Bloco de Notas (11)
1979 ... A peça “Marionetas” está pronta. O tom principal é Ré maior. Toquei-a para a Isabel ouvir. Disse-me que parece Stravinsky!
O ensaio de ontem em casa de Carlos Couceiro esteve muito concorrido. Já lá voltaram a aparecer Teotónio Xavier e Ferreira Alves, além de terem ido, pela primeira vez, Durval Moreirinhas e o cantor Pedro Ramalho. Este canta muito bem, com uma belíssima voz.
No último ensaio em casa de Artur Paredes esteve Jorge Morais – Xabregas, que tinha sido meu colega no meu segundo ano de docência, de Físico-Químicas, no Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Reviveu-se o espectáculo das fífias de Edmundo de Bettencourt no Coliseu do Porto, no fado “Minha mãe quando eu morrer, chore por quem só chorou ...”, segundo disse. Durante o ensaio Xabregas tocou o seu Lá menor e, a meio, ouço Artur Paredes dizer: “isso é meu”. Xabregas pára, confuso, mas pouco depois retoma a mesma frase. Novamente a voz monocórdica: “isso é meu”. Desta vez Xabregas não reage e leva a peça até ao fim. O incidente ficou por aqui, não se discutiu. Os ânimos serenaram, pouco depois despediram-se sem mais explicações.
Quando ouvi a primeira vez a frase “isso é meu”, fiquei estupefacto! Como, pensei eu? Não é possível! Mas numa análise mais cuidada à tal passagem, verifico que é mesmo igual à de Artur Paredes, do “Lá menor” antigo. Como é que nunca tinha reparado nisso? E tantas vezes que já ouvira e tocara ambas as peças! Estou certo que Joge Morais nunca se apercebera da semelhança. Isto acontece. Eu próprio já tive uma experiência semelhante.
Aqui há uns anos (estou agora a colocar-me em 2005), encontrei Mário Pacheco, um guitarrista de Lisboa já de grande nomeada, que me pede para tocar a minha “guitarrada que tem a Scheerazade”! Fiquei estúpido a olhar para ele! Perante a minha estupefacção, começa ele a tocá-la; e só naquele momento é que me apercebi que, de facto, dois ou três compassos não eram originais, mas da dita composição. Que fazer agora? Já está gravada! Dei-lhe o nome de, por sugestão do historiador que me acompanhou à viola no disco “Guitarra Portuguesa – Raízes de Coimbra”, Armando Luís de Carvalho Homem, “Nas Linhas de Torres – 1810”.
Curiosamente, mais tarde, venho a saber que Mário Pacheco a gravou com o nome de “Dia de Feira”, mas com um início a derivar para outras paragens, bem bonitas, por sinal. A segunda parte é exactamente o que eu fiz. Lá dizia no caderno do disco, em baixo, ... baseada num tema de Octávio Sérgio. No entanto, no próprio disco já diz que todas as músicas são dele! Mas pior ainda, já encontrei outra gravação com o mesmo tema em que já nem em mim fala! Passou a ser dele! Que assim seja.
Volto novamente ao bloco de notas.
Assisti ontem em Almada, na Incrível Almadense, a um concerto de Carlos Paredes com António Vitorino de Almeida. Este tocou uma peça para piano, “Desgraças da Guerra”, modernista, com clusters de grande efeito. Nunca tinha visto tocar assim! Carlos Paredes tocou a suite “O Ouro e o Trigo”, com grande sucesso, como sempre acontece em todas as suas apresentações. Na parte final do espectáculo executaram em conjunto um improviso surpreendente, com uma conjugação perfeita entre os dois instrumentos. Só dois grandes artistas poderiam conseguir tal proeza.
Ontem fui a Beja tocar e acompanhou-nos o Tossan. Já o conhecia de nome e às suas graças mas, ao vivo, é deslumbrante. É um génio na maneira como conta uma simples anedota. É a sua mímica fabulosa, aliada às palavras bem escolhidas que nos deixa pregados a escutá-lo. Foi uma jornada para não mais esquecer. Nas guitarradas não me saí nada mal.
Tenho andado a ver na Televisão uma série sobre a vida de Paganini e, não sei porquê, fico com uma vontade satânica de vir a tocar guitarra como ele tocava violino.
No sábado passado fui tocar a um jantar oferecido pelas Organizações Barata, no restaurante da estação do Rossio, em Lisboa. Era uma homenagem às mulheres célebres. Estava lá Beatriz Costa que nos disse ter gostado muito das nossas “cantigas”. Foram Durval Moreirinhas, Rui Gomes Pereira e Sutil Roque. Actuou também o grupo de Álvaro Aroso com o irmão Eduardo e a cantar José Miguel Baptista.
Comecei a compor uma nova música, em Lá maior; vou chamar-lhe “Capricho em Lá”. Será influência de Paganini?
Estamos em Novembro.
Musiquei há tempos um soneto de António Nobre, “Virgens”, para Rui Gomes Pereira cantar. Estou a fazer-lhe um acompanhamento original.
O ensaio de hoje em casa de Artur Paredes foi só de conversa. Provavelmente não estava com disposição para tocar! Falou-se do filho, Carlos Paredes; como ele não há nem nunca haverá, diz o pai. Deu também a entender que não gosta que os outros toquem as suas músicas, pois nunca as tocam bem, segundo o seu ponto de vista. Insinua-se que se ensinasse aos outros como elas eram, já as poderiam tocar bem! Cada um tem a sua maneira de tocar; devem executar o que é deles, acrescenta! Ao falar-se no “Estudo em Lá maior” de Pinho Brojo, enfureceu-se. Nunca se conformou com o facto de usarem temas seus e, ainda por cima, sem se referirem ao seu autor.
1979 ... A peça “Marionetas” está pronta. O tom principal é Ré maior. Toquei-a para a Isabel ouvir. Disse-me que parece Stravinsky!
O ensaio de ontem em casa de Carlos Couceiro esteve muito concorrido. Já lá voltaram a aparecer Teotónio Xavier e Ferreira Alves, além de terem ido, pela primeira vez, Durval Moreirinhas e o cantor Pedro Ramalho. Este canta muito bem, com uma belíssima voz.
No último ensaio em casa de Artur Paredes esteve Jorge Morais – Xabregas, que tinha sido meu colega no meu segundo ano de docência, de Físico-Químicas, no Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Reviveu-se o espectáculo das fífias de Edmundo de Bettencourt no Coliseu do Porto, no fado “Minha mãe quando eu morrer, chore por quem só chorou ...”, segundo disse. Durante o ensaio Xabregas tocou o seu Lá menor e, a meio, ouço Artur Paredes dizer: “isso é meu”. Xabregas pára, confuso, mas pouco depois retoma a mesma frase. Novamente a voz monocórdica: “isso é meu”. Desta vez Xabregas não reage e leva a peça até ao fim. O incidente ficou por aqui, não se discutiu. Os ânimos serenaram, pouco depois despediram-se sem mais explicações.
Quando ouvi a primeira vez a frase “isso é meu”, fiquei estupefacto! Como, pensei eu? Não é possível! Mas numa análise mais cuidada à tal passagem, verifico que é mesmo igual à de Artur Paredes, do “Lá menor” antigo. Como é que nunca tinha reparado nisso? E tantas vezes que já ouvira e tocara ambas as peças! Estou certo que Joge Morais nunca se apercebera da semelhança. Isto acontece. Eu próprio já tive uma experiência semelhante.
Aqui há uns anos (estou agora a colocar-me em 2005), encontrei Mário Pacheco, um guitarrista de Lisboa já de grande nomeada, que me pede para tocar a minha “guitarrada que tem a Scheerazade”! Fiquei estúpido a olhar para ele! Perante a minha estupefacção, começa ele a tocá-la; e só naquele momento é que me apercebi que, de facto, dois ou três compassos não eram originais, mas da dita composição. Que fazer agora? Já está gravada! Dei-lhe o nome de, por sugestão do historiador que me acompanhou à viola no disco “Guitarra Portuguesa – Raízes de Coimbra”, Armando Luís de Carvalho Homem, “Nas Linhas de Torres – 1810”.
Curiosamente, mais tarde, venho a saber que Mário Pacheco a gravou com o nome de “Dia de Feira”, mas com um início a derivar para outras paragens, bem bonitas, por sinal. A segunda parte é exactamente o que eu fiz. Lá dizia no caderno do disco, em baixo, ... baseada num tema de Octávio Sérgio. No entanto, no próprio disco já diz que todas as músicas são dele! Mas pior ainda, já encontrei outra gravação com o mesmo tema em que já nem em mim fala! Passou a ser dele! Que assim seja.
Volto novamente ao bloco de notas.
Assisti ontem em Almada, na Incrível Almadense, a um concerto de Carlos Paredes com António Vitorino de Almeida. Este tocou uma peça para piano, “Desgraças da Guerra”, modernista, com clusters de grande efeito. Nunca tinha visto tocar assim! Carlos Paredes tocou a suite “O Ouro e o Trigo”, com grande sucesso, como sempre acontece em todas as suas apresentações. Na parte final do espectáculo executaram em conjunto um improviso surpreendente, com uma conjugação perfeita entre os dois instrumentos. Só dois grandes artistas poderiam conseguir tal proeza.
Ontem fui a Beja tocar e acompanhou-nos o Tossan. Já o conhecia de nome e às suas graças mas, ao vivo, é deslumbrante. É um génio na maneira como conta uma simples anedota. É a sua mímica fabulosa, aliada às palavras bem escolhidas que nos deixa pregados a escutá-lo. Foi uma jornada para não mais esquecer. Nas guitarradas não me saí nada mal.
Tenho andado a ver na Televisão uma série sobre a vida de Paganini e, não sei porquê, fico com uma vontade satânica de vir a tocar guitarra como ele tocava violino.
No sábado passado fui tocar a um jantar oferecido pelas Organizações Barata, no restaurante da estação do Rossio, em Lisboa. Era uma homenagem às mulheres célebres. Estava lá Beatriz Costa que nos disse ter gostado muito das nossas “cantigas”. Foram Durval Moreirinhas, Rui Gomes Pereira e Sutil Roque. Actuou também o grupo de Álvaro Aroso com o irmão Eduardo e a cantar José Miguel Baptista.
Comecei a compor uma nova música, em Lá maior; vou chamar-lhe “Capricho em Lá”. Será influência de Paganini?
Estamos em Novembro.
Musiquei há tempos um soneto de António Nobre, “Virgens”, para Rui Gomes Pereira cantar. Estou a fazer-lhe um acompanhamento original.
O ensaio de hoje em casa de Artur Paredes foi só de conversa. Provavelmente não estava com disposição para tocar! Falou-se do filho, Carlos Paredes; como ele não há nem nunca haverá, diz o pai. Deu também a entender que não gosta que os outros toquem as suas músicas, pois nunca as tocam bem, segundo o seu ponto de vista. Insinua-se que se ensinasse aos outros como elas eram, já as poderiam tocar bem! Cada um tem a sua maneira de tocar; devem executar o que é deles, acrescenta! Ao falar-se no “Estudo em Lá maior” de Pinho Brojo, enfureceu-se. Nunca se conformou com o facto de usarem temas seus e, ainda por cima, sem se referirem ao seu autor.
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