domingo, janeiro 07, 2007

A mulher…e a Canção de Coimbra !

Texto incluído no caderno que acompanha o CD de Cristina Cruz. Texto enviado por Paulo Larguesa.
A Coimbra de ontem! A vida em Coimbra, há décadas atrás, era romântica, sedutora, apaixonante. A sociedade, marcadamente conservadora e machista, ditava as suas leis. O homem apaixonado namorava à porta ou à janela. A mulher, a partir de certa hora, recolhia a casa. Se o não fizesse era apelidada de “prostituta”. À noite os estudantes, sem televisão, computador ou telemóvel, tinham duas alternativas: estudar ou tocar e cantar. A comunicação com a sua amada era feita através do fado de Coimbra. Era o tempo da “serenata de rua”. Essa sim, a verdadeira serenata cantada para alguém, sem assistência, e hoje praticamente extinta. A mulher, musa inspiradora dos poetas e cantores, era o epicentro das atenções masculinas. O amor, a paixão, a saudade, a despedida eram cantadas duma forma intensa. O homem dominava a sociedade e a Universidade era maioritariamente masculina, logo, fazia sentido o fado de Coimbra ser tocado e cantado apenas por homens. Mas já nesse tempo havia mulheres a cantar, e bem, o fado. Recordo-me, por exemplo, da minha mãe que, segundo os meus antepassados, cantava às escondidas, encantando alguns estudantes da época, entre os quais o grande cantor Nani, que se escondia para ouvi-la cantar. A sociedade machista, aliada a certos fundamentalistas já existentes nesse tempo, não permitia tais veleidades. Mas, a partir da década de 60, o fado começou a mudar. As más condições de vida do povo, aliadas à crise política gerada pela guerra colonial, deram um novo rumo à canção coimbrã. Do fado romântico passou-se ao fado de intervenção. As trovas de Adriano, as canções do mar e da vida de Luiz Goes e, sobretudo, as baladas de Zeca Afonso ao romperem com as guitarras, deram uma contestação político-social à música de Coimbra. Zeca Afonso, criticado e perseguido pelos ultra-conservadores, viria mais tarde a ser idolatrado. As suas baladas intemporais ainda hoje são cantadas, ou será que hoje não existem vampiros? Zeca Afonso e Adriano cantavam “Meu amor é marinheiro” e, assim, chegámos ao movimento estudantil e à revolução de Abril. Lentamente começou a emancipação da mulher na sociedade. Hoje, segundo estudo efectuado, a actual academia de Coimbra comporta 61% de mulheres. Da secção de fado da A.A.C, presidida por uma mulher, surgem as primeiras guitarristas. Na Sé Velha, Ana Sadio brilha com a sua guitarra. A mulher passa a ter um papel mais interventivo na música coimbrã, em tunas femininas, em tunas mistas, em organismos como as Mondeguinas, as Fãs, etc. e em cujo repertório já incluem alguns fados de Coimbra. As repúblicas passam a ser mistas. As serenatas à janela dão lugar às discotecas! Já alguém dizia: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.” Certos fundamentalistas vão caindo, tal como no Outono das árvores caem as folhas. A mulher a cantar o fado começa a ser um dado adquirido. Finalmente, surge a primeira mulher a interpretar admiravelmente a canção coimbrã. É a Coimbra de hoje!
Cristina Cruz acaba de presentear os amantes da canção de Coimbra com este magnífico trabalho! Os actuais cantores, principalmente os ayatholas que, segundo o distinto Prof. Carlos Fiolhais, ainda existem em Coimbra e que não deixam as mulheres cantar o fado, deviam ouvir, analisar este trabalho e, sem machismos bolorentos, tirar as necessárias conclusões. Cristina Cruz, com uma voz cristalina, romântica, timbrada e cuidada, aliada a uma excelente interpretação, tanto no fado clássico como na nova canção de Coimbra, vai, de certo, contribuir para o ponto de viragem e estimular o aparecimento de outros valores femininos. A canção de Coimbra precisa de renovação e modernidade, respeitando sempre a matriz coimbrã. É tempo, segundo o sociólogo Elísio Estanque, de um verdadeiro movimento feminista se impor na academia. As estudantes da Academia de Coimbra devem tomar posição, ou poderão ser ultrapassadas pelas colegas doutras universidades. Aprendam a tocar e a cantar o fado de Coimbra! A canção de Coimbra não tem sexo! Procurem alguém que vos ensine! Cantem e criem novas poesias! Mas é fundamental cantar bem, tal como o faz neste trabalho Cristina Cruz. A esta jovem universitária de Aveiro, aqui lhe deixo os meus parabéns pela excelente voz, magnífica interpretação e, ainda, pela coragem, sofrimento, dedicação e aprendizagem conseguidas. A canção coimbrã sai enriquecida, fortalecida, mas, sobretudo, diferente para melhor, com o magnífico trabalho realizado. Parabéns à cantora e aos músicos!

António Jesus

GUITARRAS DE COIMBRA

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