Na memória do olhar
A música de Coimbra, a música cantada, tirando a superior presença de Luís Goes, adormeceu nas águas chocas do convencionalismo, sem um módico de inovação. Goes desde há meio século que vem sacudindo as poeirentas vestes de uma canção que adormeceu no tempo, suspirante e trigueirinha, nas capas velhinhas e nos ais de afirmação masculina, sem respiração arejada e colada a mitos. Zeca Afonso semeou incómodos. José Mesquita ensaiou novas palavras e outras melodias. Por aqui nos ficamos, acrescentando o contributo de Jorge Cravo. As gatas miadeiras de que falava Artur Paredes multiplicaram-se como saprófitas de um tempo que foi. Luíz Goes é outra música. Outra maneira de pensar e interpretar, sempre novo e sempre renovado, como provou há pouco com o Coimbra Espírito e a Raiz, dando voz a poemas de Carlos Carranca e à música de João Moura.
Surge agora na música de Coimbra algo a reter. Refiro-me a Cristina Cruz e ao seu disco Coimbra Memória do Meu Olhar. O chamado fado de Coimbra, cantado por esta mulher, acorda-nos para novos entendimentos. Mesmo quando canta temas ditos clássicos, a beleza do timbre e a segurança interpretativa, somados à limpidez e escorreiteza da articulação verbal, nada tem que ver com a banalidade em circulação. Ouvir Coimbra neste outro olhar, é acreditar na singularidade desse fabuloso património que é a sua música.
Dizem-me que há quem se incomode com a ideia de uma mulher a cantar música coimbrã. Só faltava mesmo essa. A interposição sexista atesta menoridade ao que se quer património universal. Intolerável no nosso tempo.
Cristina Cruz prova-o com este trabalho, que esperamos seja primeiro de muitos outros. De muitas outras. Abre portas. Caberá às mulheres que querem cantar a nossa música descobrirem caminhos próprios, na melodia como nas palavras, o que só contribuirá para o reconhecimento do que há de intemporal na música de matriz coimbrã.
Há quem insista em radicar música de Coimbra nos cancioneiros medievais, ideia aceitável por transculturalidade. Sobram confusões entre estruturas modal e tonal. Também há quem persista em medievalizar a vida portuguesa. A via da referida segregação é mais um passo. Acabarão exaustos.
Este disco de Cristina Cruz, suportado por acompanhamentos que são uma forma paralela e superior de criação, onde avultam a guitarra de Carlos Jesus e a viola de Paulo Larguesa, na boa companhia de António Jesus, Alexandre Cortesão, Bernardino Gonçalves e Fernando Plácido, é uma pedrada no charco.
José Henrique Dias
Surge agora na música de Coimbra algo a reter. Refiro-me a Cristina Cruz e ao seu disco Coimbra Memória do Meu Olhar. O chamado fado de Coimbra, cantado por esta mulher, acorda-nos para novos entendimentos. Mesmo quando canta temas ditos clássicos, a beleza do timbre e a segurança interpretativa, somados à limpidez e escorreiteza da articulação verbal, nada tem que ver com a banalidade em circulação. Ouvir Coimbra neste outro olhar, é acreditar na singularidade desse fabuloso património que é a sua música.
Dizem-me que há quem se incomode com a ideia de uma mulher a cantar música coimbrã. Só faltava mesmo essa. A interposição sexista atesta menoridade ao que se quer património universal. Intolerável no nosso tempo.
Cristina Cruz prova-o com este trabalho, que esperamos seja primeiro de muitos outros. De muitas outras. Abre portas. Caberá às mulheres que querem cantar a nossa música descobrirem caminhos próprios, na melodia como nas palavras, o que só contribuirá para o reconhecimento do que há de intemporal na música de matriz coimbrã.
Há quem insista em radicar música de Coimbra nos cancioneiros medievais, ideia aceitável por transculturalidade. Sobram confusões entre estruturas modal e tonal. Também há quem persista em medievalizar a vida portuguesa. A via da referida segregação é mais um passo. Acabarão exaustos.
Este disco de Cristina Cruz, suportado por acompanhamentos que são uma forma paralela e superior de criação, onde avultam a guitarra de Carlos Jesus e a viola de Paulo Larguesa, na boa companhia de António Jesus, Alexandre Cortesão, Bernardino Gonçalves e Fernando Plácido, é uma pedrada no charco.
José Henrique Dias
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