sexta-feira, dezembro 15, 2006

A Europa de Leste ou "o eu" e "o outro" (1) - Cinco imagens da Eslováquia (2005)

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Dois doutoramentos h.c. pela
Slovenskej poľnohospodárskej univerzity
(Nitra, Eslováquia - 2005)
Há dias terminei o comentário a um post sobre solenidades numa Universidade romena com a seguinte interrogação: «estes trajes existiram antes de 1945 e foram repostos ou foram criados "ex novo" depois de 1989 ?». A interrogação era, obviamente, retórica: eu tinha já a minha opinião sobre o assunto e recebi depois a satisfação de ver que António M. M. Nunes com ela implicitamente concordava em subsequente post. A verdade é que - com a relativa, plausível e ocasional excepção da então Checoslováquia - os países do Leste europeu que, do termo da Guerra ao final dos anos 80 do século que passou, conheceram regimes de Democracia Popular nada devem ter conservado em matéria de trajes e insígnias universitárias. Não é que os Regimes em causa não reconhecessem a importância do cerimonial, da solenidade, da formalidade: mas tudo se faria, muito mais asceticamente, em «traje de passeio» (entenda-se: fato ecuro). (A nossa I República, de 1910 a ca. 1920, não conciliou os fraques, as casacas, as sobrecasacas e os chapéus altos dos políticos com a suspensão do tradicional cerimonial universitário em Coimbra e a continuada inexistência do mesmo nas Escolas Superiores da Capital ? O Porto talvez tenha sido aí a excepção relativa, dados os antecedentes da Escola Médico-Cirúrgica e da Academia Politécnica em tempos de Monarquia Constitucional). A excepção estaria, até certo ponto, no mundo das Forças Armadas (recordem-se os desfiles militares no Kremlin por ocasião dos aniversários da Revolução de Outubro ou de funerais de leaders políticos ou partidários); mas mesmo assim comparem-se aí os uniformes de maior "gala" com os existentes nos Países ocidentais... Por outro lado, não seria fácil, ao longo de décadas, conservar exemplares de velhos trajes ou insígnias; e quanto a iconografia e a eventuais directivas protocolares, tudo isso estaria por certo - e na melhor das hipóteses - esquecido em arquivos de limitadíssimo acesso: eram coisas de tempo passado e a esquecer. A mudança de Regimes terá tornado estes Países terreno fácil para o regresso de pompas e cerimónias. E é aqui que entra o problema da possível e pontual excepção da Checoslováquia. Já nos anos 80 - não longe da «Revolução de Veludo» (que designação tão premonitória no tema que estou a tratar !...) - mas ainda em tempo de Presidência e de liderança partidária por Gustav Husak -, o leader da «Primavera de Praga» Alexander Dubcek (1923-1992) foi autorizado a regressar a Praga, vindo da remota localidade onde trabalhava como jardineiro, e depois a deslocar-se a Itália para receber o doutoramento h.c. por Bolonha. Entrevistado por um jornal ocidental (não me lembro qual nem de onde; mas a entrevista foi conhecida entre nós), falou a dado ponto no assunto aqui em questão; e revelou que anos antes a Universidade Karlova (Praga) voltara a realizar um doutoramento com o júri envergando toga (logo, estes trajes existiam lá...).
- E os russos não reagiram ? - interrogou o jornalista.
- Os russos ? Esses estavam cá fora cheios de ciúmes !...
Querem diálogo mais esclarecedor ? Assim se explica que hoje encontremos imagens de cerimonial universitário na Rússia, na Roménia, na Polónia, na Bulgária, na Hungria, na República Checa, na Eslováquia and so on. Recuperaram-se protótipos do traje ou exemplares plausivelmente arquivados de normas protocolares ? Seria muito difícil, se não impossível, pelas razões que já expus. Então o caminho foi o da (re)criação/(re)invenção, com escassas ou nulas bases enraizadas noutros tempos. O que explica as imagens romenas: becas com algum «ar de família» relativamente a congéneres italianas (o que tem a sua lógica naquele País limite da latinidade...) associadas a chapéus com o seu quê de anglo-americanos... Em tais circunstâncias não é muito difícil que possa surgir o exagero sumptuário e cromático, mediante a reprodução/reminiscência de vestuário da nobreza ou do alto-clero de séculos de Ancien(s) Régime(s). Mas também pode ocorrer que dentro de um mesmo País se possa dar a coexistência dos extremos, e encontrarmos igualmente vestes e insígnias mais 'espartanas': a Polónia e a República Checa são 2 bons exemplos, como teremos oportunidade de fazer notar.
O caso eslovaco aqui documentado, parecendo de algum aparato, situar-se-á, «quand même», a meio-termo. As becas têm cores-base (vermelho, azul escuro, preto) que, na sua diversidade, apontarão para diferenças de área científica; o tecido é brilhante e encrepado (o que reforça uma certa sumptuosidade). Sobrepõe-se-lhes uma medalha doutoral suspensa de algo que eu hesitarei em qualificar como epitógio de grandes dimensões ou capelo de pequena/média escala. Nos chapéus deparam-se-nos vários modelos: barrete simples, barrete bi-lobado, chapéu com frente em bico (1.ª imagem). Também nos aparece (igualmente na foto inicial) uma personagem (Reitor ?) com a frente da beca sobrepujada de longa peça de arminho; à sua esquerda na imagem, outro lente ostenta um capelo vermelho parecendo igualmente forrado a arminho. Poderão perguntar-me:
- Queres mais luxo ?
Responderei:
- Esperem até ver exemplos checos ou polacos !
E acrescentarei que o oposto - a simplicidade extrema - também irá surgir. (E de algum modo ela também já por aqui perpassa, no traje dos 2 doutorandos: tenha-se em conta a unidade cromática beca/epitógio). Isto, aliás, leva-nos a uma questão que depois merecerá mais longo tratamento: é que esses dois extremos podem coexistir não só no mesmo País como na mesma «toilette». Repare-se: em Espanha, em Portugal e até certo ponto na Itália há um traje-base (hábito talar, beca, toga) preto e relativamente simples, que apenas a rica policromia das insígnias vem avivar. E num País como o nosso, em que o traje se usa nos actos correntes (v.g. doutoramentos), é apenas essa simples andaina negra que então surge. O que nos levará a dizer: origem-base em hábitos de médio e pequeno clero e de homens de Leis. Mas noutros casos, o próprio trajar-base já apresenta diferentes cores, consoante a área do Saber e, eventualmente, a dignidade académica; origem plausível: alto-clero e nobreza(s) de antanho. Esta última situação já a vemos no mundo anglo-saxónico. E iremos, continuadamente, revê-la no Leste Europeu, ainda que não raro em coexistência com o seu contrário.
«Em coexistência com o seu contrário»... Que excelente lema para um espaço «do Atlântico aos Urais» !...
Armando Luís de Carvalho HOMEM


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