Bloco de Notas (6)
1979 ... Vou começar hoje a recordar a minha iniciação no fado e na guitarra de Coimbra.
Em novo, perguntavam-me o que queria ser quando fosse "grande"!
Como o meu padrinho era professor do liceu, e sempre que lá ia a casa era tratado com uma deferência especial, comecei a pensar que, mais tarde, quereria ser como ele. Sonhava então ser doutor! De quê? Não me interessava nem sabia o que isso era!
Já andava há uns dois ou três anos no liceu, quando passei a ouvir falar de Coimbra, das suas tradições e, principalmente, do seu fado. Comecei a ficar com curiosidade de saber o que isso era e, um dia, ouço na rádio, anunciado como fado de Coimbra, “Maria se fores ao baile” cantado, penso eu, por Fernando Rolim. Despertou-me a atenção e não desgostei. Curiosamente, no espaço de oito dias, ouvi o fado mais duas vezes. O “virus” acabara por entrar. A música ficou-me no ouvido e a letra registei-a para não mais a esquecer. Sempre que havia ocasião para isso, lá estava eu a trauteá-la. Entretanto já me tinha embrenhado na música em geral. Já era um apreciador de música ligeira!
Quando ainda criança, o meu pai punha-me à volta dele com os meus irmãos e ensináva-nos a cantar. Cantávamos então todos em coro. Era o “Alecrim”, “Caiu do céu uma estrela”, etc, etc. Eram momentos deliciosos, normalmente depois do jantar.
O meu pai, e o meu irmão mais velho, tocavam violino. Gostava de os ouvir mas, praticamente, nunca tentei tocar este instrumento, nem tinha permissão para isso. Mas, verdade seja dita, nunca me entusiasmou a sua aprendizagem, embora hoje sinta bastante pena.
Quando fiz dez anos, a minha mãe ofereceu-me uma harmónica de boca (gaita de beiços). Foi uma alegria, aquele momento. Em poucos dias já tocava várias músicas populares e de dança, utilizadas muito em colectividades, como a do “Viseu e Benfica”, localizada junto à minha quinta, em Viseu e para onde eu ia muitas vezes ouvir as orquestras e dançar, também.
A partir da audição regular de música de Coimbra na rádio, pedi a minha mãe que me ensinasse viola. Havia duas lá em casa. Ensinou-me o lá menor, que era o único tom que sabia, primeira e segunda posições.
Foi uma nova sensação que de mim se apoderou. Em todos os momentos livres, punha-me a cantar e a acompanhar simultaneamente. O lá menor dava para tudo, talvez até para canções em lá maior, quem sabe! A minha memória já não chega a tanto!
Em pouco tempo aprendi mais tons que o meu pai e o meu irmão mais velho me ensinaram. Comprei, entretanto, o método do João Victória, tendo ficado com uma visão mais alargada dos tons na viola.
Comecei a consultar os programas de rádio que os jornais publicavam e não falhei mais nenhum sobre Coimbra. Ouvia uma vez um fado, escrevia a letra que conseguia, e alguma da música cá ficava. Na repetição do programa – era sempre repetido – completava a letra e fixava melhor a música. Algumas peças mais elaboradas, aprendê-las-ia totalmente, mais tarde, noutros programas, em que eram novamente apresentadas.
Numa certa noite, acompanhado por alguns colegas, um deles de viola a tiracolo, combinámos ir fazer barulho a um lar de raparigas situado perto do nosso liceu. Lá fomos e, no meio da algazarra, pedi a viola emprestada e arranquei um fado do fundo da alma! O pessoal ficou mudo de espanto, pois não me conheciam tal faceta, já que eu era, normalmente, pouco expansivo. Entusiasmei-me com o sucesso e lá foram mais alguns! Para as raparigas foi uma noite diferente! Abriram e fecharam luzes a agradecer. Enfim, estava lançado o hábito de fazer serenatas naquela cidade, hábito esse que apenas terminou, quando de lá saí para Coimbra.
Lembro-me de um dia ir fazer uma serenata a uma rapariga, que morava perto da Sé, eu só, com a minha viola, com alguns compinchas destas lides a fazerem-me companhia. Mal comecei, vejo os meus companheiros dar às de vila-diogo, ao verem um polícia aparecer na esquina. Fiquei sozinho, sem temor e, curiosamente, nada me aconteceu. O polícia deve ter gostado e nada fez. Claro que, por vezes, havia corridas entre a estudantada e a polícia.
Quando, mais tarde, as serenatas começaram a ser feitas também com guitarras e outros cantores, íamos ao Comando da Polícia pedir autorização, a qual, normalmente, não era negada.
1979 ... Vou começar hoje a recordar a minha iniciação no fado e na guitarra de Coimbra.
Em novo, perguntavam-me o que queria ser quando fosse "grande"!
Como o meu padrinho era professor do liceu, e sempre que lá ia a casa era tratado com uma deferência especial, comecei a pensar que, mais tarde, quereria ser como ele. Sonhava então ser doutor! De quê? Não me interessava nem sabia o que isso era!
Já andava há uns dois ou três anos no liceu, quando passei a ouvir falar de Coimbra, das suas tradições e, principalmente, do seu fado. Comecei a ficar com curiosidade de saber o que isso era e, um dia, ouço na rádio, anunciado como fado de Coimbra, “Maria se fores ao baile” cantado, penso eu, por Fernando Rolim. Despertou-me a atenção e não desgostei. Curiosamente, no espaço de oito dias, ouvi o fado mais duas vezes. O “virus” acabara por entrar. A música ficou-me no ouvido e a letra registei-a para não mais a esquecer. Sempre que havia ocasião para isso, lá estava eu a trauteá-la. Entretanto já me tinha embrenhado na música em geral. Já era um apreciador de música ligeira!
Quando ainda criança, o meu pai punha-me à volta dele com os meus irmãos e ensináva-nos a cantar. Cantávamos então todos em coro. Era o “Alecrim”, “Caiu do céu uma estrela”, etc, etc. Eram momentos deliciosos, normalmente depois do jantar.
O meu pai, e o meu irmão mais velho, tocavam violino. Gostava de os ouvir mas, praticamente, nunca tentei tocar este instrumento, nem tinha permissão para isso. Mas, verdade seja dita, nunca me entusiasmou a sua aprendizagem, embora hoje sinta bastante pena.
Quando fiz dez anos, a minha mãe ofereceu-me uma harmónica de boca (gaita de beiços). Foi uma alegria, aquele momento. Em poucos dias já tocava várias músicas populares e de dança, utilizadas muito em colectividades, como a do “Viseu e Benfica”, localizada junto à minha quinta, em Viseu e para onde eu ia muitas vezes ouvir as orquestras e dançar, também.
A partir da audição regular de música de Coimbra na rádio, pedi a minha mãe que me ensinasse viola. Havia duas lá em casa. Ensinou-me o lá menor, que era o único tom que sabia, primeira e segunda posições.
Foi uma nova sensação que de mim se apoderou. Em todos os momentos livres, punha-me a cantar e a acompanhar simultaneamente. O lá menor dava para tudo, talvez até para canções em lá maior, quem sabe! A minha memória já não chega a tanto!
Em pouco tempo aprendi mais tons que o meu pai e o meu irmão mais velho me ensinaram. Comprei, entretanto, o método do João Victória, tendo ficado com uma visão mais alargada dos tons na viola.
Comecei a consultar os programas de rádio que os jornais publicavam e não falhei mais nenhum sobre Coimbra. Ouvia uma vez um fado, escrevia a letra que conseguia, e alguma da música cá ficava. Na repetição do programa – era sempre repetido – completava a letra e fixava melhor a música. Algumas peças mais elaboradas, aprendê-las-ia totalmente, mais tarde, noutros programas, em que eram novamente apresentadas.
Numa certa noite, acompanhado por alguns colegas, um deles de viola a tiracolo, combinámos ir fazer barulho a um lar de raparigas situado perto do nosso liceu. Lá fomos e, no meio da algazarra, pedi a viola emprestada e arranquei um fado do fundo da alma! O pessoal ficou mudo de espanto, pois não me conheciam tal faceta, já que eu era, normalmente, pouco expansivo. Entusiasmei-me com o sucesso e lá foram mais alguns! Para as raparigas foi uma noite diferente! Abriram e fecharam luzes a agradecer. Enfim, estava lançado o hábito de fazer serenatas naquela cidade, hábito esse que apenas terminou, quando de lá saí para Coimbra.
Lembro-me de um dia ir fazer uma serenata a uma rapariga, que morava perto da Sé, eu só, com a minha viola, com alguns compinchas destas lides a fazerem-me companhia. Mal comecei, vejo os meus companheiros dar às de vila-diogo, ao verem um polícia aparecer na esquina. Fiquei sozinho, sem temor e, curiosamente, nada me aconteceu. O polícia deve ter gostado e nada fez. Claro que, por vezes, havia corridas entre a estudantada e a polícia.
Quando, mais tarde, as serenatas começaram a ser feitas também com guitarras e outros cantores, íamos ao Comando da Polícia pedir autorização, a qual, normalmente, não era negada.
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