Aspecto de uma Latada realizada no início do ano lectivo de 1966-1967. A fotografia concede destaque a um cartaz com dichotes à inauguração da Ponte Salazar que ocorrera em 06 de Agosto de 1966:
Para a ponte mais durar
Além de ferro e cimento
Chamou-se-lhe Salazar
A ver se dura mais tempo.
As Latadas das Faculdades, inscritas no calendário de abertura do ano escolar, começaram a realizar-se espontaneamente na década de 1940, associadas à cerimónia de Imposição de Insígnias dos Quartanistas Grelados.
Em período anterior à década de 1940 existiam latadas estudantis, mas de encerramento do ano lectivo, ritual de passagem que muito delido pela erosão conheceu derradeira realização na Queima das Fitas de 1935 (Tourada dos Caloiros). O programa da Queima das Fitas tinha vindo a sofrer crescente modernização. A tourada, pululante entre as praças da Mealhada, Santa Clara de Coimbra e Figueira da Foz, dispensava a ancestral latada/tourada.
Nas décadas de 1940 e 1950, cada Faculdade passara a organizar a sua Latada.
Eis o programa nuclear:
-Serenata
-Missa de Benção das Insígnias na Capela da UC (estudantes católicos)
-Imposição de Insígnias
-Latada
Latada era um modo de dizer enraízado na tradição, pois os caloiros viam-se integrados num corso carnavalesco, com fantasias e cartazes repletos de "bocas", onde não entravam quaisquer latas. Nas fantasias admitiam-se pijamas, roupas do avesso, chifres, penicos, chocalhos de gado, cornetas e buzinas, túnicas islâmicas e sombreiros mexicanos. As piadas incidiam sobre a vida universitária, o corpo docente e a conjuntura política.
A incorporação de latas na Latada das Faculdades só viria a ocorrer verdadeiramente após 1974, em ambiente marcado pela restauração da praxe e necessidade de unificação do programa festivo sob a égide da DGAAC. Muitos antigos estudantes, familiarizados com o figurino das décadas de 40-50-60, isto é, "latada sem latas" e cortejo de cada Faculdade em dias distintos, teceram duras críticas ao modelo instaurado a partir de 1979, primeiro com a "Semana de Recepção ao Caloiro", mais tarde com a Festa das Latas e Imposição de Insígnias.
Criticados pela sua alegada "falta de imaginação", os cartazes do após 1974 deixaram de beneficiar da possibilidade de ludibriarem a censura. Findo o jogo das meias palavras, das subtilezas insinuadas nas entrelinhas, a liberdade de expressão como que perdeu o sabor a fruto proibido, tendo as latadas sofrido um processo de desgaste comparável à erosão do Teatro de Revista.
Nas crónicas sobre estas falsas e recentes "latadas" de início do ano escolar tem-se persistido em tecer filiações com as muito antigas latadas do ponto. A comparação não é legítima, dado que as chamadas "latadas" de abertura do ano escolar configuram um ritual de entrada, distinto das latadas de remate do ano.
Na sua origem, as latadas de entrada eram corsos de caloiros fantasiados, cujo ponto alto assentava na exibição pública de cartazes com frases de crítica social, pedagógica e política. O ritual surgiu em plena Segunda Guerra Mundial, marcado pelo apertar das malhas da censura. Como caçoada que parecia ser, tornou-se ab initio ritual tolerado e bem aceite, dado que parecia apenas mais uma "brincadeira de estudantes". Se as récitas de quintanistas criticavam abertamente a reitoria, os lentes e a vida política, não parecia nada de mais escrever "piadas" em cartazes. As repúblicas não colocavam caloiros às portas, devidamente "fardados", com a obrigação de gritarem "às armas" na passagem de vultos femininos interessantes? Os "doutores" não costumavam mandar os seus caloiros fazerem públicas declarações amorosas?
Consideradas a origem e função crítica das latadas, não deixa de causar alguma admiração a falta de compreensão com que foram fulminados estes rituais logo após a Crise Académica de 1969.
O cortejo da Latada das Faculdades costuma realizar-se durante a tarde do dia consagrado à Imposição de Insígnias. Os caloiros/caloiras de cada Faculdade desfilam acompanhados pelos respectivos padrinhos/madrinhas, sem obedecerem a um alinhamento rígido por hierarquia de Faculdades. A cabeça do cortejo é habitualmente preenchida pelo Estandarte oficial da AAC e por um grupo de gaiteiros.
Após os últimos grupos de universitários, o cortejo remata com alunos de outros estabelecimentos de ensino convidados para o efeito, destacando-se pela sua longa aliança com a Academia os alunos da Escola Superior Agrária.
Em meados da década de 1980, os Semi-Putos e os Quartanistas Grelados costumavam conduzir os caloiros para o Mondego e quiosque central do Parque Dr. Manuel Braga. Acantonados no quiosque, os caloiros tinham de descer em galope, sendo alvo de pastada. Num dos anos, talvez por 1986, rebentou um gradeamento no quiosque, acidente que fez recuar a pastada. Muito mais adeptos tem o Baptismo dos Caloiros na margem do Mondego, feito com auxílio de latas e penicos.
Fotografia: Cristina Henriques, Paula Rocha, Teresa Barbosa, "Coimbra. Vida Académica", Coimbra, Edição da Comissão Central da Queima das Fitas 90, 1990, p. 28. Para uma crónica pormenorizada da década de 1950, com fotografias de apoio e alargada recolha de "piadas", vide Gonçalo dos Reis Torgal, "Coimbra. Boémia da Saudade", Tomo II, Coimbra, 2003, pp. 87-111.
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