra, França Amado Editor, 1909; idem, “Duas Palavras”, prefácio à obra de Pedro Fernandes Tomás, “Cantares do Povo”, Coimbra, França Amado Editor, 1919). De acordo com Fernando da Silva Correia, “Vida Errada. O romance de Coimbra, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1960, pág. 288, o grande crítico académico do Fado nesses anos foi o estudante de Medicina José Maciel Ribeiro Fortes, mais tarde autor da publicação “O Fado: ensaios sobre um problema etnográfico-folclórico”, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926.
Adoptando o discurso eugénico e moralista da época, e propondo a superioridade da cultura campestre sobre o mundo citadino, António Arroyo condenava explicitamente o Fado e rotulava-o como produto cultural inferior. Exortava os orfeonistas de António Joyce a trazerem canções populares das suas terras de origem para o maestro harmonizar a quatro vozes, como já havia sucedido em 1880 com os cantores regidos por João Arroyo.
O estudante de Direito e regente do Orfeon António Avelino Joyce, integrava a corrente nacionalista apostada no chamado “reaportuguesamento”, que conheceu formulações em Raul Lino (casas à portuguesa), Alexandre Rey Colaço (canções populares), Antero da Veiga (rapsódias populares), José Viana da Mota, Ruy Coelho, Afonso Lopes Vieira e outros. Joyce corroborava inteiramente os pontos de vista de António Arroyo. Enquanto regente do Orfeon, Joyce não compôs um único tema de serenata, nem nada que se pudesse assemelhar a "fados", tendo deixado apenas rapsódias populares que chegaram a ser gravadas em disco pelo Orfeon e uma balada de despedida de curso (1912).
Os sócios do Orfeon descobriam dotes de folcloristas, aprofundando o sentimento regionalista e dando continuidade às “viagens” românticas propostas por Garrett. Nascia a lenda de uma CC concebida como resultado do conjunto de cantigas que os estudantes trariam das suas terras de origem. Partilhando as marcas discursivas típicas dos relatos criacionistas, esta teoria formulada pelas elites letradas na transição da Monarquia Constitucional para a 1ª República configura-se essencialmente como um discurso de distanciamento em relação ao Fado.
Francisco Menano, que além de guitarrista era serenateiro e gostava de tocar fados ao estilo de Lisboa, tentou contornar as hostilidades com canções para as Fogueiras de São João e adaptações de danças como o Abracinho (Adeus ó Vila de Fornos). Nos anos da regência de Elias de Aguiar, a aversão ao Fado não diminuiu. Artigos virulentos colheram grande aceitação junto do público. Manuel da Silva Gaio arremetia contra o Fado e os fadistas, temendo a “decadência da raça”. Vendo bem as coisas, a questão de fundo que se procurava discutir não era propriamente artística nem musicológica, mas sim racial e eugénica. Acreditava-se ser possível uma operação de despoluição da cultura portuguesa, com a consequente erradicação do Fado. Poucos estudantes estavam inteiramente de acordo com as campanhas antifadísticas. O estudante de Medicina e orfeonista Jorge Seabra anotou o ambiente de inquietação vivido em Coimbra e escreveu páginas em defesa da sua dama (Cf, Jorge Seabra, “A Coimbra do meu tempo (1913-1918”, Porto, Livraria Tavares Martins, 1948, págs. 150-153).
Envolto no turbilhão dos discursos avessos ao Fado, e sem se comprometer abertamente com nenhuma das facções, António Menano tentou contornar habilmente a polémica:
-diminuiu fortemente a sua presença nos números de “Fados e Guitarradas” promovidos pelos organismos culturais estudantis;
-nos actos de variedades dos saraus académicos optou por cantar a solo reportório mais neutro como danças populares regionais que tinham começado a fazer parte do programa do Orfeon, rapsódias extraídas de temas populares e cançonetas ligeiras do agrado dos círculos burgueses;
-a partir de 1918 intensificou a produção dos chamados “fados de Coimbra”, intitulando-os habilmente de “Granja”, “Alentejo”, “Choupal”, “Bussaco”, etc.. Na prática tratava-se de mascarar produções conimbricenses, forjadas no âmbito e contexto do chamado “Fado de Coimbra”, com a toilette pouco convincente do “folclore” regional. Nos círculos burgueses estava na moda o consumo dos produtos “nacionais”ou “regionais”, pelo que António Menano optou por adequar o seu reportório versátil e novas composições aos gostos do público.
O certo é que os alvitristas do tempo nunca chegaram a caracterizar o que fosse o chamado "Fado de Coimbra". A receita indicada - títulos de invocação regional, celebração de monumentos e de belezas campestres, quadras de autores nacionalistas glosando o pitoresco local - era precisamente a mesma indicada pelos polemistas que debatiam a questão da existência de uma arte nacionalista em Portugal. Para o que nos importa, o debate estético centrou-se única e exclusivamente em elementos subjectivos e adjacentes. Ao diabolizar o moderno e o elemento universal, caíu no enredo da "feição coimbrã", aparentemente facultada por elementos estéticos externos. A tentativa de instauração de paradigmas a imitar, tendo proposto os Painéis de São Vicente de Fora aos pintores e escultores, não deixou de normativizar a ária estrófica como cânone ou "essência" da CC.
São os falsos regionais. Com eles, António Menano fingia interpretar canções de origem provincial, quando na realidade os temas propostos não tinham a menor relação com os sítios referidos nos títulos. Exemplificando, o “Fado da Granja” não tinha rigorosamente nada a ver com a Praia da Granja em termos de letra, de melodia ou de vocalização. Quando muito, António Menano poderia contra-argumentar, dizendo que fizera a composição inspirado num qualquer momento aprazível que passara nos areais da Granja em companhia de Paulo de Sá e José Carlos Moreira. O mesmo se dirá do "Fado de Aveiro", de Paulo de Sá, que não se relacionando literária nem musicalmente com Aveiro, pretende ser uma homenagem ao cantor Agostinho Fontes que era natural de Aveiro. Para tornar o invólucro ainda mais convincente, António Menano recorreu a quadras de poetas considerados nacionalistas ou de veia “popular" como António Correia de Oliveira, José Marques da Cruz, António Nobre, António de Sousa, Afonso Lopes Vieira e Augusto Gil. Nas edições impressas, uma capa a cores glosando motivos regionais ajudava a tornar o produto mais convincente.
Este período coincide de certo modo com o facto de António Menano ter passado a interpretar canções acompanhadas ao piano, em vez dos tradicionais fados que haveriam de ser profusamente divulgados e conhecidos através de discos de 78 rpm, de edições musicais impressas e de rolos para autopianos, consagrando definitivamente para a posteridade o seu nome.
No ano de 1918 António Menano passa a integrar a Direcção do Orfeon Académico e nas Fogueiras de São João desse ano novamente canta canções populares, com muito agrado e satisfação dos presentes.
Em Dezembro de 1919, a AAC promoveu um sarau musical no Teatro Avenida, organizado pelo próprio António Menano, no qual o cantor participava e cujo programa não continha qualquer fado ou guitarrada. Em Maio de 1920, no Teatro Sousa Bastos, no sarau de apresentação da TAUC e do Orfeon nas vésperas da sua digressão pelo Porto, Braga e Viana, também não haveria fados nem guitarradas.
No final de 1919 surge a primeira proibição oficial de se fazerem serenatas espontâneas. A imprensa local insurge-se e reage contra esta medida policial e, a proibição, em vez de acabar com os Fados e as Guitarradas, provoca aparentemente o seu ressurgimento.
Entretanto, pela casa editora de música P. Santos & Cª., Salão Mozart, Rua Ivens, 52-54, Lisboa, tinha vindo a lume uma colecção de edições musicais do Repertório do Orfeon da Universidade, com fados de António Menano (Fado Patriótico, Fado da Granja, Fado das Romarias, Fado do Choupal, Fado dos Passarinhos, todos com música de sua autoria, e Morena), que alcançaram enorme sucesso. Quase todas as composições atingiram a 4ª edição antes de 1923 – o Fado dos Passarinhos, por exemplo, viria mais tarde a atingir a 12ª edição, pelo menos – tendo todos eles sido também gravados em rolos para autopiano.
António Menano, na recta final do curso e após cerca de um ano de namoro oficial, casou catolicamente com Maria Henriqueta da Câmara Viterbo, em Lisboa, no mês de Novembro de 1922 (testemunhos do Eng. Nuno Menano, em 11/09/2003 e 27/01/2004). O casal não seguiu logo para Fornos de Algodres. Menano e a esposa radicaram-se provisoriamente em Coimbra, num prédio sito ao Penedo da Saudade, onde o estudante e cantor era assiduamente visitado por músicos, pianistas, guitarristas e figuras da aristocracia. Aliás a aproximação de António Menano aos círculos aristocráticos palacianos intensificava-se, dado que a esposa era sobrinha do cavaleiro tauromáquico D. Ruy da Câmara.
Nesses anos de 1920 a 1924, António Menano era requisitado por guitarristas como Francisco Menano, Paulo de Sá, Francisco da Silveira Morais, Alexandre Rezende e Artur Paredes. Convivia com cantores novos e da velha guarda como Agostinho Fontes, Alexandre Rezende, Edmundo Bettencourt, Lucas Rodrigues Junot, José Roseiro Boavida, e os tenores Fausto de Almeida Frazão e Fortunato Roma da Fonseca. A Condessa de Proença-a-Velha e a Condessa de Ficalho deslocavam-se propositadamente a Coimbra para ver e ouvir António Menano. O cantor apadrinhava novos talentos como sucedeu com o jovem estreante Armando do Carmo Goes (Cf. José Carlos de Vasconcelos, “Itinerário do Fado de Coimbra-5”, in Diário de Lisboa, de 03-05-1966).
Na passagem de 1922 para 1923 Menano integrou um Coral organizado pelo estudante Raul Fernandes Martins. A formação tinha quatro naipes masculinos, num total de oito elementos: António Menano e Edmundo Bettencourt (1ºs tenores), Eduardo de Mascarenhas e Mexia Leitão (2ºs tenores), Manuel Valério e João Guardiola (barítonos), Condorcet Pais Mamede e Raul Fernandes Martins (baixos). O reportório era constituído por canções “populares” e trechos clássicos (Cf. Raul Fernandes Martins, “Coimbra. Recordações de um estudante”, Lisboa, 1984, págs. 13-14).
Em Abril de 1923, António Menano, já casado mas ainda não formado, participou na digressão do Orfeon e da TAUC a Espanha, actuando em Salamanca, Madrid e Valladolid. Do Grupo de Fados faziam parte Artur Paredes (g) e António Aires de Abreu (violão), e como cantores, António Menano e Edmundo Bettencourt (Cf. António M. Nunes, “No rasto de Edmundo de Bettencourt”, Funchal, DRAC, 1999, pp. 35-36). As actuações deste Grupo de Fados constituíram um grandioso sucesso, tendo os números feito o encanto dos espanhóis. Em Madrid, no Teatro Cervantes, depois da actuação do Orfeon dirigido por D. José Pais de Almeida e Silva, a sessão de Fados e Guitarradas foi delirante e o teatro em peso rompia em aplausos a cada actuação. António Menano cantou nessa sessão a seguinte quadra, na circunstância muito apreciada:
Estudantes de Coimbra
Lembrai-vos algumas vezes
Das espanholas que são
Como irmãs dos portugueses!
No baile do Casino de Valladolid, além de fados, António Menano cantou também algumas canções populares portuguesas e obteve grande sucesso.
Concluído nesse mesmo ano de 1923 o Curso de Medicina, o Dr. António Paulo Menano passa a exercer clínica em Fornos de Algodres, terra natal da Família Menano e onde seus pais, António da Costa Menano e Januária Paulo Menano, residiam. Embora já formado, continuou muito ligado à vida cultural da Academia de Coimbra, a actuações artísticas um pouco por todo o país, à composição e comercialização do seu repertório impresso em Portugal e no Brasil, visitando todos os verões a dupla Paulo de Sá/José Carlos Moreira na Assembleia da Praia da Granja.
No primeiro semestre de 1924 a direcção do Orfeon preparou longamente uma digressão artística a Paris, tendo convidado para regente o antigo maestro António Avelino Joyce. No dia 5 de Maio de 1924 realizou-se no Teatro Avenida, de Coimbra, um sarau promocional da digressão, onde actuaram António Menano, Agostinho Fontes, Edmundo Bettencourt, António Aires de Abreu (v), Alberto Tavares, Fernando Matos e Paulo de Sá. Seguiram-se três saraus de gala no Coliseu dos Recreios, Lisboa, sendo o Orfeon regido por António Joyce. Nestes saraus actuaram as seguintes formações:
-3 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Menano interpretou, entre outras, as peças “Ó Rouxinol do Mondego”, e ao piano a “Carta de Longe”. Terá sido nesta récita que o cantor conheceu o pianista Lourenço Soares Varela Cid (1898-1987), também presente no palco, o qual lhe dedicou a composição “Um Fado”.
-4 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Colaborou neste sarau a cantora Cassilda Ortigão que arrancou uma revoada de aplausos e foi obrigada a bisar o “Fado Hilário”. Esteve novamente em palco o pianista Varela Cid. Outra cantora muito saudada foi Fernanda Brito.
-5 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Fernanda Brito agradou sobejamente em peças de Alberto Sarti e no tema brasileiro “Casinha Pequenina” (Tu não te lembras da casinha pequenina).
Em 14 de Junho de 1924, o Orfeon Académico seguiu para Paris, onde actuou no Trocadero, realizando depois saraus em Toulouse, Bordéus e Bayona. António Menano tomou parte na digressão, cantando ao lado de Agostinho Fontes Pereira de Melo (outro grande divo de Coimbra), Fausto de Almeida Frazão e José Roseiro Boavida. Os cantores presentes na gala do Trocadero foram acompanhados por Artur Paredes e António Aires de Abreu (Cf. Manuel Aires Falcão, “Comemoração das Bodas de Diamante do Orfeon Académico de Coimbra”, Coimbra, 1956, pág. 77). A grande gala parisiense ocorreu no dia 18 de Junho de 1924, coincidindo a actuação do Orfeon com a estreia da película muda “A Fonte dos Amores”, filmada em Coimbra no Verão de 1923 (Cf. Francisco Pimentel, “A Fonte dos Amores”, in RUA LARGA, Nº 20, 08-12-1958, pp. 612-615).
Oficialmente domiciliado em Fornos de Algodres no período atinente aos anos de 1924-1933, António Menano efectuou uma viagem profissional a África na 2ª metade da década de 1920 e passou a exercer clínica a bordo do navio da carreira africana Quanza. Em 1926 António Menano assinou o contrato de gravação com a empresa fonográfica Odeon e no mês de Maio de 1927 fez a primeira sessão de registos em Paris, acompanhado pela dupla Flávio Rodrigues/Augusto Louro. Em Novembro de 1927, quase meio ano após a 1ª sessão de gravações fonográficas na Odeon de Paris, nasceu-lhe o filho António Nuno Menano, a quem dedicou no final desse mesmo ano o embalo de Alexandre de Rezende “Meu Menino”. Seguiram-se as gravações de Lisboa (1928) e Berlim (1928), com tiragens à escala internacional. O casal Menano teve outros dois filhos, Maria da Graça Menano e Francisco Paulo Menano.
Entre 1923 e 1933 Menano frequentou os meios fadísticos lisboetas, sendo conhecidos contactos e performances junto de figuras como Alfredo Marceneiro, Adelina Fernandes, Emília Ferreira, Ercília Costa, Armandinho, Júlio Proença e Madalena de Melo (Cf. Victor Machado, “Ídolos do Fado”, Lisboa, Tipografia Gonçalves, 1937).
António Menano tornar-se-ia definitivamente o cantor de Coimbra mais conhecido e de maior fama em todo o país com as gravações que realizou entre os anos de 1927, 1928 e 1930, em Paris, Lisboa, Berlim e Madrid, para a companhia de discos Odeon, na sequência do contrato firmado em 17 de Novembro de 1926. De todos os cantores da chamada Década de Oiro da Academia de Coimbra, António Menano foi aquele que mais discos gravou e maior e mais estrondoso sucesso alcançou. Essas séries de discos têm etiquetas de cores diferentes, lilás, azul-escuro e dourada (alguns discos – três apenas - têm etiqueta vermelha), tendo sido produzidas muitas dezenas de milhares de discos que ainda se vendiam anos depois de terminada a II Guerra Mundial (1939-1945).
No Brasil, pela Transoceanic Trading Company para a Casa Edison, do Rio de Janeiro, foi feita a reprodução da maior parte das referidas gravações, discos esses a que foi aposta a etiqueta Odeon de cor azul forte e que tiveram também muito boa venda. Algumas das gravações de António Menano foram também comercializadas nos EUA, em 78 rpm de etiqueta verde.
Pena é que, através dos seus discos, a excelência da voz de António Menano e o seu talento de cantor tenham ficado bastante prejudicados por os acompanhamentos de guitarra e viola serem francamente modestos. Tamanha modéstia deve muito ao peso desempenhado por uma cultura de rua alicerçada em serenatas espontâneas onde o destaque era conferido à linha melódica traçada pelas vozes dos grandes tenores, bem como à preocupação de tornar o texto perceptível. A serenata, enquanto prática cultural de rua, era uma arte minimalista, de percepção imediata. Ao trabalho rudimentar de guitarra em afinação natural, devem somar-se as más condições técnicas de captação sonora. Comparando a qualidade sonora de captação e prensagem de editoras como a Odeon, a Columbia e a Polydor, fica-se com a impressão de que à Odeon interessaria em primeira mão inundar o mercado com tiragens em série, numa conjuntura de crescimento económico que ainda não deixava antever o grande colapso financeiro de 1929-1933.
Em 1929, por ocasião da Exposição Ibero-Americana de Sevilha, o Dr. António Menano foi o cantor escolhido para integrar a Embaixada Artística enviada pela Academia de Coimbra para actuar no festival oferecido aos Reis de Espanha aquando da inauguração do Pavilhão de Portugal, representação que era constituída por mais três elementos: Artur Paredes, solista e acompanhador, Afonso de Sousa, 2ª guitarra e Guilherme Barbosa, violão.
Entre 1930-1933, António Menano repartiu-se entre os afazeres profissionais e os espectáculos ocasionais, não faltando na sua anual visita à Praia da Granja, na época de veraneio, onde viveu os derradeiros convívios com Paulo de Sá, José Carlos Martins Moreira e o jovem estreante José Archer de Carvalho.
Antes da partida para África, uma das derradeiras galas do artista teve lugar no Teatro Nacional de São João, Porto, num Sábado, dia 28 de Junho de 1930. Na 1ª parte, o cantor vocalizou canções folclóricas e motivos tradicionalizados, acompanhado ao piano por Afonso Correia Leite. Na 2ª parte, cantou peças de António Joyce, Aarão de Lacerda, Alexandre Rey Colaço e Condessa de Proença-a-Velha. O sarau rematou com “fados” acompanhado em guitarra por Paulo de Sá.
Anos depois, em 1933, mercê dos contactos encetados através do navio Quanza, abandonando voluntariamente a sua meteórica e impressionante carreira artística, que fora a mais prometedora da Década de Oiro (1920-1930), António Menano partiu para Moçambique, onde exerceu clínica durante quase de 30 anos, fixando-se na vila de Inhaminga e depois na cidade da Beira. De África regressaria definitivamente a Portugal em 1961.
Das actuações de António Menano depois da sua ida para Moçambique, em 1933, destaca-se a de Outubro de 1956, em Lisboa, no Instituto Superior de Agronomia, na Tapada da Ajuda, no célebre recital que deu, já sexagenário, e que constituiu um êxito fabuloso. O espectáculo estava marcado para a meia-noite, começou às duas horas da manhã e só viria a terminar muito de madrugada, sem que ninguém tivesse arredado pé. Do “Diário de Notícias” de 23 de Outubro de 1956, respigamos o seguinte: «Até madrugada alta, com um céu em que a lua e as estrelas paradas pareciam acercar-se da terra, no sortilégio das canções de Menano ressurgiu Coimbra de há quatro décadas» e conclui dizendo: «Sem luz eléctrica nem microfones, a voz de Menano, casada com a das violas e guitarras, brindou Lisboa com uma noite inesquecível, única. Espectáculo imprevisto e verdadeiramente sensacional...».
De tempos a tempos, António Menano aparecia em Coimbra e acabava sempre por cantar, fazendo-o em qualquer sítio, desde que isso se proporcionasse. Uma noite acabou por cantar nos degraus da secular Igreja de Santa Cruz, perante o entusiasmo e admiração da multidão que logo ali se juntou e que, inclusivamente, obrigou a parar o trânsito.
Em 1967, dois anos antes da sua morte, teve ainda duas brilhantes actuações que foram bastante noticiadas e ficaram na lembrança. A primeira em Coimbra, na madrugada de 24 de Junho, do alto das escadarias da Sé Velha, na Serenata Monumental que ali teve lugar por ocasião da reunião do Curso Jurídico de 1907-1912, a que pertencia o seu irmão Francisco Menano, e que teve a participação de mais três cantores das novas gerações, José Manuel dos Santos, António Bernardino e Luiz Goes. António Menano, septuagenário, cantou quatro fados, provocando a maior admiração entre os presentes no evento.
A sua segunda e última actuação pública de 1967, teve lugar a 16 de Dezembro, por ocasião da inauguração, em Lisboa, da Galeria Rodin, do pintor Mário Silva, que reuniu muitos antigos estudantes de Coimbra, entre os quais Luiz Goes, Jorge Tuna, João Bagão, Aurélio Reis, o artista Tossan e Vitorino Nemésio. António Menano cantou dois dos fados mais emblemáticos do seu reportório, o Fado dos Passarinhos (Passarinho da ribeira) e o Fado da Ansiedade (O mundo dá tanta volta), o primeiro com música de sua autoria e, o segundo, com música do seu irmão Francisco Menano.
A sua última residência foi na Rua José Falcão, nº 57, 5º Esquerdo, em Lisboa, onde, em 11 de Setembro de 1969, viria a falecer.
São os falsos regionais. Com eles, António Menano fingia interpretar canções de origem provincial, quando na realidade os temas propostos não tinham a menor relação com os sítios referidos nos títulos. Exemplificando, o “Fado da Granja” não tinha rigorosamente nada a ver com a Praia da Granja em termos de letra, de melodia ou de vocalização. Quando muito, António Menano poderia contra-argumentar, dizendo que fizera a composição inspirado num qualquer momento aprazível que passara nos areais da Granja em companhia de Paulo de Sá e José Carlos Moreira. O mesmo se dirá do "Fado de Aveiro", de Paulo de Sá, que não se relacionando literária nem musicalmente com Aveiro, pretende ser uma homenagem ao cantor Agostinho Fontes que era natural de Aveiro. Para tornar o invólucro ainda mais convincente, António Menano recorreu a quadras de poetas considerados nacionalistas ou de veia “popular" como António Correia de Oliveira, José Marques da Cruz, António Nobre, António de Sousa, Afonso Lopes Vieira e Augusto Gil. Nas edições impressas, uma capa a cores glosando motivos regionais ajudava a tornar o produto mais convincente.
Este período coincide de certo modo com o facto de António Menano ter passado a interpretar canções acompanhadas ao piano, em vez dos tradicionais fados que haveriam de ser profusamente divulgados e conhecidos através de discos de 78 rpm, de edições musicais impressas e de rolos para autopianos, consagrando definitivamente para a posteridade o seu nome.
No ano de 1918 António Menano passa a integrar a Direcção do Orfeon Académico e nas Fogueiras de São João desse ano novamente canta canções populares, com muito agrado e satisfação dos presentes.
Em Dezembro de 1919, a AAC promoveu um sarau musical no Teatro Avenida, organizado pelo próprio António Menano, no qual o cantor participava e cujo programa não continha qualquer fado ou guitarrada. Em Maio de 1920, no Teatro Sousa Bastos, no sarau de apresentação da TAUC e do Orfeon nas vésperas da sua digressão pelo Porto, Braga e Viana, também não haveria fados nem guitarradas.
No final de 1919 surge a primeira proibição oficial de se fazerem serenatas espontâneas. A imprensa local insurge-se e reage contra esta medida policial e, a proibição, em vez de acabar com os Fados e as Guitarradas, provoca aparentemente o seu ressurgimento.
Entretanto, pela casa editora de música P. Santos & Cª., Salão Mozart, Rua Ivens, 52-54, Lisboa, tinha vindo a lume uma colecção de edições musicais do Repertório do Orfeon da Universidade, com fados de António Menano (Fado Patriótico, Fado da Granja, Fado das Romarias, Fado do Choupal, Fado dos Passarinhos, todos com música de sua autoria, e Morena), que alcançaram enorme sucesso. Quase todas as composições atingiram a 4ª edição antes de 1923 – o Fado dos Passarinhos, por exemplo, viria mais tarde a atingir a 12ª edição, pelo menos – tendo todos eles sido também gravados em rolos para autopiano.
António Menano, na recta final do curso e após cerca de um ano de namoro oficial, casou catolicamente com Maria Henriqueta da Câmara Viterbo, em Lisboa, no mês de Novembro de 1922 (testemunhos do Eng. Nuno Menano, em 11/09/2003 e 27/01/2004). O casal não seguiu logo para Fornos de Algodres. Menano e a esposa radicaram-se provisoriamente em Coimbra, num prédio sito ao Penedo da Saudade, onde o estudante e cantor era assiduamente visitado por músicos, pianistas, guitarristas e figuras da aristocracia. Aliás a aproximação de António Menano aos círculos aristocráticos palacianos intensificava-se, dado que a esposa era sobrinha do cavaleiro tauromáquico D. Ruy da Câmara.
Nesses anos de 1920 a 1924, António Menano era requisitado por guitarristas como Francisco Menano, Paulo de Sá, Francisco da Silveira Morais, Alexandre Rezende e Artur Paredes. Convivia com cantores novos e da velha guarda como Agostinho Fontes, Alexandre Rezende, Edmundo Bettencourt, Lucas Rodrigues Junot, José Roseiro Boavida, e os tenores Fausto de Almeida Frazão e Fortunato Roma da Fonseca. A Condessa de Proença-a-Velha e a Condessa de Ficalho deslocavam-se propositadamente a Coimbra para ver e ouvir António Menano. O cantor apadrinhava novos talentos como sucedeu com o jovem estreante Armando do Carmo Goes (Cf. José Carlos de Vasconcelos, “Itinerário do Fado de Coimbra-5”, in Diário de Lisboa, de 03-05-1966).
Na passagem de 1922 para 1923 Menano integrou um Coral organizado pelo estudante Raul Fernandes Martins. A formação tinha quatro naipes masculinos, num total de oito elementos: António Menano e Edmundo Bettencourt (1ºs tenores), Eduardo de Mascarenhas e Mexia Leitão (2ºs tenores), Manuel Valério e João Guardiola (barítonos), Condorcet Pais Mamede e Raul Fernandes Martins (baixos). O reportório era constituído por canções “populares” e trechos clássicos (Cf. Raul Fernandes Martins, “Coimbra. Recordações de um estudante”, Lisboa, 1984, págs. 13-14).
Em Abril de 1923, António Menano, já casado mas ainda não formado, participou na digressão do Orfeon e da TAUC a Espanha, actuando em Salamanca, Madrid e Valladolid. Do Grupo de Fados faziam parte Artur Paredes (g) e António Aires de Abreu (violão), e como cantores, António Menano e Edmundo Bettencourt (Cf. António M. Nunes, “No rasto de Edmundo de Bettencourt”, Funchal, DRAC, 1999, pp. 35-36). As actuações deste Grupo de Fados constituíram um grandioso sucesso, tendo os números feito o encanto dos espanhóis. Em Madrid, no Teatro Cervantes, depois da actuação do Orfeon dirigido por D. José Pais de Almeida e Silva, a sessão de Fados e Guitarradas foi delirante e o teatro em peso rompia em aplausos a cada actuação. António Menano cantou nessa sessão a seguinte quadra, na circunstância muito apreciada:
Estudantes de Coimbra
Lembrai-vos algumas vezes
Das espanholas que são
Como irmãs dos portugueses!
No baile do Casino de Valladolid, além de fados, António Menano cantou também algumas canções populares portuguesas e obteve grande sucesso.
Concluído nesse mesmo ano de 1923 o Curso de Medicina, o Dr. António Paulo Menano passa a exercer clínica em Fornos de Algodres, terra natal da Família Menano e onde seus pais, António da Costa Menano e Januária Paulo Menano, residiam. Embora já formado, continuou muito ligado à vida cultural da Academia de Coimbra, a actuações artísticas um pouco por todo o país, à composição e comercialização do seu repertório impresso em Portugal e no Brasil, visitando todos os verões a dupla Paulo de Sá/José Carlos Moreira na Assembleia da Praia da Granja.
No primeiro semestre de 1924 a direcção do Orfeon preparou longamente uma digressão artística a Paris, tendo convidado para regente o antigo maestro António Avelino Joyce. No dia 5 de Maio de 1924 realizou-se no Teatro Avenida, de Coimbra, um sarau promocional da digressão, onde actuaram António Menano, Agostinho Fontes, Edmundo Bettencourt, António Aires de Abreu (v), Alberto Tavares, Fernando Matos e Paulo de Sá. Seguiram-se três saraus de gala no Coliseu dos Recreios, Lisboa, sendo o Orfeon regido por António Joyce. Nestes saraus actuaram as seguintes formações:
-3 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Menano interpretou, entre outras, as peças “Ó Rouxinol do Mondego”, e ao piano a “Carta de Longe”. Terá sido nesta récita que o cantor conheceu o pianista Lourenço Soares Varela Cid (1898-1987), também presente no palco, o qual lhe dedicou a composição “Um Fado”.
-4 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Colaborou neste sarau a cantora Cassilda Ortigão que arrancou uma revoada de aplausos e foi obrigada a bisar o “Fado Hilário”. Esteve novamente em palco o pianista Varela Cid. Outra cantora muito saudada foi Fernanda Brito.
-5 de Junho de 1924: Artur Paredes, Fausto Frazão, José Roseiro Boavida e António Menano. Fernanda Brito agradou sobejamente em peças de Alberto Sarti e no tema brasileiro “Casinha Pequenina” (Tu não te lembras da casinha pequenina).
Em 14 de Junho de 1924, o Orfeon Académico seguiu para Paris, onde actuou no Trocadero, realizando depois saraus em Toulouse, Bordéus e Bayona. António Menano tomou parte na digressão, cantando ao lado de Agostinho Fontes Pereira de Melo (outro grande divo de Coimbra), Fausto de Almeida Frazão e José Roseiro Boavida. Os cantores presentes na gala do Trocadero foram acompanhados por Artur Paredes e António Aires de Abreu (Cf. Manuel Aires Falcão, “Comemoração das Bodas de Diamante do Orfeon Académico de Coimbra”, Coimbra, 1956, pág. 77). A grande gala parisiense ocorreu no dia 18 de Junho de 1924, coincidindo a actuação do Orfeon com a estreia da película muda “A Fonte dos Amores”, filmada em Coimbra no Verão de 1923 (Cf. Francisco Pimentel, “A Fonte dos Amores”, in RUA LARGA, Nº 20, 08-12-1958, pp. 612-615).
Oficialmente domiciliado em Fornos de Algodres no período atinente aos anos de 1924-1933, António Menano efectuou uma viagem profissional a África na 2ª metade da década de 1920 e passou a exercer clínica a bordo do navio da carreira africana Quanza. Em 1926 António Menano assinou o contrato de gravação com a empresa fonográfica Odeon e no mês de Maio de 1927 fez a primeira sessão de registos em Paris, acompanhado pela dupla Flávio Rodrigues/Augusto Louro. Em Novembro de 1927, quase meio ano após a 1ª sessão de gravações fonográficas na Odeon de Paris, nasceu-lhe o filho António Nuno Menano, a quem dedicou no final desse mesmo ano o embalo de Alexandre de Rezende “Meu Menino”. Seguiram-se as gravações de Lisboa (1928) e Berlim (1928), com tiragens à escala internacional. O casal Menano teve outros dois filhos, Maria da Graça Menano e Francisco Paulo Menano.
Entre 1923 e 1933 Menano frequentou os meios fadísticos lisboetas, sendo conhecidos contactos e performances junto de figuras como Alfredo Marceneiro, Adelina Fernandes, Emília Ferreira, Ercília Costa, Armandinho, Júlio Proença e Madalena de Melo (Cf. Victor Machado, “Ídolos do Fado”, Lisboa, Tipografia Gonçalves, 1937).
António Menano tornar-se-ia definitivamente o cantor de Coimbra mais conhecido e de maior fama em todo o país com as gravações que realizou entre os anos de 1927, 1928 e 1930, em Paris, Lisboa, Berlim e Madrid, para a companhia de discos Odeon, na sequência do contrato firmado em 17 de Novembro de 1926. De todos os cantores da chamada Década de Oiro da Academia de Coimbra, António Menano foi aquele que mais discos gravou e maior e mais estrondoso sucesso alcançou. Essas séries de discos têm etiquetas de cores diferentes, lilás, azul-escuro e dourada (alguns discos – três apenas - têm etiqueta vermelha), tendo sido produzidas muitas dezenas de milhares de discos que ainda se vendiam anos depois de terminada a II Guerra Mundial (1939-1945).
No Brasil, pela Transoceanic Trading Company para a Casa Edison, do Rio de Janeiro, foi feita a reprodução da maior parte das referidas gravações, discos esses a que foi aposta a etiqueta Odeon de cor azul forte e que tiveram também muito boa venda. Algumas das gravações de António Menano foram também comercializadas nos EUA, em 78 rpm de etiqueta verde.
Pena é que, através dos seus discos, a excelência da voz de António Menano e o seu talento de cantor tenham ficado bastante prejudicados por os acompanhamentos de guitarra e viola serem francamente modestos. Tamanha modéstia deve muito ao peso desempenhado por uma cultura de rua alicerçada em serenatas espontâneas onde o destaque era conferido à linha melódica traçada pelas vozes dos grandes tenores, bem como à preocupação de tornar o texto perceptível. A serenata, enquanto prática cultural de rua, era uma arte minimalista, de percepção imediata. Ao trabalho rudimentar de guitarra em afinação natural, devem somar-se as más condições técnicas de captação sonora. Comparando a qualidade sonora de captação e prensagem de editoras como a Odeon, a Columbia e a Polydor, fica-se com a impressão de que à Odeon interessaria em primeira mão inundar o mercado com tiragens em série, numa conjuntura de crescimento económico que ainda não deixava antever o grande colapso financeiro de 1929-1933.
Em 1929, por ocasião da Exposição Ibero-Americana de Sevilha, o Dr. António Menano foi o cantor escolhido para integrar a Embaixada Artística enviada pela Academia de Coimbra para actuar no festival oferecido aos Reis de Espanha aquando da inauguração do Pavilhão de Portugal, representação que era constituída por mais três elementos: Artur Paredes, solista e acompanhador, Afonso de Sousa, 2ª guitarra e Guilherme Barbosa, violão.
Entre 1930-1933, António Menano repartiu-se entre os afazeres profissionais e os espectáculos ocasionais, não faltando na sua anual visita à Praia da Granja, na época de veraneio, onde viveu os derradeiros convívios com Paulo de Sá, José Carlos Martins Moreira e o jovem estreante José Archer de Carvalho.
Antes da partida para África, uma das derradeiras galas do artista teve lugar no Teatro Nacional de São João, Porto, num Sábado, dia 28 de Junho de 1930. Na 1ª parte, o cantor vocalizou canções folclóricas e motivos tradicionalizados, acompanhado ao piano por Afonso Correia Leite. Na 2ª parte, cantou peças de António Joyce, Aarão de Lacerda, Alexandre Rey Colaço e Condessa de Proença-a-Velha. O sarau rematou com “fados” acompanhado em guitarra por Paulo de Sá.
Anos depois, em 1933, mercê dos contactos encetados através do navio Quanza, abandonando voluntariamente a sua meteórica e impressionante carreira artística, que fora a mais prometedora da Década de Oiro (1920-1930), António Menano partiu para Moçambique, onde exerceu clínica durante quase de 30 anos, fixando-se na vila de Inhaminga e depois na cidade da Beira. De África regressaria definitivamente a Portugal em 1961.
Das actuações de António Menano depois da sua ida para Moçambique, em 1933, destaca-se a de Outubro de 1956, em Lisboa, no Instituto Superior de Agronomia, na Tapada da Ajuda, no célebre recital que deu, já sexagenário, e que constituiu um êxito fabuloso. O espectáculo estava marcado para a meia-noite, começou às duas horas da manhã e só viria a terminar muito de madrugada, sem que ninguém tivesse arredado pé. Do “Diário de Notícias” de 23 de Outubro de 1956, respigamos o seguinte: «Até madrugada alta, com um céu em que a lua e as estrelas paradas pareciam acercar-se da terra, no sortilégio das canções de Menano ressurgiu Coimbra de há quatro décadas» e conclui dizendo: «Sem luz eléctrica nem microfones, a voz de Menano, casada com a das violas e guitarras, brindou Lisboa com uma noite inesquecível, única. Espectáculo imprevisto e verdadeiramente sensacional...».
De tempos a tempos, António Menano aparecia em Coimbra e acabava sempre por cantar, fazendo-o em qualquer sítio, desde que isso se proporcionasse. Uma noite acabou por cantar nos degraus da secular Igreja de Santa Cruz, perante o entusiasmo e admiração da multidão que logo ali se juntou e que, inclusivamente, obrigou a parar o trânsito.
Em 1967, dois anos antes da sua morte, teve ainda duas brilhantes actuações que foram bastante noticiadas e ficaram na lembrança. A primeira em Coimbra, na madrugada de 24 de Junho, do alto das escadarias da Sé Velha, na Serenata Monumental que ali teve lugar por ocasião da reunião do Curso Jurídico de 1907-1912, a que pertencia o seu irmão Francisco Menano, e que teve a participação de mais três cantores das novas gerações, José Manuel dos Santos, António Bernardino e Luiz Goes. António Menano, septuagenário, cantou quatro fados, provocando a maior admiração entre os presentes no evento.
A sua segunda e última actuação pública de 1967, teve lugar a 16 de Dezembro, por ocasião da inauguração, em Lisboa, da Galeria Rodin, do pintor Mário Silva, que reuniu muitos antigos estudantes de Coimbra, entre os quais Luiz Goes, Jorge Tuna, João Bagão, Aurélio Reis, o artista Tossan e Vitorino Nemésio. António Menano cantou dois dos fados mais emblemáticos do seu reportório, o Fado dos Passarinhos (Passarinho da ribeira) e o Fado da Ansiedade (O mundo dá tanta volta), o primeiro com música de sua autoria e, o segundo, com música do seu irmão Francisco Menano.
A sua última residência foi na Rua José Falcão, nº 57, 5º Esquerdo, em Lisboa, onde, em 11 de Setembro de 1969, viria a falecer.
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