PROSPECÇÃO
AMOSTRAGEM REPERTORIAL
1 – VERTENTE LUNAR (Brancura brancura). Música de Jorge Machado; Letra de Edmundo Bettencourt; composição de 2003; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
2 – PROSPECÇÃO (Não são pepitas de oiro que procuro). Música de Jorge Machado, Fernando Marques, Manuel João Vaz; Letra de Miguel Torga; composição de 2003; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/ Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Manuel João Vaz
3 – POR UM TEMPO. Música de Fernando Marques; composição de 1997. Interpretação de Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjo de Fernando Marques
4 – O ROMANCE, A VIDA E A MORTE (Solto o silêncio por ti). Música de Jorge Machado e Nuno Oliveira; Letra de Jorge Machado e José Manuel Beato; composição de 1998; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjo de Nuno Oliveira
5 – CANÇÃO DA PARTIDA (Ao meu coração um peso de ferro). Música de Fernando Marques; letra de Camilo Pessanha; composição de 2002; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques,/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
6 – ESTUDO EM SOL MENOR. Música de Fernando Marques; composição de 2001. Interpretação de Fernando Marques/ Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
7 – OCASO (Deixai-me repousar no mar). Música de Jorge Machado e Fernando Marques; letra de Jorge Machado; composição de 2003; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques
8 – DESTINO (Irmão navegante). Música de Jorge Machado e Nuno Oliveira; Letra de Edmundo Bettencourt; composição de 200; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques, Pedro Nunes, Nuno Oliveira
9 – CANÇÃO DESESPERADA (Nem os olhos sabem que dizer). Música de Fernando Marques; letra de Eugénio de Andrade; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
10 – NÃO MAIS REPOUSES (Com lágrimas da noite). Música de Jorge Machado e Nuno de Oliveira; letra de Edmundo Bettencourt; composição de 2004; arranjo de Nuno de Oliveira. Canta Jorge Machado acompanhado por Manuel João Vaz (solos de viola nylon) e Fernando Marques (guitarra); arranjos de Nuno Oliveira e Fernando Marques
"PROSPECÇÃO” ENTRE OS TONS DE LÁ E RÉ
Os elementos da formação Canção de Coimbra, activos na Academia de Coimbra entre 1995-1999, afirmaram-se no seio da TAUC, esse jurássico organismo estudantil que desde 1888 não tem cessado de formar e promover agentes da CC. Apenas Jorge Vaz Machado se pode dizer alienígena, vindo do grupo Quarto Crescente, também ele activo na TAUC. Nuno Oliveira, ainda como aluno da Faculdade de Medicina, colaborou com José Manuel Beato em infindáveis discussões estético-musicais e na feitura da Balada de Despedida do 4º Ano de Filosofia 1994.
Todos eles herdaram uma formação juvenil algo estreita, numa década de propósitos estéticos em que há de tudo um pouco: renovações, fusões, ecletismos, redescobertas nas margens e no rescaldo dos grandes paradigmas.
A conclusão das formaturas e a dispersão geo-profissional ditaram uma espécie de pousio voluntário encerrado em 2002 com a definição de objectivos apostados no campo da inovação. O "regresso" fica marcado pelo amadurecimento e pela abertura de horizontes. De alguma forma, já nos tínhamos encontrado desde os inícios com Fernando Marques e Nuno de Oliveira. Apresentei o espectáculo do grupo e ouvi-o com renovado agrado no dia 1 de Fevereiro de 2003, no Memorial de Edmundo de Bettencourt, promovido pela Câmara Municipal de Coimbra. Machado interpretou Fado dos Olhos Claros, Mar Alto, Saudadinha, Inquietação e Direcção, tendo esta formação seguido arranjos de Octávio Sérgio (Inquietação), Artur Paredes (registos de 1928-1929) e de João Bagão (1967: Direcção).
Por onde nos levam o barítono Jorge Machado, os guitarristas Fernando Marques/Pedro Nunes, o viola Manuel Vaz, o cravista Nuno Oliveira, vencedores que foram da primeira edição do Prémio de Inéditos Edmundo Bettencourt 2004? Para os terrenos da após modernidade, onde há menos de "revolução" e mais de "evolução na continuidade". Daí as intertextualidades subjacentes à estrutura deste projecto estético que procura articular os fios da tradição com os pressupostos herdados da modernidade. Creio que vale bem a pena ouvir o projecto destes "jovens artistas" de quem apenas conhecíamos voláteis prestações no colectivo Baladas de Despedida dos Anos 90, Coimbra, CD-SF 014, 2002. Terminada a audição dos 10 temas alinhados, se alguma reminiscência nos acode à outiva, ela é seguramente "Portugal. Fados from Coimbra", gravado em Dezembro de 1964 pelos irmãos Melos com o barítono José Miguel Baptista. Após a atribuição oficial do galardão, em Julho de 2004, durante as Festas da Cidade de da Rainha Santa, importava ensaiar arduamente, corrigir lacunas, aprimorar arranjos. O Grupo Canção de Coimbra soube encontrar um bom estúdio, servido por técnicos de qualidade, e a fotógrafa Susana Paiva proporcionou fotografias que reelaboradas nos oferecem uma capa onde se vislumbram silhuetas na cidade. Houve uma clara intenção de distanciamento em relação às convencionalíssimas capas onde soíam perfilhar-se hieráticos engolidores de vassouras que pareciam carpir velórios.
Os autores convidam-nos a uma viagem de efeitos tranquilizantes, a lembrar o primeiro José Miguel Baptista. Cada peça é globalmente tratada como obra de arte: melodia/arranjo/interpretação, ou melodia/texto/interpretação vocal/arranjo/acompanhamento, num estranho percurso em modo menor (são 10 temas em menor) com alargadas simpatias pelas marcações ternárias compostas. Noutras épocas, uma tal sobrecarga de menores redundaria fatalmente nas mais lacrimogéneas plangências.
Vertente Lunar é uma ária em compasso 6/8, na tonalidade de Lá Menor, com duas partes musicais, sem grandes surpresas. Prospecção insinua-se um 4/4 (Mi Menor), também com duas partes musicais, de estrutura tradicional (A/B/C/B). Ao enfatizar a entrada do 5º verso da 1ª estrofe ("Do homem"), o cantor como que se aproxima da fase heróica goesiana (1969-1972). Em Por Um Tempo, Fernando Marques reconverte uma peça instrumental que usara como indicativo. Pode ser vista como um nocturno 6/8 com introdução em Lá Menor, desenvolvimento em Lá Maior e coda em Lá Menor. Nela o autor revisita o seu tempo de estudante e de aprendiz de guitarra. O Romance é bem uma ária estrófica classizante em 6/8, a namorar a tonalidade de Mi Menor, composta por uma introdução, 1ª estrofe, separador, 2ª estrofe (A/B/A). Pessanha (Canção da Partida) merece um compasso 6/8, e a tonalidade de Lá Menor, com um remate rítmico convencional na tonalidade de Sol Menor. Se do ponto de vista da forma temos uma sequência A/B/A/C, os trechos iniciais do separador como que nos remetem para Francisco Martins na já distante Flores Para Coimbra (Cf. LP Flores para Coimbra, Porto, Orfeu SB-1198, ano de 1969, Lado A, faixa nº 1). Estudo em Sol Menor começa por ser um exercício apresentado por Fernando Marques, sem precedentes onde colher inspiração local, com todas as dificuldades inerentes à inibição do uso de cordas soltas na guitarra coimbrã. Este Sol Menor não é exactamente uma variação em sentido clássico. O autor abre com um segmento em 2/4, na tonalidade de Ré Menor, passando mais tarde a um segmento em compasso 3/8, na tonalidade de Sol Menor. Pelo meio fica um trecho povoado de dissonâncias, que se quer executado ad libitum, como se de uma cadenza se tratasse. E aqui se ouve um sopro bem mediterrâneo, onde Marques se inspirou após uma viagem à Turquia. Ocaso, não por acaso, bem nos leva a José Miguel Baptista e a esquecidos espécimes do tipo Capas Soltas. Eis-nos perante uma estrutura A/B/A, de tipologia estrófica: introdução de guitarra/viola em compasso 2/4, na tonalidade de Sol Menor, com uma modulação a Dó Menor em compasso 6/8. Destino apresenta uma estrutura atípica, alicerçada em duas partes musicais bem diferenciadas, onde impera a tonalidade de Lá Menor (início em 4/4, passando a 6/8). E é na segunda parte deste trecho musical ("Música na onda") que a outiva se lembra de José Afonso no estribilho de Cantares de Andarilho (registo de 1968, com Rui Pato, concretamente "Andei à giesta/Ao lírio maninho"). O poema de Eugénio de Andrade (Canção Desesperada) é tratado em moldes de ária clássica, em "clássico" compasso 4/4 e tonalidade de Dó Menor, sendo que na 1ª estrofe o cantor bisa apenas o 4º verso, enquanto na 2ª bisa integralmente o 2º dístico. Para terminar, Não Mais Repouses será porventura a peça onde se nota mais larga intervenção de Nuno Oliveira. Esta é bem uma composição inovadora no sentido pleno do termo: introdução de viola solo em compasso ternário, na tonalidade de Ré Menor; vocalização da 1ª estrofe, com os dísticos solados e bisados em cadência flexível (próxima do 4/4), à qual se segue uma segunda parte que modula a 6/8 a Sol Menor (compasso 6/8), com intervenções pontuais de guitarra.
Mas melhor do que ninguém os autores do projecto o podem apresentar e cantar. Um canto que depois do fim das grandes metanarrativas estético-ideológicas ainda nos remete para um lugar onde corre um rio. Um rio-referente, despojado de banais clichés!
BIOGRAFIAS
Jorge Vaz MACHADO. Barítono, intérprete da CC. Nasceu no Algarve. Frequentou o curso de economia na Faculdade de Economia da UC Iniciou-se em 1991 na Secção de Fado da AAC. Foi membro dos grupos Ad Libitum e Ginga Balaya. Entre 1993-2000 passou a integrar formações activas na TAUC. Integrou o Grupo Canção de Coimbra em 2002.
Fernando Dias MARQUES. Executante de Guitarra de Coimbra. Nasceu nos EUA em 1971, tendo feito os estudos secundários em Carregal do Sal. Frequentou o curso de Sociologia na UC entre 1990-1995. É professor do ensino profissional e mestrando na Faculdade de Psicologia da UC onde prepara uma tese inédita sobre os processos se ensino/aprendizagem da Guitarra de Coimbra. Iniciou-se na aprendizagem da Guitarra de Coimbra em 1992 com o Dr. Jorge Gomes.
Pedro Miguel Pinto NUNES. Executante de Guitarra de Coimbra. Nasceu em Coimbra no ano de 1976, tendo realizado os estudos secundários em Vila Real. Frequentou o curso de Química Industrial na UC desde 1994. Fez a sua aprendizagem de guitarra com o Dr. Jorge Gomes nas escolas da Secção de Fado da AAC e da TAUC. Integrou as formações Grupo Canção de Coimbra (1995-1999) e Quarto Crescente (1999-2002).
Manuel João Mendes Macor dos Santos VAZ. Executante de viola de acompanhamento. Nasceu em Coimbra no ano de 1974. Frequentou Direito na UC a partir de 1991. Iniciou a aprendizagem da guitarra clássica em 1982, tendo frequentado as escolas da Secção de Fado da AAC. Na década de 1990 integrou formações como Ad Libitum e Questão Coimbrã. Ingressou no Grupo Canção de Coimbra em 1997.
Nuno OLIVEIRA. Natural de Lisboa, formou-se em Medicina Dentária na Faculdade de Medicina da UC. Possui o Curso Superior de Piano pela Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa. De 1999 a 2001 especializou-se em cravo no Conservatório Real de Haia, e de 2001 a 2003 frequentou o Sweelinch Conservatorium de Amsterdam.
António Manuel NUNES
(Agosto de 2004)
AMOSTRAGEM REPERTORIAL
1 – VERTENTE LUNAR (Brancura brancura). Música de Jorge Machado; Letra de Edmundo Bettencourt; composição de 2003; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
2 – PROSPECÇÃO (Não são pepitas de oiro que procuro). Música de Jorge Machado, Fernando Marques, Manuel João Vaz; Letra de Miguel Torga; composição de 2003; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/ Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Manuel João Vaz
3 – POR UM TEMPO. Música de Fernando Marques; composição de 1997. Interpretação de Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjo de Fernando Marques
4 – O ROMANCE, A VIDA E A MORTE (Solto o silêncio por ti). Música de Jorge Machado e Nuno Oliveira; Letra de Jorge Machado e José Manuel Beato; composição de 1998; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjo de Nuno Oliveira
5 – CANÇÃO DA PARTIDA (Ao meu coração um peso de ferro). Música de Fernando Marques; letra de Camilo Pessanha; composição de 2002; canta Jorge Machado acompanhado por Fernando Marques,/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
6 – ESTUDO EM SOL MENOR. Música de Fernando Marques; composição de 2001. Interpretação de Fernando Marques/ Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
7 – OCASO (Deixai-me repousar no mar). Música de Jorge Machado e Fernando Marques; letra de Jorge Machado; composição de 2003; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/ Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques
8 – DESTINO (Irmão navegante). Música de Jorge Machado e Nuno Oliveira; Letra de Edmundo Bettencourt; composição de 200; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques, Pedro Nunes, Nuno Oliveira
9 – CANÇÃO DESESPERADA (Nem os olhos sabem que dizer). Música de Fernando Marques; letra de Eugénio de Andrade; canta Jorge Machado, acompanhado por Fernando Marques/Pedro Nunes (gg)/Manuel João Vaz (v); arranjos de Fernando Marques e Nuno Oliveira
10 – NÃO MAIS REPOUSES (Com lágrimas da noite). Música de Jorge Machado e Nuno de Oliveira; letra de Edmundo Bettencourt; composição de 2004; arranjo de Nuno de Oliveira. Canta Jorge Machado acompanhado por Manuel João Vaz (solos de viola nylon) e Fernando Marques (guitarra); arranjos de Nuno Oliveira e Fernando Marques
"PROSPECÇÃO” ENTRE OS TONS DE LÁ E RÉ
Os elementos da formação Canção de Coimbra, activos na Academia de Coimbra entre 1995-1999, afirmaram-se no seio da TAUC, esse jurássico organismo estudantil que desde 1888 não tem cessado de formar e promover agentes da CC. Apenas Jorge Vaz Machado se pode dizer alienígena, vindo do grupo Quarto Crescente, também ele activo na TAUC. Nuno Oliveira, ainda como aluno da Faculdade de Medicina, colaborou com José Manuel Beato em infindáveis discussões estético-musicais e na feitura da Balada de Despedida do 4º Ano de Filosofia 1994.
Todos eles herdaram uma formação juvenil algo estreita, numa década de propósitos estéticos em que há de tudo um pouco: renovações, fusões, ecletismos, redescobertas nas margens e no rescaldo dos grandes paradigmas.
A conclusão das formaturas e a dispersão geo-profissional ditaram uma espécie de pousio voluntário encerrado em 2002 com a definição de objectivos apostados no campo da inovação. O "regresso" fica marcado pelo amadurecimento e pela abertura de horizontes. De alguma forma, já nos tínhamos encontrado desde os inícios com Fernando Marques e Nuno de Oliveira. Apresentei o espectáculo do grupo e ouvi-o com renovado agrado no dia 1 de Fevereiro de 2003, no Memorial de Edmundo de Bettencourt, promovido pela Câmara Municipal de Coimbra. Machado interpretou Fado dos Olhos Claros, Mar Alto, Saudadinha, Inquietação e Direcção, tendo esta formação seguido arranjos de Octávio Sérgio (Inquietação), Artur Paredes (registos de 1928-1929) e de João Bagão (1967: Direcção).
Por onde nos levam o barítono Jorge Machado, os guitarristas Fernando Marques/Pedro Nunes, o viola Manuel Vaz, o cravista Nuno Oliveira, vencedores que foram da primeira edição do Prémio de Inéditos Edmundo Bettencourt 2004? Para os terrenos da após modernidade, onde há menos de "revolução" e mais de "evolução na continuidade". Daí as intertextualidades subjacentes à estrutura deste projecto estético que procura articular os fios da tradição com os pressupostos herdados da modernidade. Creio que vale bem a pena ouvir o projecto destes "jovens artistas" de quem apenas conhecíamos voláteis prestações no colectivo Baladas de Despedida dos Anos 90, Coimbra, CD-SF 014, 2002. Terminada a audição dos 10 temas alinhados, se alguma reminiscência nos acode à outiva, ela é seguramente "Portugal. Fados from Coimbra", gravado em Dezembro de 1964 pelos irmãos Melos com o barítono José Miguel Baptista. Após a atribuição oficial do galardão, em Julho de 2004, durante as Festas da Cidade de da Rainha Santa, importava ensaiar arduamente, corrigir lacunas, aprimorar arranjos. O Grupo Canção de Coimbra soube encontrar um bom estúdio, servido por técnicos de qualidade, e a fotógrafa Susana Paiva proporcionou fotografias que reelaboradas nos oferecem uma capa onde se vislumbram silhuetas na cidade. Houve uma clara intenção de distanciamento em relação às convencionalíssimas capas onde soíam perfilhar-se hieráticos engolidores de vassouras que pareciam carpir velórios.
Os autores convidam-nos a uma viagem de efeitos tranquilizantes, a lembrar o primeiro José Miguel Baptista. Cada peça é globalmente tratada como obra de arte: melodia/arranjo/interpretação, ou melodia/texto/interpretação vocal/arranjo/acompanhamento, num estranho percurso em modo menor (são 10 temas em menor) com alargadas simpatias pelas marcações ternárias compostas. Noutras épocas, uma tal sobrecarga de menores redundaria fatalmente nas mais lacrimogéneas plangências.
Vertente Lunar é uma ária em compasso 6/8, na tonalidade de Lá Menor, com duas partes musicais, sem grandes surpresas. Prospecção insinua-se um 4/4 (Mi Menor), também com duas partes musicais, de estrutura tradicional (A/B/C/B). Ao enfatizar a entrada do 5º verso da 1ª estrofe ("Do homem"), o cantor como que se aproxima da fase heróica goesiana (1969-1972). Em Por Um Tempo, Fernando Marques reconverte uma peça instrumental que usara como indicativo. Pode ser vista como um nocturno 6/8 com introdução em Lá Menor, desenvolvimento em Lá Maior e coda em Lá Menor. Nela o autor revisita o seu tempo de estudante e de aprendiz de guitarra. O Romance é bem uma ária estrófica classizante em 6/8, a namorar a tonalidade de Mi Menor, composta por uma introdução, 1ª estrofe, separador, 2ª estrofe (A/B/A). Pessanha (Canção da Partida) merece um compasso 6/8, e a tonalidade de Lá Menor, com um remate rítmico convencional na tonalidade de Sol Menor. Se do ponto de vista da forma temos uma sequência A/B/A/C, os trechos iniciais do separador como que nos remetem para Francisco Martins na já distante Flores Para Coimbra (Cf. LP Flores para Coimbra, Porto, Orfeu SB-1198, ano de 1969, Lado A, faixa nº 1). Estudo em Sol Menor começa por ser um exercício apresentado por Fernando Marques, sem precedentes onde colher inspiração local, com todas as dificuldades inerentes à inibição do uso de cordas soltas na guitarra coimbrã. Este Sol Menor não é exactamente uma variação em sentido clássico. O autor abre com um segmento em 2/4, na tonalidade de Ré Menor, passando mais tarde a um segmento em compasso 3/8, na tonalidade de Sol Menor. Pelo meio fica um trecho povoado de dissonâncias, que se quer executado ad libitum, como se de uma cadenza se tratasse. E aqui se ouve um sopro bem mediterrâneo, onde Marques se inspirou após uma viagem à Turquia. Ocaso, não por acaso, bem nos leva a José Miguel Baptista e a esquecidos espécimes do tipo Capas Soltas. Eis-nos perante uma estrutura A/B/A, de tipologia estrófica: introdução de guitarra/viola em compasso 2/4, na tonalidade de Sol Menor, com uma modulação a Dó Menor em compasso 6/8. Destino apresenta uma estrutura atípica, alicerçada em duas partes musicais bem diferenciadas, onde impera a tonalidade de Lá Menor (início em 4/4, passando a 6/8). E é na segunda parte deste trecho musical ("Música na onda") que a outiva se lembra de José Afonso no estribilho de Cantares de Andarilho (registo de 1968, com Rui Pato, concretamente "Andei à giesta/Ao lírio maninho"). O poema de Eugénio de Andrade (Canção Desesperada) é tratado em moldes de ária clássica, em "clássico" compasso 4/4 e tonalidade de Dó Menor, sendo que na 1ª estrofe o cantor bisa apenas o 4º verso, enquanto na 2ª bisa integralmente o 2º dístico. Para terminar, Não Mais Repouses será porventura a peça onde se nota mais larga intervenção de Nuno Oliveira. Esta é bem uma composição inovadora no sentido pleno do termo: introdução de viola solo em compasso ternário, na tonalidade de Ré Menor; vocalização da 1ª estrofe, com os dísticos solados e bisados em cadência flexível (próxima do 4/4), à qual se segue uma segunda parte que modula a 6/8 a Sol Menor (compasso 6/8), com intervenções pontuais de guitarra.
Mas melhor do que ninguém os autores do projecto o podem apresentar e cantar. Um canto que depois do fim das grandes metanarrativas estético-ideológicas ainda nos remete para um lugar onde corre um rio. Um rio-referente, despojado de banais clichés!
BIOGRAFIAS
Jorge Vaz MACHADO. Barítono, intérprete da CC. Nasceu no Algarve. Frequentou o curso de economia na Faculdade de Economia da UC Iniciou-se em 1991 na Secção de Fado da AAC. Foi membro dos grupos Ad Libitum e Ginga Balaya. Entre 1993-2000 passou a integrar formações activas na TAUC. Integrou o Grupo Canção de Coimbra em 2002.
Fernando Dias MARQUES. Executante de Guitarra de Coimbra. Nasceu nos EUA em 1971, tendo feito os estudos secundários em Carregal do Sal. Frequentou o curso de Sociologia na UC entre 1990-1995. É professor do ensino profissional e mestrando na Faculdade de Psicologia da UC onde prepara uma tese inédita sobre os processos se ensino/aprendizagem da Guitarra de Coimbra. Iniciou-se na aprendizagem da Guitarra de Coimbra em 1992 com o Dr. Jorge Gomes.
Pedro Miguel Pinto NUNES. Executante de Guitarra de Coimbra. Nasceu em Coimbra no ano de 1976, tendo realizado os estudos secundários em Vila Real. Frequentou o curso de Química Industrial na UC desde 1994. Fez a sua aprendizagem de guitarra com o Dr. Jorge Gomes nas escolas da Secção de Fado da AAC e da TAUC. Integrou as formações Grupo Canção de Coimbra (1995-1999) e Quarto Crescente (1999-2002).
Manuel João Mendes Macor dos Santos VAZ. Executante de viola de acompanhamento. Nasceu em Coimbra no ano de 1974. Frequentou Direito na UC a partir de 1991. Iniciou a aprendizagem da guitarra clássica em 1982, tendo frequentado as escolas da Secção de Fado da AAC. Na década de 1990 integrou formações como Ad Libitum e Questão Coimbrã. Ingressou no Grupo Canção de Coimbra em 1997.
Nuno OLIVEIRA. Natural de Lisboa, formou-se em Medicina Dentária na Faculdade de Medicina da UC. Possui o Curso Superior de Piano pela Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa. De 1999 a 2001 especializou-se em cravo no Conservatório Real de Haia, e de 2001 a 2003 frequentou o Sweelinch Conservatorium de Amsterdam.
António Manuel NUNES
(Agosto de 2004)
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