Apolo "laurus"

As tradições académicas conimbricenses fazem eco, tanto ao nível das antigas "praxes" estudantis, quanto no plano do cerimonial universitário, de reminiscências culturais greco-romanas. Elas não são apreensíveis ao primeiro olhar, oferecendo-se como que descontextualizadas. Há quem nelas veja laivos pagãos, ofensivas laicizadoras ou evidente cunho cristão. Por exemplo, de acordo com a vulgata iluminista, os rituais praxísticos de entrada do ano escolar seriam liminarmente interpretados como sinónimos de "barbaridades"/obscurantismos", sem qualquer ligação com o Mito de Hades e a travessia do Estígio na Barca de Caronte. E numa interpretação mais cristã dos símbolos da UC patentes no selo oficial, haveria menos da pagã Pallas Atheneia (a Minerva romana) e bastante mais da Sapiência judaico-cristã. Ainda de acordo com estas dualidades e radicalidades, o cortejo que antecede tradicionalmente as cerimónias de investidura doutoral poderia ou não reflectir a cristinianização do Triunfo Romano, como que a responder ao apelo de Cícero "Cedant Arma Togae"*.

Febo Apolo, filho de Zeus e de Latona, nascido em Delos, protegia as artes e os doentes. No santuário de Delfos realizavam-se de quatro em quatro anos, desde 582 A. C. os Jogos Píticos, em honra de Apolo, com provas musicais e desportivas. Os vencedores eram distinguidos com coroas de louro, a árvore sagrada de Apolo. Na iconografia romana, as coroas de louros (Apolo) e carvalho (Zeus/Júpiter) abundam nos bustos e moedas imperiais, tendo deixando longo rasto na cultura europeia. A cultura cristã medieval sincretizou esta herança aplicando-a ao percurso de vida concebido como árdua luta pelo aperfeiçoamento moral, espiritual e cultural, cujo prémio conduziria à Vitória e à Laurea.

==

*A semelhança seria mais facilmente perceptível até 1834, data em que foi extinto o cargo de Cancelarius, prerrogativa do Abade do Mosteiro de Santa Cruz. A circulação dos cortejos doutorais equestres entre a UC e a Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, com passagem obrigatória pelo arco do triunfo que é a Porta Férrea, permitia ficar com uma ideia mais rigorosa das semelhanças entre o trajecto do préstito conimbricense e o percurso do "Triumphator" (Campo de Marte/Porta Triunfal/Velabrum/Forum Boarium/Circo Máximo/Capitólio/Via Sacra/Templo de Júpiter).

Na imagem: estátua de Apolo coroado de louros, por Apollonius

AMNunes