domingo, outubro 01, 2006

ESTÓRIAS À LENTE (11)

XXXVIII.

O lente de Farmácia da UC Doutor Guilherme Barros e Cunha (1893-1985) costumava dizer na aula, ao avizinhar-se a época de exames:

- Eu tenho uma «cunha» no nome e essa chega-me ! Portanto, os Srs. escusam de andar a incomodar com empenhos os meus ou os vossos Amigos…

E tal aviso foi (quase) sempre dissuasor…


XXXIX.
Político-ideologicamente não podiam estar mais nos antípodas:

a) O Doutor Manuel Lopes de Almeida (1900-1980), lente de Letras/História, monárquico, homem do Regime, titular de cargos políticos (chefe de gabinete do Ministro da Instrução Pública Doutor Eusébio Tamagnini [1934-1936], Subsecretário de Estado da Educação [1940-1944] e Ministro da mesma pasta [1961-1962], deputado em múltiplas legislaturas…) ou de confiança política (presidente ou vogal de diversas Comissões Oficiais para a Comemoração de Efemérides, v.g. 4.º Centenário da 1.ª ed. d'Os Lusíadas [1972]);

b) e o Doutor Luís Guilherme Mendonça de Albuquerque (1916-1992), lente de Ciências/Matemática e historiador da náutica e da cartografia dos Descobrimentos, desde muito jovem ligado à Oposição de esquerda, próximo dos círculos neo-realistas, por vezes assinando ensaios com pseudónimo, não fosse a Censura tecê-las…; chegou à cátedra com cerca de 50 anos por dilação de concursos, quando o seu valor intrínseco lhe faria merecer o topo da carreira bem mais cedo…; por coincidência, desempenhou, tal como o Doutor Lopes de Almeida, o cargo de Director da Biblioteca-Geral (BG) da UC e foi um dos Vice-Reitores [1] no mandato do Doutor Ferrer Correia (1977-1982). Cargos políticos, apenas um: Governador-Civil do distrito de Coimbra (1974-1976).

Mas estes dois Mestres, a quem tudo parecia separar, foram dois Grandes e Longevos Amigos. Ao ponto de se permitirem brincar com aquilo que (eventualmente) os separava…
A cena dá-se nos anos 60, sendo o primeiro Director da BG. Em dia de grande cerimonial na Sala dos Capelos, o Doutor Lopes de Almeida desempenhava, à porta da Biblioteca Joanina, o seu papel protocolar: receber os lentes e convidados que iriam tomar parte na cerimónia. Chega o Doutor Albuquerque, já com o capelo sobre o hábito talar. E cumprimenta o Colega e Amigo, dizendo:

- Meu Querido Amigo, tenho tanta estima por Si que em Sua honra até me vesti hoje de azul-e-branco ! [2]...

Resposta de Lopes de Almeida:

- Muito me sensibiliza esse seu gesto ! Estou a ver que, para retribuir condignamente, na próxima cerimónia terei de pedir emprestadas as insígnias de algum Colega de Direito !...

NOTAS:

[1] O outro foi o lente de Letras/Filologia Clássica Doutor Manuel de Oliveira Pulquério.
[2] Referência à coincidência relativa de cores entre a bandeira da Monarquia Constitucional (azul-escuro e branco) e as insígnias específicas dos Grupos de Matemática no seio da Fac. Ciências: azul-claro e branco, sendo o branco herança da antiga Fac. Matemática (até 1911).
Armando Luís de Carvalho HOMEM

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