quarta-feira, abril 18, 2007

Crise Académica de 1907 (2)


A revolta estudantil de 1907 (3)

A revolta estudantil de 1907 foi um dos acontecimentos sociais e políticos mais relevantes, ocorridos no ocaso da Monarquia. Suscitada pela reprovação nos actos de habilitação ao grau de Doutor em Direito, do licenciado José Eugénio Dias Ferreira (filho do famigerado ministro monárquico Dias Ferreira), que se realizaram nos dias 27 e 28 de Fevereiro, na Universidade de Coimbra, gerou, – devido à alegada parcialidade do júri e ao insólito da deliberação – um generalizado repúdio da Academia coimbrã, que se manifestou de vários modos, alguns – os imediatos – de forma desmedida, contra a deliberação tomada e, mais genericamente, contra o sistema de ensino vigente na Universidade (Direito quase incluía metade dos alunos matriculados!), onde não só continuava a imperar o mandarinato da cátedra e do seu arbítrio mas também o sistema de ensino (do ponto de vista pedagógico e científico) deixava muito a desejar (porque assente, sobretudo, no argumento da autoridade) e se mostrava, ostensivamente, de costas voltadas para a sociedade. A reacção estudantil, que passou por um boicote às aulas, levou ao encerramento da Universidade pelo Governo, em 2 de Março, depois de auscultado o Reitor. Coerentes com as razões da sua atitude contestatária, os estudantes dirigiram-se a Lisboa, a fim de apresentarem ao Governo e ao Presidente da Câmara dos Deputados, as suas reivindicações, como condição do regresso á normalidade escolar. O Governo, com o apoio do monarca, o rei D. Carlos, recusou, invocando não negociar num clima de desordem pública e paralisação escolar, que se alastrara já a outros estabelecimentos do ensino superior de Lisboa e Porto. Esta mesma razão – uma “questão de ordem pública” – foi, reiteradamente, invocada por diversos membros do Governo (entre os quais, e sobretudo, João Franco) para não ceder às exigências dos estudantes, acusando mesmo a greve de ter subjacente intenções políticas subversivas (leia-se “republicanas”). Para o Governo, portanto, a greve do ensino superior iniciada em Coimbra era uma questão de ordem pública (e, por isso, só pela força se resolveria) cuja finalidade era desestabilizar e subverter a ordem política vigente, ou seja, o regime monárquico. Não era essa a opinião dos republicanos – como António José de Almeida e Bernardino Machado, entre outros – que, embora repudiando o alegado envolvimento do Partido Republicano na greve, apoiava as suas reivindicações, porque as justificava a liberdade de pensamento, a moral e a renovação do ensino que tinha de fazer a instituição que era o alfobre das elites do país. Na greve, ficaram, pois, frente a frente e num painel que se alastrou a nível nacional, a propósito de um mero acto académico, o principio da autoridade (Monarquia) e o princípio da liberdade (República). Apesar da intransigência do Governo, ostensivamente, alardeada pelo acórdão disciplinar “ignominioso” e “monstruoso” (como o adjectivaram vários jornais) de 1 de Abril, do Conselho de Decanos da Universidade, que condenou 17 estudantes como “agentes criminosos” e principais instigadores do movimento estudantil (votando sete deles à expulsão); apesar do Governo ter reaberto as portas da Universidade em 8 de Abril, ter enviado forças policiais para Coimbra e dado ordens aos Governadores civis desta cidade e, ainda, de Lisboa e Porto, para proibirem quaisquer reuniões estudantis na via pública ou em edifícios públicos, na convicção de que muitos alunos estavam dispostos a regressar à normalidade escolar, se esta não lhe fosse boicotada; teve, todavia, a desagradável surpresa não só da não comparência dos alunos de Coimbra às aulas como da generalização da greve aos restantes estabelecimentos de ensino superior do país. Confrontado e apertado pelas interpelações das Câmaras sobre a situação estudantil, encerra, antecipadamente, o Parlamento em 11 de Abril (três dias depois da generalização da greve) e no dia 15, do mesmo mês, manda encerrar todos os estabelecimentos do ensino superior. O franquismo, por via da greve académica, acelerava, assim, o seu trânsito da via liberal para a via ditatorial, precipitando a própria agonia do regime. Com a mudança de Reitor, em meados de Abril (passou a sê-lo o Par do Reino D. João de Alarcão, filiado no Partido Progressista) e com os exames cada vez mais próximos, algumas dezenas de Pais, em fins de Abril, com a cumplicidade (por inércia) da maior parte dos seus filhos e do Reitor, procuram desbloquear a situação. E em meados de Maio, uma Comissão de Pais consegue ser recebida pelo Rei D. Carlos (na presença de João Franco) ao qual pedem a “graça régia” para os alunos grevistas e a possibilidade de resgatarem o ano lectivo em vias de se perder. O rei acabou por ser sensível ao pedido feito (também ele e o seu Governo estavam num impasse) e acabou por amnistiá-los, reabrindo a Universidade, para efeito de matrículas, em 23 de Maio, recusando, contudo, a “graça régia”, 160 estudantes (doravante conhecidos por “intransigentes”). Contudo, em meados de Julho, o reitor, em nome da maioria dos alunos ex-grevistas, entretanto reintegrados, entregava ao Rei uma representação por eles assinada, no qual pediam o indulto para os 7 colegas expulsos e igualmente um acto de benevolência para com os chamados intransigentes, para que estes pudessem voltar à Universidade. O Rei cedeu. E em fins de Agosto era publicado o decreto que amnistiava e reintegrava todos os estudantes. Mas a monarquia apenas conseguiu uma vitória pírrica, pois virou contra si a opinião pública pelo seu ostensivo autoritarismo, converteu, em republicanos, estudantes que não o eram e distanciou não poucos monárquicos da “monarquia”, que consentira, através do Governo, uma tal actuação de “força” (infringindo ou sofismando o Direito) na questão académica.

Norberto Ferreira da Cunha
Consultor Científico do Museu Bernardino Machado
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Exposição (4)
Centenário da Revolta Académica de 1907
25 Abril 2 Setembro

A revolta académica de 1907 é o tema da exposição, organizada pelo Museu Bernardino Machado, que estará patente ao público até 2 de Setembro.
A reprovação de José Eugénio Ferreira, licenciado em Direito, nas provas de doutoramento, esteve na origem do protesto da Academia de Coimbra que, rapidamente, evoluiu para um movimento estudantil de dimensão nacional. A greve nos estabelecimentos de ensino superior e liceus de norte a sul do país, a seguir à condenação pelo Conselho dos Decanos de um grupo de estudantes, considerados os mentores e instigadores da revolta académica, conduziu à intervenção de destacadas personalidades políticas e a uma forte contestação ao governo de João Franco. Bernardino Machado, na época professor catedrático da Universidade de Coimbra, solidarizou-se com os estudantes, apoiando as reivindicações de reforma do ensino e abolição do foro académico. A exoneração do cargo, a seu pedido, era inevitável.
Na exposição são apresentados documentos do Fundo Particular de Bernardino Machado e do Arquivo da Universidade de Coimbra, e ainda um conjunto interessante de fotografias, caricaturas e recortes de imprensa, seleccionados em periódicos da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco/Vila Nova de Famalicão, Biblioteca Pública Municipal do Porto, Biblioteca Pública de Braga.

Museu Bernardino Machado
Rua Adriano Pinto Basto, n.º 79
Vila Nova de Famalicão
Terça a Sexta, 10h-17.30h
Sábado e Domingo, 14.30h-17.30h
Encerrado à Segunda-feira e Feriados
[Os documentos 1, 2, 3 e 4 relativos à Crise Académica de 1907 e Movimentos Estudantis do século XX, foram gentilmente remetidos ao Blog pela Sra. Dra. Paula Lamego, do Museu Bernardino Machado, Vila Nova de Famalicão.
Seja-nos permitido testemunhar à Dra. Paula Lamego público agradecimento, AMNunes]

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