”Fado (O) de Coimbra” na Academia do Porto *
Armando Luís de Carvalho HOMEM
Não é coisa rara ver associada a prática do Canto e da Guitarra de Coimbra no seio da Academia portuense exclusivamente ao mais antigo dos Organismos estudantis: o Orfeão Universitário do Porto (OUP; fundado como Orfeão Académico do Porto em 1912; existente com muitas soluções de continuidade até aos anos 30; tentativas de reorganização a partir de 1937, com a designação transitória de Orfeão Académico da Universidade do Porto; reorganização ‘definitiva’ em 1942, ano a que também remonta a actual designação; de 1937 a 1967 teve como regente o maestro Afonso Valentim [da Costa Pinto, 1897-1974]). Que este, pela sua longa existência, pelo facto de dispor, quase sempre, de um grupo de fados, tem um lugar importante nesta sucessão de estórias é um facto; lugar importante: disse e repito; mas de modo algum lugar único.
Datar a origem do processo é algo que só uma pesquisa aturada (nos matutinos da Cidade, numa publicação como O Porto Académico [anos 30/40/ 50], nos fundos da Biblioteca Pública Municipal [BPMP] que incluam programas de espectáculos, no que possa existir de arquivos sonoros dos antigos Emissores do Norte Reunidos [ENR], etc.) poderá estabelecer. Mas creio que, no essencial, ele remonta aos anos 30, com pontuais antecedentes na década anterior. E ao processo não foi de modo algum estranha a ida para o Porto de estudantes de Engenharia com antecedentes em Coimbra (cursados os «Preparatórios» na Faculdade de Ciências) e que agora rumavam à Invicta a concluir a licenciatura.
De qualquer modo, os nomes mais antigos que conheço são exteriores à Universidade: trata-se de estudantes dos então Institutos Industrial e Comercial (dos actuais Institutos Superiores de Engenharia e de Contabilidade e Administração / Instituto Politécnico do Porto), em finais dos anos 30 / princípios dos anos 40; aí referencio nomes como os dos guitarristas:
o Alexandre Brandão (1909-2004): Executante notável, bom intérprete de Artur Paredes (a quem chegou a conhecer), manteve nos anos 40 um «trio Brandão» (que incluía o também guitarrista Lauro de Oliveira e o viola José Severino), actuando regularmente nos então ENR. Era detentor de uma colecção notável de discos de gramofone, incluindo gravações próprias e algumas gravações de Artur Paredes / Carlos Paredes / Arménio Silva (programa Guitarradas de Coimbra, Emissora Nacional [Lisboa], anos 40). Nas décadas de 50, de 60 e de 70 vários foram os guitarristas do OUP que beneficiaram do seu magistério (António Rosa Araújo, Manuel Antunes Guimarães, Manuel Melo da Silva, Mário Freitas…; deles adiante se falará). Teve na vida outro hobby: a criação de canários e o treino e classificação do seu canto, sendo perito internacional na matéria (cf. o texto de Jorge FÉLIX disponível em http://www.terravista.pt/ancora/2047/private/AlexanBrandão.html [consultado em 2004/09/10]; inclui uma foto de AB à guitarra no dia do seu 90.º aniversário; veja-se também, no presente blog, o texto de minha autoria «Dois guitarristas portuenses que nos deixam» (post de 2005/03/26).
o Lauro de Oliveira [o «Tio Lauro»] († 1970): Até praticamente ao fim da vida manteve em sua casa uma tertúlia semanal. Nos anos 50 e 60 teve um grupo que julgo ter durado uns bons anos, com o também guitarrista Fernando Barbosa (advogado) e o viola Ernesto Almeida (vulgo «Almeidinha») [funcionário da Polícia Judiciaária, † 1983], e gravou pelo menos um EP, com o cantor José Vitorino Santana (a que adiante se fará referência).
o Fernando Lencart: Carlos Fernando Barbosa Salgado e Lencart, ulteriormente notabilizado como solista de viola clássica e de alaúde e intérprete da música antiga (funcionário de uma das empresas hidroeléctricas que estão na remota raiz da actual EDP.
o Ayres Máximo Saraiva de Aguillar: Nos anos 60/80 notabilizou-se como membro do grupo de João Bagão, participando em 3 LP’s de Luiz Goes e num EP instrumental de João Bagão.
Para a maior parte da década de 40 não disponho de outros elementos. Aí a partir de 1948 encontramos António Pinho de Brojo (1927-1999) a concluir a licenciatura em Farmácia na UP. Ignoro se a sua actividade nos 2 anos lectivos que passou na Invicta é intensa ou não (e o próprio nunca se abriu muito sobre esta matéria). Mas julgo que pertenceu ao OUP (ou pelo menos colaborou em espectáculos), e nessa sua fase portuense acompanhou cantores como Napoleão Amorim (estudante de Engenharia, também ido de Coimbra, onde pertencera ao Orfeon Académico) e Álvaro de Andrade (futuro médico); tocaram com ele os guitarrristas Viriato Santos e Manuel Cunha Gomes e o viola Aureliano Veloso (futuro engenheiro-químico, pai de Rui Veloso e irmão do brigadeiro António Pires Veloso; foi o primeiro Presidente eleito da Câmara Municipal do Porto [mandato 1977-1980]).
Já em plena década de 50 há memória no OUP de um excelente guitarrista: António Mendonça. Morreu muito jovem, vitimado por uma hemoptise. Com ele se iniciaram no OUP cantores como José Tavares Fortuna10, Óscar França (futuro engenheiro) e José Vitorino Santana (futuro urologista; director do Departamento Clínico do F. C. Porto na primeira metade da década de 70; 1931-2004); todos tiveram basta longevidade como cantores (pelo menos até finais da década de 80), primeiro no OUP, depois na Associação dos Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto (AAOUP, fundada em 1967). O último gravou, aí por 1962, um EP 45 RPM, acompanhado por Lauro de Oliveira / Fernando Barbosa / Ernesto Almeida (já mencionados); incluiu os temas «Fado dos Passarinhos», «Estrelinha do Norte» (arr. Lauro de Oliveira), «Cantiga partindo-se» (versão J. Barros Madeira) e «Fado Manassés». Note-se ainda que José V. Santana – um primeiro-tenor com bastante extensão nos agudos – foi sempre possuidor de vastíssimo reportório, onde se destacavam temas de (ou celebrizados por) Edmundo Bettencourt, a quem profundamente admirava.
Aí pelos meados da década afirma-se no OUP um grupo de executantes de qualidade invulgar para a época: os guitarristas António Rosa de Araújo (futuro médico, veio a ser fundador e durante longos anos Director do Serviço de Hematologia do Hospital de S. João; 1931-2004) e Serafim Guimarães (futuro lente de Medicina /Farmacologia, foi Vice-Reitor da UP em 1984-1985; jubilado em 2004; note-se que SG foi também cantor; julgo que esta faceta se localiza mais para o final do seu percurso estudantil; mas ignoro até que ponto haverá fases estanques entre o cantor e o guitarrista) e os violas Fernando Neto [Mateus da Silva] (futuro engenheiro; tal como o mencionado Ayres de Aguillar, integrou o grupo de João Bagão na década de 60; participou nessa fase em dois LP’s de Luiz Goes e num EP instrumental de João Bagão; sobre a sua actividade na Coimbra dos anos 40 e 50, cf. José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, II, Alfragide, EDICLUBE, 1999, pp. 134-135), José Alão (futuro engenheiro, irmão de Paulo Alão) e Fernando Reis Lima (futuro médico). Com eles actuaram cantores como os já referidos José V. Santana e Óscar França e ainda, no início da sua longa passagem pelo OUP, Raul Barros Leite (futuro gestor de empresas). Neste grupo – que fez a primeira digressão do OUP a Angola (1956) – é normalmente destacada a virtuose de A. R. Araújo, extremamente minucioso na fidelidade aos originais quando executava temas de Artur Paredes.
Quanto a Raul Barros Leite, esteve no OUP entre 1955 e 1966 (com duas soluções de continuidade, por motivos castrenses). Multifacetado, foi, entre «much coisas plus» (expressão manuscrita que alguém acrescentou na sua ficha de membro do OUP), cantor de fados – num registo de segundo-tenor, com bastante extensão quer para graves, quer para agudos; infelizmente, escassos são os registos gravados da sua actividade como tal –, viola da Orquestra de Tangos, viola de grupos de folclore regional, apresentador de saraus, entertainer nos mesmos e – the last but not the least – viola e solista vocal da Tuna do OUP, nos moldes em que ela renasceu nos anos 60 (sob a regência de José Belarmino da Mota Soares [† ca. 2000], responsável então pelo arranjo de múltiplos temas; economista, manteve longa actividade musical: para além da regência da Tuna do OUP [1961-1965] e da Tuna da AAOUP [anos 70], foi organista da igreja da Lapa e maestro do Coral Sacro de S. Tarcísio [sediado na mesma igreja e ulteriormente na da Trindade). Deve-se-lhe a interpretação vocal do tango «Amores de Estudante» (poema de Paulo Pombo [professor do Instituto Industrial do Porto; m. em meados da década de 80], música de Aureliano da Fonseca [violinista, mais tarde dermatologista; foi professor da Faculdade de Medicina/UP e, nos anos 70, professor visitante da U. de Campinas SP (UNICAMP); contando 80 e muitos anos, continua a exercer clínica; pai dos lentes Luís Adão da Fonseca (historiador, UP), António Adão da Fonseca (engenheiro-civil, UP) e Fernando Adão da Fonseca (engenheiro-civil, economista e gestor, UCP)]; composto nos anos 30 para a então Orquestra Universitária de Tangos) no primeiro EP da Tuna do OUP, grande sucesso discográfico aí por 1964/65. Como executante de viola eléctrica, integrou uma das primeiras formações do Conjunto Pedro Osório (princípios da década de 60) e participou na gravação de vários EP’s. Mais para meados da década – e em perfeita sincronia com os alvores do movimento da balada – gravou um EP com temas musicais de sua autoria sobre poemas de Miguel Torga (acompanhando-se à viola, em parceria neste instrumento com Eduardo Beirão Reis [de quem adiante se falará]). Numa fase ulterior (1970-1972) esteve em Angola, como capitão miliciano. Produziu então mais umas tantas baladas, nas quais a temática d’«o mato» é predominante; poderiam ter tido um excelente destino discográfico… Desde os anos 70 que todas as semanas fidalgamente recebe em sua casa os companheiros de andanças, numa tertúlia com tanto de caloroso como de informal.
Os finais da década de 50 são tempos de maior apagamento. Destaquem-se no entanto nomes como os dos guitarristas Joaquim («Quim») Rodrigues e António Pinto Ferreira (futuro médico), o do viola José Gomes da Silva (futuro economista, irmão de António Gomes da Silva [v. infra] e os dos cantores Henrique Gameiro dos Santos (futuro médico), Casimiro Ferreira (que ulteriormente se transferirá para Coimbra; gravou então um EP, acompanhado por António Portugal / Eduardo de Melo / Manuel Pepe / Paulo Alão, incluindo os temas «Menino de Oiro», «Fado Corrido de Coimbra» e «Nuvens Brancas»; completam o disco as «Variações em ré menor» de Flávio Rodrigues; matemático, futuro professor da U. de Aveiro; é um dos raros casos de cantores ou instrumentistas com actividade nas duas Academias, mas pela ordem cronológica Porto / Coimbra) e, efemeramente, Nuno Morgado (de quem se voltará a falar). Nomes como estes asseguraram a primeira ida do OUP a Moçambique (1959).
Entrados os anos 60, algo se acentua: o carácter efémero da constituição dos grupos. As dificuldades crescentes com o adiamento do serviço militar (1961 ss.) e, num plano mais geral, o encurtamento da vida estudantil fazem com que nos cerca de 15 anos que precedem a mudança de Regime poucos tenham sido os grupos de fados do OUP a manter o essencial do seu elenco de um ano para o seguinte. Inclusivamente, na segunda viagem do Organismo a Angola (1962) o staff de orfeonistas seguiu quantitativamente debilitado, e com um grupo de fados de composição quase improvisada no plano instrumental.
Entretanto, 1961 vira chegar ao Porto – e ao OUP – um guitarrista de proveniência coimbrã, Arménio [José Serrão] Assis [e Santos] de seu nome (estudante de Geologia, primo dos lentes Daniel Serrão [UP/Medicina] e Fernando Serrão [UP/ Ciências-Química, † 1981]; barítono, pertencera ao Orfeon Académico de Coimbra; cf. José NIZA, Op. Cit., p. 76). Tecnicamente limitado, tinha no entanto um saber acima da média para o panorama portuense: conhecimento de fados e de «introduções» para os mesmos, um acompanhamento – ao tempo – muito discreto – e consequentemente muito eficaz – para as guitarradas tradicionais, etc. Por tudo isto, pode dizer-se que AA fez alguma Escola no OUP, ajudando a lançar instrumentistas mais jovens. A sua actividade não foi no entanto longa (1961-1967, com intermitências por razões de serviço militar). Com ele tocaram, entre outros, guitarristas como Joaquim Baldaia, Manuel Botelho Chaves (de quem se voltará a falar), Manuel Antunes Guimarães (idem), Sebastião Carneiro («Tião», futuro médico) e Manuel Melo da Silva (futuro engenheiro, passou por Coimbra entre 1967 e 1969, integrando ocasionalmente o grupo de Hermínio Menino) e violas como Eduardo Beirão Reis (futuro engenheiro), Jaime Fonseca Filho e António Huet Bacelar (futuro geólogo); por ele foram acompanhados cantores como Manuel Rogério Silva (estudante de Engenharia, antigo elemento do Orfeon Académico de Coimbra; actualmente professor jubilado da Fac. Ciências/UP) e outros de quem já se falou ou falará (Arménio Assis terá nos anos 70 uma actividade intensa no âmbito da AAOUP [grupo de fados e Tuna]; ultimamente tem integrado o Grupo de Fados da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto, do qual fazem parte, entre outros, o guitarrista António Cardoso Moniz [Palme] e o cantor José Maria Lacerda e Megre [Filho]).
Os meados da década serão entretanto marcados no OUP pela dupla de guitarristas José Carlos Agrelos (futuro economista) / Manuel Botelho Chaves, com os violas Eduardo Beirão Reis e, mais pontualmente, Jaime Fonseca Filho e António Huet Bacelar (já referidos). Foi este o grupo que fez a digressão ao Brasil (1965), com os cantores Raul Barros Leite e José Luís Borges Coelho (ao tempo estudante de História, JLBC possuía formação musical, haurida no seminário de Vila Real e no Conservatório de Música do Porto). Beirão Reis era ao tempo presidente da Direcção. Problemas em Assembleia-Geral no regresso da digressão levaram à queda do Executivo a que presidia; em consequência, abandonou o OUP, acompanhado na dissidência pelos dois guitarristas. Com o efémero ex-orfeonista Nuno Morgado (referido supra; estudante de Ciências, futuro empresário, foi candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto nas Autárquicas/93), constituiram o Grupo Universitário de Guitarras, em actividade até ca. 1969. Ao longo desse período encarregaram-se sem excepção das serenatas monumentais da Queima das Fitas (o hábito das serenatas monumentais a abrir a Queima das Fitas não é no Porto, pelo menos em termos de regularidade, anterior aos meados da década de 50; durante alguns anos ter-se-á andado à procura do lugar ideal: alto da Av. dos Aliados [na escadaria que então dava acesso à Câmara Municipal], pelourinho do Terreiro da Sé, escadaria do Liceu Carolina Michaëlis, etc.; a partir de 1961, com a inauguração do Palácio da Justiça, é a escadaria respectiva o local escolhido; e por aí se fica até 1971, ano da última Queima, realizada sob forte contestação; o ressurgimento verificar-se-á em 1979). É o caso mais nítido de um grupo que sobrevive por alguns anos sem vínculo permanente a qualquer Organismo (ainda que em 1967/68 tenham dado alguma colaboração ao entretanto criado Coral de Letras da Universidade do Porto [CLUP; criado em 1966, regido desde o início por José Luís Borges Coelho; após alguns anos de Ensino Secundário, JLBC passaria a uma actividade exclusivamente nos planos do ensino musical e da direcção de coros; para além do CLUP, dirigiu o Coro do Círculo Portuense de Ópera; pai do pianista Miguel B. C. e irmão do historiador e lente jubilado da UL António B. C.]. Gravaram dois EP’s 45 RPM, onde temas tradicionais de Coimbra (v.g. «Canção da Beira», «É tão lindo o teu Olhar») alternam com originais de criação portuense. O ‘modelo’ deste grupo foi claramente o Coimbra Quintet, e a audição dos dois referidos discos proporciona indiscutivelmente bons momentos.
No OUP, após a saída dos elementos que foram constituir o Grupo Universitário de Guitarras, viveu-se alguma confusão em matéria de grupo de fados. Em 1965/66 e 66/67 a constituição do mesmo foi algo de instável: pelos espectáculos passaram quer nomes vindos do passado (guitarristas como Arménio Assis e Sebastião Carneiro, violas como António Huet Bacelar, cantores como Raul Barros Leite, José Luís Borges Coelho e Hernâni Pinto), quer novos que se estreavam ou quase (guitarristas como Manuel Antunes Guimarães e Manuel Melo da Silva, violas como Carlos Teixeira e Arnaldo Brito, cantores como Alfredo Pais da Rocha, Manuel Faria de Bastos e António Jorge Rodrigues da Silva). Dois nomes merecem, entretanto, realce:
o Hernâni Pinto: Natural de Espinho, barítono, futuro economista, Hernâni Rodrigues Pinto privou, muito jovem, com Adriano Correia de Oliveira, que pelo final dos anos 50 / princípios dos 60, frequentava estivalmente aquela praia. Com ele algo aprendeu, tendo sido também claramente influenciado pelas velhas gravações de José Afonso; tudo isto se viria a traduzir no reportório preferencial, com uma tendência clara para a trova / balada («Pescador do rio triste», «Balada do Outono», «Trova do Amor Lusíada», «Pensamento»…) ou, no âmbito do fado tradicional, para temas objecto de gravação por aqueles dois nomes («Fado da Mentira», «Incerteza», «Fado dos Olhos Claros», «Canta Coração»…). Esteve no OUP de 1962 a 1969 (com um interregno castrense), e desde os anos 70 que participa assiduamente nas actividades da AAOUP.
o Carlos Teixeira: Natural de Águeda, futuro economista, foi sem dúvida o melhor executante de viola que – e pelo menos até aos anos 70 – passou pelo OUP. Para além de viola de fado, Carlos Manuel Duarte Teixeira possui formação de «viola clássica» e conhecia, como ninguém no meio, a «gramática» da bossa nova. Pertenceu ao OUP de 1965 a 1971, e desde finais da década de 70 que tem colaborado intensamente com a AAOUP.
Os anos 1968-1970 conhecerão no OUP uma estabilidade fora do vulgar para a época em matéria de grupo de fados. Executantes de guitarra medianos (Firmino Coutinho [futuro engenheiro] e João Fonseca [futuro economista]; e também, mais para o final do período, António Jorge Carvalho) mas trabalhando muito e conhecendo-se reciprocamente bem, enquadrados por dois grandes violas (o já mencionado Carlos Teixeira e Arnaldo Brito [também com formação de viola clássica]; e ainda, mais pontualmente, José Manuel Gomes Duarte) e acompanhando os cantores António Jorge Rodrigues da Silva («Bizout») e Alfredo Pais da Rocha (e mais pontualmente Hernâni Pinto), proporcionarão inegavelmente bons momentos em palco; isto numa altura em que o OUP começava a dispor de apreciáveis meios técnicos (luzes, som, etc.) para a montagem dos seus saraus: nestes finais dos sixties a actuação do grupo de fados (que tinha a peculiaridade de se verificar ao abrir da 2.ª Parte, i.e., logo após o intervalo que sucedia a actuação do Coro; o encerramento cabia normalmente à Orquestra de Tangos [e mais pontualmente, nesses anos, à Tuna]) verificava-se a uma luz muito ténue – como que recriando uma noite de luar – e com uma sábia utilização dos microfones.
Por obra e graça de uma pequena dissidência havida no OUP, o CLUP voltará a ter um grupo de fados em 1969/70 e 70/71. Integraram-no nomes como os dos guitarristas Manuel Antunes Guimarães (futuro engenheiro-civil, MAG começara no Porto, integrando o grupo de fados do OUP em 1964/65 e 65/66; passara depois a Coimbra, integrando o grupo de José e Nilton Bárrio [1966-1969], grupo que acompanhava então os espectáculos do Coro Misto; regressou ao Porto em 1970, passando um ano pelo CLUP [1970/71] e outro pelo OUP [71/72], António Gomes da Silva («o Sócio», futuro economista, irmão do já citado José G. da S.) e Orlando Lourenço (estudante de Filosofia, hoje lente da Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação/UL), os dos violas Armando Luís de Carvalho Homem e (efemeramente) Adélio Coutinho (futuro engenheiro) e os dos cantores Paulo Sampaio (futuro engenheiro-electrotécnico, passara por Coimbra, integrando, com Manuel Antunes Guimarães, o grupo de José Bárrio), Hernâni Pinto e Mário Fernando de Oliveira (fazendo às vezes uma perninha vocal o próprio maestro Borges Coelho). Mas foi coisa efémera, até porque a partir de 1971 o CLUP trilharia caminhos algo diferentes.
No OUP, o ano de 1970/71 (marcado pela terceira digressão a Angola) representa o culminar finalizante dos rumos que remontavam a 1967/68: guitarristas como João Fonseca e António Jorge Carvalho (pontualmente ‘reforçados’ por António Cunha Pereira, de quem se falará com maior detença), o viola Carlos Teixeira (por vezes fazendo também uma perninha vocal) e os cantores António J. Rodrigues da Silva e Luís Paupério (futuro engenheiro) protagonizam assim este ano fim-de-um-tempo (até porque muitos deles estavam nas vésperas da incorporação em Mafra).
Os anos subsequentes serão tempo de muitas interrrogações: a contestação à Queima/71 marcara a suspensão desta iniciativa por alguns anos, as capas iam desaparecendo completamente do quotidiano – até porque o seu uso na rua podei dar lugar a piropos… – e falava-se até do seu abandono como traje de cena. Só no OUP e em alguns núcleos de Antigos Orfeonistas se persevera nesses anos. No OUP não será fácil, até porque vão escasseando os praticantes do género. Seguindo uma evolução lógica ao tempo, os grupos passam a ter apenas um guitarrista (sucessivamente Manuel Antunes Guimarães e Mário Freitas) e um viola – Armando Luís de Carvalho Homem (por vezes com o reforço de mais um, o também cantor Luís Paupério); e no reportório instrumental despontam – qual consequência lógica – Carlos Paredes e Jorge Tuna. Em matéria de cantores, alguma gente nova surge: Luís Sobral Torres (futuro engenheiro), Júlio Domingues (estudante de Medicina, morreu prematuramente em acidente de viação no Verão de 1974), Joaquim Barbosa Ferreira («Quim Zé», futuro médico); e também no reportório se procura ter em conta as contingências da formação instrumental: temas de Adriano, Luiz Goes, A. Bernardino, José Manuel Santos, Mário Veiga ou José Miguel Baptista; ou fados tradicionais com acompanhamentos atentando no que um João Bagão, um António Andias ou as duplas Nuno Guimarães / Manuel Borralho e António Portugal / Francisco Filipe Martins estavam fazendo, v.g. em gravações de Luiz Goes, Armando Marta ou outros cantores linhas atrás mencionados (a reacção a tais novidades de reportório por parte dessa «fila zero» do público que eram os Colegas do Organismo é que nem sempre era a melhor…). E em Agosto de 1973 a última digressão vieux style, à Venezuela.
Tempos, portanto, continuadamente fim-de-tempo, é curioso que por esses anos tenham passado pelo OUP três grandes guitarristas, todos, cada um à sua maneira, com uma costela de nouvelle guitare:
o António Cunha Pereira: Natural de Alvarenga, diplomado pelo Instituto Industrial do Porto ca. 1970, António Fernando da Cunha Pereira chegou nesses anos a colaborar com o Grupo Universitário de Guitarras (v.g. na Serenata Monumental de 1969). Em 1971 cursou Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras – ingressando então no OUP – e mais tarde licenciou-se em Engenharia Electrotécnica. Desde os finais da década de 70 que colabora intensamente com a AAOUP. Terá sido o mais completo, maduro e desenvolto de todos os guitarristas que passaram pelo OUP. Senhor de um reportório muito vasto – que ia da Coimbra tradicional às várias fases de Jorge Tuna e praticamente à totalidade do conteúdo dos dois primeiros LP’s de Carlos Paredes –, extremamente tecnicista, por vezes algo frio no dizer das frases (são muitas as características da execuçção de Paulo Soares que me recordam António Cunha Pereira), era notavelmente seguro em público. Nos anos 80 gravou um LP, com o guitarrista António Jorge Carvalho, os violas Carlos Teixeira e Arnaldo Brito e os cantores Alfredo Pais da Rocha, Victor Silva e Luís Paupério; inclui as «Variações em mi menor» de Jorge Tuna e as «Variações em ré menor» de Armando de Carvalho Homem.
o Manuel Antunes Guimarães: Já se historiou o seu percurso académico Porto / Coimbra / Porto. Manuel Francisco de Faria Antunes Guimarães passou por Coimbra em condições de absorver muito do que de novo se ia fazendo no domínio da guitarra – a herança de Carlos Paredes, os contributos de Eduardo e Ernesto de Melo, António Andias, Nuno Guimarães, Francisco Martins, Manuel Borralho, José Bárrio e outros; o que naturalmente se traduziu no reportório: «Canção Verdes Anos», «Melodia n.º 2», «Dança» ou «Variações em lá menor», de Carlos Paredes; «Variações em Ré Maior» ou «Os Amantes», de Jorge Tuna (para além do modo como interpretava as «Variações de Coimbra» de Afonso de Sousa). Possuidor de uma guitarra de Gilberto Grácio com uma escala francamente dura, traduzia-se isso num modo de tocar vigoroso e num som possante; certos processos de execução faziam lembrar António Andias (com quem ocasionalmente chegou a tocar); infelizmente nunca conseguiu superar um acentuado nervosismo em palco.
o Mário Freitas: Estudou guitarra desde muito novo, com Alexandre Brandão. Quando, aos 17 anos (1972), chegou à Faculdade de Medicina – e ao OUP – Mário Fernando Nogueira de Freitas levava já um razoável reportório, que incluía, abundantemente, Artur Paredes (era particularmente brilhante a sua interpretação das «Variações em mi menor», numa versão antiga, extraída de um dos mencionados discos de gramofone do espólio do seu Mestre, a qual apresentava umas tantas diferenças significativas em relação à versão ‘definitiva’ [se é que com Artur Paredes algo alguma vez foi definitivo…], que Artur Paredes gravou em 1957), e também Carlos Paredes («Danças Portuguesas»), algumas peças do reportório coimbrão dos anos 40 e 50 (v.g. «Estudo em Lá», arr. A. Brojo, «Aguarela portuguesa», «Valsa em lá menor» de Flávio Rodrigues, etc.) e um curioso arranjo de Alexandre Brandão para um tema brasileiro («Noite de Estrelas [valsa]», de Dilermando Barbosa; julgo o tema inédito nesta versão para guitarra). No OUP fez-se como acompanhante de cantores e alargou o reportório instrumental («Canção Verdes Anos» e outros temas de Carlos Paredes, incluindo quatro peças da suite O Ouro e o Trigo: «A Montanha e a Planície», «Dança Palaciana», «Sede e Morte» e «Dança dos Camponeses»; estes temas foram tirados a partir da gravação de uma actuação tevisiva de Carlos Paredes e Fernando Alvim, com texto dito por José Nuno Martins [Out.75, com repetições no Natal do mesmo ano e em Abr.77]; só em 1983 Carlos Paredes nos daria versões gravadas deste conjunto de peças [no álbum Concerto em Frankfurt; cf. O Mundo segundo Carlos Paredes, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 2002, CD 4, faixas 30 a 33; outras versões nesta integral da discografia de CP, por vezes com pequenas modificações nos títulos]). Mário Freitas foi portanto aqui um acentuado pioneiro; «Os Amantes» e «Andamento», de Jorge Tuna; etc.). Permaneceu no OUP até 1976, conhecendo portanto toda a série de modificações na estrutura dos espectáculos ocorrida a partir de 1974. Senhor de uma execução algo doce e de grande sensibilidade, era consideravelmente seguro em palco (a partir do final da década de 70 e até ca. 1987, Mário Freitas tocou regularmente com Armando de Carvalho Homem, Armando Luís de Carvalho Homem e Paulo Alão, acompanhando os cantores José Horácio Miranda e – mais ocasionalmente – António Sousa Pereira; o grupo participou em alguns dos Seminários sobre o Fado de Coimbra [1978-1983]).
Ultrapassando praticamente incólume os tempos imediatamente posteriores ao 25 de Abril – descontando alguns ‘sobressaltos’ –, o OUP introduzirá modificações sensíveis nos seus saraus nos anos subsequentes. O que tradiocionalmente se designava como «as Variedades» (2.ª e 3.ª partes das actuações públicas) passa a ter o rótulo englobante de «Etnografia», incluindo as danças e cantares regionais, actuações do coro (desde 1973 é regente artístico do OUP Mário Mateus; natural de Vagos, barítono, de formação básica no Conservatório de Aveiro, com ulteriores estudos post-graduados na Áustria e na RFA, MM chega ao OUP depois de uma breve passagem pelo Coral de Letras de Coimbra [1972/73]; faz parte de uma geração de maestros de coros – universitários ou não – que profundamente renovaram a partir dos anos 60 finais, v.g. Fernando Eldoro, José Robert, Jorge Mata, José Luís Borges Coelho, etc.; pelo final da década de 70 assistiu Lopes-Graça na orientação das classes de direcção coral dos Cursos Internacionais da Costa do Estoril; é actualmente Director do Conservatório Regional de Vila Nova de Gaia) em peças regionais portuguesas com harmonizações de Fernando Lopes-Graça (1906-1994), sons vocais e instrumentais com a marca de Adriano, Berna, Paredes ou Tuna, leitura de textos (poéticos ou em prosa, neste último caso com algum destaque para Eça, Torga ou Soeiro Pereira Gomes) conotados com o universo de situações posto em cena, etc.
O regresso a ‘cenários’ mais tradicionais dá-se a partir de 1977, ano das comemorações do 65.º aniversário do OUP e do 10.º da AAOUP, e da realização de dois saraus (no Rivoli e no Coliseu, Maio e Junho do ano em causa) de colaboração recíproca. Naturalmente, os fados cabem então aos «antigos», ressurgindo em cena – bem como nas restauradas serenatas monumentais da Queima das Fitas (1979 ss.) – múltiplos cantores e instrumentistas das décadas precedentes. A título de exemplo, direi que nos 2 saraus pioneiros de 1977 actuaram os guitarristas António Cunha Pereira, Arménio Assis e Joaquim Rodrigues; os violas José Alão, Carlos Teixeira e Armando Luís de Carvalho Homem; e os cantores José Tavares Fortuna, José Vitorino Santana, Hernâni Pinto, Henrique Gameiro dos Santos e Raul Barros Leite. Este último interpretou as partes solo da «Balada da Diferença», peça para pequeno coro e solista vocal com contínuo de guitarras/violas, então composta (poema: Raul Barros Leite; mús.: Raul Barros Leite e Arnaldo Brito) e objecto de 1.ª (e até hoje creio que única…) audição pública (Coliseu do Porto, 1977/06/16).
Mantendo embora a colaboração com membros da AAOUP, o OUP procurará recriar grupos de fados a partir dos finais da década em causa, o que conseguirá, embora com resultados nem sempre muito convincentes. Mas isso é estória recente, de que será, de momento, prematuro falar.
Importa entretanto referir, para fechar, que os alvores da presente década de 90 assistiram no Porto (e na Maia) ao ensino (crescentemente metódico) de Paulo Jorge Soares (Jó Jó). Para além de formar inúmeros guitarristas, Paulo Soares está na raiz da constituição de grupos, cujo quadro institucional não é já o de um Organismo Académico mas, eventualmente, o de uma Faculdade, mormente a de Ciências; «Baladas da Despedida» de finalistas terão inclusivamente a sua marca de arranjador.
Pelo que, a presente estória quase acaba como começa: os Institutos Industrial e Comercial nos anos 30, as Faculdades nos anos 90. Pelo meio, e sempre, o mais antigo Organismo musical da Academia: a que tive a honra de pertencer.
Morelinho (Sintra), Agosto/Setembro de 1999
* In José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, I, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 115-128.
Armando Luís de Carvalho HOMEM
Não é coisa rara ver associada a prática do Canto e da Guitarra de Coimbra no seio da Academia portuense exclusivamente ao mais antigo dos Organismos estudantis: o Orfeão Universitário do Porto (OUP; fundado como Orfeão Académico do Porto em 1912; existente com muitas soluções de continuidade até aos anos 30; tentativas de reorganização a partir de 1937, com a designação transitória de Orfeão Académico da Universidade do Porto; reorganização ‘definitiva’ em 1942, ano a que também remonta a actual designação; de 1937 a 1967 teve como regente o maestro Afonso Valentim [da Costa Pinto, 1897-1974]). Que este, pela sua longa existência, pelo facto de dispor, quase sempre, de um grupo de fados, tem um lugar importante nesta sucessão de estórias é um facto; lugar importante: disse e repito; mas de modo algum lugar único.
Datar a origem do processo é algo que só uma pesquisa aturada (nos matutinos da Cidade, numa publicação como O Porto Académico [anos 30/40/ 50], nos fundos da Biblioteca Pública Municipal [BPMP] que incluam programas de espectáculos, no que possa existir de arquivos sonoros dos antigos Emissores do Norte Reunidos [ENR], etc.) poderá estabelecer. Mas creio que, no essencial, ele remonta aos anos 30, com pontuais antecedentes na década anterior. E ao processo não foi de modo algum estranha a ida para o Porto de estudantes de Engenharia com antecedentes em Coimbra (cursados os «Preparatórios» na Faculdade de Ciências) e que agora rumavam à Invicta a concluir a licenciatura.
De qualquer modo, os nomes mais antigos que conheço são exteriores à Universidade: trata-se de estudantes dos então Institutos Industrial e Comercial (dos actuais Institutos Superiores de Engenharia e de Contabilidade e Administração / Instituto Politécnico do Porto), em finais dos anos 30 / princípios dos anos 40; aí referencio nomes como os dos guitarristas:
o Alexandre Brandão (1909-2004): Executante notável, bom intérprete de Artur Paredes (a quem chegou a conhecer), manteve nos anos 40 um «trio Brandão» (que incluía o também guitarrista Lauro de Oliveira e o viola José Severino), actuando regularmente nos então ENR. Era detentor de uma colecção notável de discos de gramofone, incluindo gravações próprias e algumas gravações de Artur Paredes / Carlos Paredes / Arménio Silva (programa Guitarradas de Coimbra, Emissora Nacional [Lisboa], anos 40). Nas décadas de 50, de 60 e de 70 vários foram os guitarristas do OUP que beneficiaram do seu magistério (António Rosa Araújo, Manuel Antunes Guimarães, Manuel Melo da Silva, Mário Freitas…; deles adiante se falará). Teve na vida outro hobby: a criação de canários e o treino e classificação do seu canto, sendo perito internacional na matéria (cf. o texto de Jorge FÉLIX disponível em http://www.terravista.pt/ancora/2047/private/AlexanBrandão.html [consultado em 2004/09/10]; inclui uma foto de AB à guitarra no dia do seu 90.º aniversário; veja-se também, no presente blog, o texto de minha autoria «Dois guitarristas portuenses que nos deixam» (post de 2005/03/26).
o Lauro de Oliveira [o «Tio Lauro»] († 1970): Até praticamente ao fim da vida manteve em sua casa uma tertúlia semanal. Nos anos 50 e 60 teve um grupo que julgo ter durado uns bons anos, com o também guitarrista Fernando Barbosa (advogado) e o viola Ernesto Almeida (vulgo «Almeidinha») [funcionário da Polícia Judiciaária, † 1983], e gravou pelo menos um EP, com o cantor José Vitorino Santana (a que adiante se fará referência).
o Fernando Lencart: Carlos Fernando Barbosa Salgado e Lencart, ulteriormente notabilizado como solista de viola clássica e de alaúde e intérprete da música antiga (funcionário de uma das empresas hidroeléctricas que estão na remota raiz da actual EDP.
o Ayres Máximo Saraiva de Aguillar: Nos anos 60/80 notabilizou-se como membro do grupo de João Bagão, participando em 3 LP’s de Luiz Goes e num EP instrumental de João Bagão.
Para a maior parte da década de 40 não disponho de outros elementos. Aí a partir de 1948 encontramos António Pinho de Brojo (1927-1999) a concluir a licenciatura em Farmácia na UP. Ignoro se a sua actividade nos 2 anos lectivos que passou na Invicta é intensa ou não (e o próprio nunca se abriu muito sobre esta matéria). Mas julgo que pertenceu ao OUP (ou pelo menos colaborou em espectáculos), e nessa sua fase portuense acompanhou cantores como Napoleão Amorim (estudante de Engenharia, também ido de Coimbra, onde pertencera ao Orfeon Académico) e Álvaro de Andrade (futuro médico); tocaram com ele os guitarrristas Viriato Santos e Manuel Cunha Gomes e o viola Aureliano Veloso (futuro engenheiro-químico, pai de Rui Veloso e irmão do brigadeiro António Pires Veloso; foi o primeiro Presidente eleito da Câmara Municipal do Porto [mandato 1977-1980]).
Já em plena década de 50 há memória no OUP de um excelente guitarrista: António Mendonça. Morreu muito jovem, vitimado por uma hemoptise. Com ele se iniciaram no OUP cantores como José Tavares Fortuna10, Óscar França (futuro engenheiro) e José Vitorino Santana (futuro urologista; director do Departamento Clínico do F. C. Porto na primeira metade da década de 70; 1931-2004); todos tiveram basta longevidade como cantores (pelo menos até finais da década de 80), primeiro no OUP, depois na Associação dos Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto (AAOUP, fundada em 1967). O último gravou, aí por 1962, um EP 45 RPM, acompanhado por Lauro de Oliveira / Fernando Barbosa / Ernesto Almeida (já mencionados); incluiu os temas «Fado dos Passarinhos», «Estrelinha do Norte» (arr. Lauro de Oliveira), «Cantiga partindo-se» (versão J. Barros Madeira) e «Fado Manassés». Note-se ainda que José V. Santana – um primeiro-tenor com bastante extensão nos agudos – foi sempre possuidor de vastíssimo reportório, onde se destacavam temas de (ou celebrizados por) Edmundo Bettencourt, a quem profundamente admirava.
Aí pelos meados da década afirma-se no OUP um grupo de executantes de qualidade invulgar para a época: os guitarristas António Rosa de Araújo (futuro médico, veio a ser fundador e durante longos anos Director do Serviço de Hematologia do Hospital de S. João; 1931-2004) e Serafim Guimarães (futuro lente de Medicina /Farmacologia, foi Vice-Reitor da UP em 1984-1985; jubilado em 2004; note-se que SG foi também cantor; julgo que esta faceta se localiza mais para o final do seu percurso estudantil; mas ignoro até que ponto haverá fases estanques entre o cantor e o guitarrista) e os violas Fernando Neto [Mateus da Silva] (futuro engenheiro; tal como o mencionado Ayres de Aguillar, integrou o grupo de João Bagão na década de 60; participou nessa fase em dois LP’s de Luiz Goes e num EP instrumental de João Bagão; sobre a sua actividade na Coimbra dos anos 40 e 50, cf. José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, II, Alfragide, EDICLUBE, 1999, pp. 134-135), José Alão (futuro engenheiro, irmão de Paulo Alão) e Fernando Reis Lima (futuro médico). Com eles actuaram cantores como os já referidos José V. Santana e Óscar França e ainda, no início da sua longa passagem pelo OUP, Raul Barros Leite (futuro gestor de empresas). Neste grupo – que fez a primeira digressão do OUP a Angola (1956) – é normalmente destacada a virtuose de A. R. Araújo, extremamente minucioso na fidelidade aos originais quando executava temas de Artur Paredes.
Quanto a Raul Barros Leite, esteve no OUP entre 1955 e 1966 (com duas soluções de continuidade, por motivos castrenses). Multifacetado, foi, entre «much coisas plus» (expressão manuscrita que alguém acrescentou na sua ficha de membro do OUP), cantor de fados – num registo de segundo-tenor, com bastante extensão quer para graves, quer para agudos; infelizmente, escassos são os registos gravados da sua actividade como tal –, viola da Orquestra de Tangos, viola de grupos de folclore regional, apresentador de saraus, entertainer nos mesmos e – the last but not the least – viola e solista vocal da Tuna do OUP, nos moldes em que ela renasceu nos anos 60 (sob a regência de José Belarmino da Mota Soares [† ca. 2000], responsável então pelo arranjo de múltiplos temas; economista, manteve longa actividade musical: para além da regência da Tuna do OUP [1961-1965] e da Tuna da AAOUP [anos 70], foi organista da igreja da Lapa e maestro do Coral Sacro de S. Tarcísio [sediado na mesma igreja e ulteriormente na da Trindade). Deve-se-lhe a interpretação vocal do tango «Amores de Estudante» (poema de Paulo Pombo [professor do Instituto Industrial do Porto; m. em meados da década de 80], música de Aureliano da Fonseca [violinista, mais tarde dermatologista; foi professor da Faculdade de Medicina/UP e, nos anos 70, professor visitante da U. de Campinas SP (UNICAMP); contando 80 e muitos anos, continua a exercer clínica; pai dos lentes Luís Adão da Fonseca (historiador, UP), António Adão da Fonseca (engenheiro-civil, UP) e Fernando Adão da Fonseca (engenheiro-civil, economista e gestor, UCP)]; composto nos anos 30 para a então Orquestra Universitária de Tangos) no primeiro EP da Tuna do OUP, grande sucesso discográfico aí por 1964/65. Como executante de viola eléctrica, integrou uma das primeiras formações do Conjunto Pedro Osório (princípios da década de 60) e participou na gravação de vários EP’s. Mais para meados da década – e em perfeita sincronia com os alvores do movimento da balada – gravou um EP com temas musicais de sua autoria sobre poemas de Miguel Torga (acompanhando-se à viola, em parceria neste instrumento com Eduardo Beirão Reis [de quem adiante se falará]). Numa fase ulterior (1970-1972) esteve em Angola, como capitão miliciano. Produziu então mais umas tantas baladas, nas quais a temática d’«o mato» é predominante; poderiam ter tido um excelente destino discográfico… Desde os anos 70 que todas as semanas fidalgamente recebe em sua casa os companheiros de andanças, numa tertúlia com tanto de caloroso como de informal.
Os finais da década de 50 são tempos de maior apagamento. Destaquem-se no entanto nomes como os dos guitarristas Joaquim («Quim») Rodrigues e António Pinto Ferreira (futuro médico), o do viola José Gomes da Silva (futuro economista, irmão de António Gomes da Silva [v. infra] e os dos cantores Henrique Gameiro dos Santos (futuro médico), Casimiro Ferreira (que ulteriormente se transferirá para Coimbra; gravou então um EP, acompanhado por António Portugal / Eduardo de Melo / Manuel Pepe / Paulo Alão, incluindo os temas «Menino de Oiro», «Fado Corrido de Coimbra» e «Nuvens Brancas»; completam o disco as «Variações em ré menor» de Flávio Rodrigues; matemático, futuro professor da U. de Aveiro; é um dos raros casos de cantores ou instrumentistas com actividade nas duas Academias, mas pela ordem cronológica Porto / Coimbra) e, efemeramente, Nuno Morgado (de quem se voltará a falar). Nomes como estes asseguraram a primeira ida do OUP a Moçambique (1959).
Entrados os anos 60, algo se acentua: o carácter efémero da constituição dos grupos. As dificuldades crescentes com o adiamento do serviço militar (1961 ss.) e, num plano mais geral, o encurtamento da vida estudantil fazem com que nos cerca de 15 anos que precedem a mudança de Regime poucos tenham sido os grupos de fados do OUP a manter o essencial do seu elenco de um ano para o seguinte. Inclusivamente, na segunda viagem do Organismo a Angola (1962) o staff de orfeonistas seguiu quantitativamente debilitado, e com um grupo de fados de composição quase improvisada no plano instrumental.
Entretanto, 1961 vira chegar ao Porto – e ao OUP – um guitarrista de proveniência coimbrã, Arménio [José Serrão] Assis [e Santos] de seu nome (estudante de Geologia, primo dos lentes Daniel Serrão [UP/Medicina] e Fernando Serrão [UP/ Ciências-Química, † 1981]; barítono, pertencera ao Orfeon Académico de Coimbra; cf. José NIZA, Op. Cit., p. 76). Tecnicamente limitado, tinha no entanto um saber acima da média para o panorama portuense: conhecimento de fados e de «introduções» para os mesmos, um acompanhamento – ao tempo – muito discreto – e consequentemente muito eficaz – para as guitarradas tradicionais, etc. Por tudo isto, pode dizer-se que AA fez alguma Escola no OUP, ajudando a lançar instrumentistas mais jovens. A sua actividade não foi no entanto longa (1961-1967, com intermitências por razões de serviço militar). Com ele tocaram, entre outros, guitarristas como Joaquim Baldaia, Manuel Botelho Chaves (de quem se voltará a falar), Manuel Antunes Guimarães (idem), Sebastião Carneiro («Tião», futuro médico) e Manuel Melo da Silva (futuro engenheiro, passou por Coimbra entre 1967 e 1969, integrando ocasionalmente o grupo de Hermínio Menino) e violas como Eduardo Beirão Reis (futuro engenheiro), Jaime Fonseca Filho e António Huet Bacelar (futuro geólogo); por ele foram acompanhados cantores como Manuel Rogério Silva (estudante de Engenharia, antigo elemento do Orfeon Académico de Coimbra; actualmente professor jubilado da Fac. Ciências/UP) e outros de quem já se falou ou falará (Arménio Assis terá nos anos 70 uma actividade intensa no âmbito da AAOUP [grupo de fados e Tuna]; ultimamente tem integrado o Grupo de Fados da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto, do qual fazem parte, entre outros, o guitarrista António Cardoso Moniz [Palme] e o cantor José Maria Lacerda e Megre [Filho]).
Os meados da década serão entretanto marcados no OUP pela dupla de guitarristas José Carlos Agrelos (futuro economista) / Manuel Botelho Chaves, com os violas Eduardo Beirão Reis e, mais pontualmente, Jaime Fonseca Filho e António Huet Bacelar (já referidos). Foi este o grupo que fez a digressão ao Brasil (1965), com os cantores Raul Barros Leite e José Luís Borges Coelho (ao tempo estudante de História, JLBC possuía formação musical, haurida no seminário de Vila Real e no Conservatório de Música do Porto). Beirão Reis era ao tempo presidente da Direcção. Problemas em Assembleia-Geral no regresso da digressão levaram à queda do Executivo a que presidia; em consequência, abandonou o OUP, acompanhado na dissidência pelos dois guitarristas. Com o efémero ex-orfeonista Nuno Morgado (referido supra; estudante de Ciências, futuro empresário, foi candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto nas Autárquicas/93), constituiram o Grupo Universitário de Guitarras, em actividade até ca. 1969. Ao longo desse período encarregaram-se sem excepção das serenatas monumentais da Queima das Fitas (o hábito das serenatas monumentais a abrir a Queima das Fitas não é no Porto, pelo menos em termos de regularidade, anterior aos meados da década de 50; durante alguns anos ter-se-á andado à procura do lugar ideal: alto da Av. dos Aliados [na escadaria que então dava acesso à Câmara Municipal], pelourinho do Terreiro da Sé, escadaria do Liceu Carolina Michaëlis, etc.; a partir de 1961, com a inauguração do Palácio da Justiça, é a escadaria respectiva o local escolhido; e por aí se fica até 1971, ano da última Queima, realizada sob forte contestação; o ressurgimento verificar-se-á em 1979). É o caso mais nítido de um grupo que sobrevive por alguns anos sem vínculo permanente a qualquer Organismo (ainda que em 1967/68 tenham dado alguma colaboração ao entretanto criado Coral de Letras da Universidade do Porto [CLUP; criado em 1966, regido desde o início por José Luís Borges Coelho; após alguns anos de Ensino Secundário, JLBC passaria a uma actividade exclusivamente nos planos do ensino musical e da direcção de coros; para além do CLUP, dirigiu o Coro do Círculo Portuense de Ópera; pai do pianista Miguel B. C. e irmão do historiador e lente jubilado da UL António B. C.]. Gravaram dois EP’s 45 RPM, onde temas tradicionais de Coimbra (v.g. «Canção da Beira», «É tão lindo o teu Olhar») alternam com originais de criação portuense. O ‘modelo’ deste grupo foi claramente o Coimbra Quintet, e a audição dos dois referidos discos proporciona indiscutivelmente bons momentos.
No OUP, após a saída dos elementos que foram constituir o Grupo Universitário de Guitarras, viveu-se alguma confusão em matéria de grupo de fados. Em 1965/66 e 66/67 a constituição do mesmo foi algo de instável: pelos espectáculos passaram quer nomes vindos do passado (guitarristas como Arménio Assis e Sebastião Carneiro, violas como António Huet Bacelar, cantores como Raul Barros Leite, José Luís Borges Coelho e Hernâni Pinto), quer novos que se estreavam ou quase (guitarristas como Manuel Antunes Guimarães e Manuel Melo da Silva, violas como Carlos Teixeira e Arnaldo Brito, cantores como Alfredo Pais da Rocha, Manuel Faria de Bastos e António Jorge Rodrigues da Silva). Dois nomes merecem, entretanto, realce:
o Hernâni Pinto: Natural de Espinho, barítono, futuro economista, Hernâni Rodrigues Pinto privou, muito jovem, com Adriano Correia de Oliveira, que pelo final dos anos 50 / princípios dos 60, frequentava estivalmente aquela praia. Com ele algo aprendeu, tendo sido também claramente influenciado pelas velhas gravações de José Afonso; tudo isto se viria a traduzir no reportório preferencial, com uma tendência clara para a trova / balada («Pescador do rio triste», «Balada do Outono», «Trova do Amor Lusíada», «Pensamento»…) ou, no âmbito do fado tradicional, para temas objecto de gravação por aqueles dois nomes («Fado da Mentira», «Incerteza», «Fado dos Olhos Claros», «Canta Coração»…). Esteve no OUP de 1962 a 1969 (com um interregno castrense), e desde os anos 70 que participa assiduamente nas actividades da AAOUP.
o Carlos Teixeira: Natural de Águeda, futuro economista, foi sem dúvida o melhor executante de viola que – e pelo menos até aos anos 70 – passou pelo OUP. Para além de viola de fado, Carlos Manuel Duarte Teixeira possui formação de «viola clássica» e conhecia, como ninguém no meio, a «gramática» da bossa nova. Pertenceu ao OUP de 1965 a 1971, e desde finais da década de 70 que tem colaborado intensamente com a AAOUP.
Os anos 1968-1970 conhecerão no OUP uma estabilidade fora do vulgar para a época em matéria de grupo de fados. Executantes de guitarra medianos (Firmino Coutinho [futuro engenheiro] e João Fonseca [futuro economista]; e também, mais para o final do período, António Jorge Carvalho) mas trabalhando muito e conhecendo-se reciprocamente bem, enquadrados por dois grandes violas (o já mencionado Carlos Teixeira e Arnaldo Brito [também com formação de viola clássica]; e ainda, mais pontualmente, José Manuel Gomes Duarte) e acompanhando os cantores António Jorge Rodrigues da Silva («Bizout») e Alfredo Pais da Rocha (e mais pontualmente Hernâni Pinto), proporcionarão inegavelmente bons momentos em palco; isto numa altura em que o OUP começava a dispor de apreciáveis meios técnicos (luzes, som, etc.) para a montagem dos seus saraus: nestes finais dos sixties a actuação do grupo de fados (que tinha a peculiaridade de se verificar ao abrir da 2.ª Parte, i.e., logo após o intervalo que sucedia a actuação do Coro; o encerramento cabia normalmente à Orquestra de Tangos [e mais pontualmente, nesses anos, à Tuna]) verificava-se a uma luz muito ténue – como que recriando uma noite de luar – e com uma sábia utilização dos microfones.
Por obra e graça de uma pequena dissidência havida no OUP, o CLUP voltará a ter um grupo de fados em 1969/70 e 70/71. Integraram-no nomes como os dos guitarristas Manuel Antunes Guimarães (futuro engenheiro-civil, MAG começara no Porto, integrando o grupo de fados do OUP em 1964/65 e 65/66; passara depois a Coimbra, integrando o grupo de José e Nilton Bárrio [1966-1969], grupo que acompanhava então os espectáculos do Coro Misto; regressou ao Porto em 1970, passando um ano pelo CLUP [1970/71] e outro pelo OUP [71/72], António Gomes da Silva («o Sócio», futuro economista, irmão do já citado José G. da S.) e Orlando Lourenço (estudante de Filosofia, hoje lente da Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação/UL), os dos violas Armando Luís de Carvalho Homem e (efemeramente) Adélio Coutinho (futuro engenheiro) e os dos cantores Paulo Sampaio (futuro engenheiro-electrotécnico, passara por Coimbra, integrando, com Manuel Antunes Guimarães, o grupo de José Bárrio), Hernâni Pinto e Mário Fernando de Oliveira (fazendo às vezes uma perninha vocal o próprio maestro Borges Coelho). Mas foi coisa efémera, até porque a partir de 1971 o CLUP trilharia caminhos algo diferentes.
No OUP, o ano de 1970/71 (marcado pela terceira digressão a Angola) representa o culminar finalizante dos rumos que remontavam a 1967/68: guitarristas como João Fonseca e António Jorge Carvalho (pontualmente ‘reforçados’ por António Cunha Pereira, de quem se falará com maior detença), o viola Carlos Teixeira (por vezes fazendo também uma perninha vocal) e os cantores António J. Rodrigues da Silva e Luís Paupério (futuro engenheiro) protagonizam assim este ano fim-de-um-tempo (até porque muitos deles estavam nas vésperas da incorporação em Mafra).
Os anos subsequentes serão tempo de muitas interrrogações: a contestação à Queima/71 marcara a suspensão desta iniciativa por alguns anos, as capas iam desaparecendo completamente do quotidiano – até porque o seu uso na rua podei dar lugar a piropos… – e falava-se até do seu abandono como traje de cena. Só no OUP e em alguns núcleos de Antigos Orfeonistas se persevera nesses anos. No OUP não será fácil, até porque vão escasseando os praticantes do género. Seguindo uma evolução lógica ao tempo, os grupos passam a ter apenas um guitarrista (sucessivamente Manuel Antunes Guimarães e Mário Freitas) e um viola – Armando Luís de Carvalho Homem (por vezes com o reforço de mais um, o também cantor Luís Paupério); e no reportório instrumental despontam – qual consequência lógica – Carlos Paredes e Jorge Tuna. Em matéria de cantores, alguma gente nova surge: Luís Sobral Torres (futuro engenheiro), Júlio Domingues (estudante de Medicina, morreu prematuramente em acidente de viação no Verão de 1974), Joaquim Barbosa Ferreira («Quim Zé», futuro médico); e também no reportório se procura ter em conta as contingências da formação instrumental: temas de Adriano, Luiz Goes, A. Bernardino, José Manuel Santos, Mário Veiga ou José Miguel Baptista; ou fados tradicionais com acompanhamentos atentando no que um João Bagão, um António Andias ou as duplas Nuno Guimarães / Manuel Borralho e António Portugal / Francisco Filipe Martins estavam fazendo, v.g. em gravações de Luiz Goes, Armando Marta ou outros cantores linhas atrás mencionados (a reacção a tais novidades de reportório por parte dessa «fila zero» do público que eram os Colegas do Organismo é que nem sempre era a melhor…). E em Agosto de 1973 a última digressão vieux style, à Venezuela.
Tempos, portanto, continuadamente fim-de-tempo, é curioso que por esses anos tenham passado pelo OUP três grandes guitarristas, todos, cada um à sua maneira, com uma costela de nouvelle guitare:
o António Cunha Pereira: Natural de Alvarenga, diplomado pelo Instituto Industrial do Porto ca. 1970, António Fernando da Cunha Pereira chegou nesses anos a colaborar com o Grupo Universitário de Guitarras (v.g. na Serenata Monumental de 1969). Em 1971 cursou Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras – ingressando então no OUP – e mais tarde licenciou-se em Engenharia Electrotécnica. Desde os finais da década de 70 que colabora intensamente com a AAOUP. Terá sido o mais completo, maduro e desenvolto de todos os guitarristas que passaram pelo OUP. Senhor de um reportório muito vasto – que ia da Coimbra tradicional às várias fases de Jorge Tuna e praticamente à totalidade do conteúdo dos dois primeiros LP’s de Carlos Paredes –, extremamente tecnicista, por vezes algo frio no dizer das frases (são muitas as características da execuçção de Paulo Soares que me recordam António Cunha Pereira), era notavelmente seguro em público. Nos anos 80 gravou um LP, com o guitarrista António Jorge Carvalho, os violas Carlos Teixeira e Arnaldo Brito e os cantores Alfredo Pais da Rocha, Victor Silva e Luís Paupério; inclui as «Variações em mi menor» de Jorge Tuna e as «Variações em ré menor» de Armando de Carvalho Homem.
o Manuel Antunes Guimarães: Já se historiou o seu percurso académico Porto / Coimbra / Porto. Manuel Francisco de Faria Antunes Guimarães passou por Coimbra em condições de absorver muito do que de novo se ia fazendo no domínio da guitarra – a herança de Carlos Paredes, os contributos de Eduardo e Ernesto de Melo, António Andias, Nuno Guimarães, Francisco Martins, Manuel Borralho, José Bárrio e outros; o que naturalmente se traduziu no reportório: «Canção Verdes Anos», «Melodia n.º 2», «Dança» ou «Variações em lá menor», de Carlos Paredes; «Variações em Ré Maior» ou «Os Amantes», de Jorge Tuna (para além do modo como interpretava as «Variações de Coimbra» de Afonso de Sousa). Possuidor de uma guitarra de Gilberto Grácio com uma escala francamente dura, traduzia-se isso num modo de tocar vigoroso e num som possante; certos processos de execução faziam lembrar António Andias (com quem ocasionalmente chegou a tocar); infelizmente nunca conseguiu superar um acentuado nervosismo em palco.
o Mário Freitas: Estudou guitarra desde muito novo, com Alexandre Brandão. Quando, aos 17 anos (1972), chegou à Faculdade de Medicina – e ao OUP – Mário Fernando Nogueira de Freitas levava já um razoável reportório, que incluía, abundantemente, Artur Paredes (era particularmente brilhante a sua interpretação das «Variações em mi menor», numa versão antiga, extraída de um dos mencionados discos de gramofone do espólio do seu Mestre, a qual apresentava umas tantas diferenças significativas em relação à versão ‘definitiva’ [se é que com Artur Paredes algo alguma vez foi definitivo…], que Artur Paredes gravou em 1957), e também Carlos Paredes («Danças Portuguesas»), algumas peças do reportório coimbrão dos anos 40 e 50 (v.g. «Estudo em Lá», arr. A. Brojo, «Aguarela portuguesa», «Valsa em lá menor» de Flávio Rodrigues, etc.) e um curioso arranjo de Alexandre Brandão para um tema brasileiro («Noite de Estrelas [valsa]», de Dilermando Barbosa; julgo o tema inédito nesta versão para guitarra). No OUP fez-se como acompanhante de cantores e alargou o reportório instrumental («Canção Verdes Anos» e outros temas de Carlos Paredes, incluindo quatro peças da suite O Ouro e o Trigo: «A Montanha e a Planície», «Dança Palaciana», «Sede e Morte» e «Dança dos Camponeses»; estes temas foram tirados a partir da gravação de uma actuação tevisiva de Carlos Paredes e Fernando Alvim, com texto dito por José Nuno Martins [Out.75, com repetições no Natal do mesmo ano e em Abr.77]; só em 1983 Carlos Paredes nos daria versões gravadas deste conjunto de peças [no álbum Concerto em Frankfurt; cf. O Mundo segundo Carlos Paredes, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 2002, CD 4, faixas 30 a 33; outras versões nesta integral da discografia de CP, por vezes com pequenas modificações nos títulos]). Mário Freitas foi portanto aqui um acentuado pioneiro; «Os Amantes» e «Andamento», de Jorge Tuna; etc.). Permaneceu no OUP até 1976, conhecendo portanto toda a série de modificações na estrutura dos espectáculos ocorrida a partir de 1974. Senhor de uma execução algo doce e de grande sensibilidade, era consideravelmente seguro em palco (a partir do final da década de 70 e até ca. 1987, Mário Freitas tocou regularmente com Armando de Carvalho Homem, Armando Luís de Carvalho Homem e Paulo Alão, acompanhando os cantores José Horácio Miranda e – mais ocasionalmente – António Sousa Pereira; o grupo participou em alguns dos Seminários sobre o Fado de Coimbra [1978-1983]).
Ultrapassando praticamente incólume os tempos imediatamente posteriores ao 25 de Abril – descontando alguns ‘sobressaltos’ –, o OUP introduzirá modificações sensíveis nos seus saraus nos anos subsequentes. O que tradiocionalmente se designava como «as Variedades» (2.ª e 3.ª partes das actuações públicas) passa a ter o rótulo englobante de «Etnografia», incluindo as danças e cantares regionais, actuações do coro (desde 1973 é regente artístico do OUP Mário Mateus; natural de Vagos, barítono, de formação básica no Conservatório de Aveiro, com ulteriores estudos post-graduados na Áustria e na RFA, MM chega ao OUP depois de uma breve passagem pelo Coral de Letras de Coimbra [1972/73]; faz parte de uma geração de maestros de coros – universitários ou não – que profundamente renovaram a partir dos anos 60 finais, v.g. Fernando Eldoro, José Robert, Jorge Mata, José Luís Borges Coelho, etc.; pelo final da década de 70 assistiu Lopes-Graça na orientação das classes de direcção coral dos Cursos Internacionais da Costa do Estoril; é actualmente Director do Conservatório Regional de Vila Nova de Gaia) em peças regionais portuguesas com harmonizações de Fernando Lopes-Graça (1906-1994), sons vocais e instrumentais com a marca de Adriano, Berna, Paredes ou Tuna, leitura de textos (poéticos ou em prosa, neste último caso com algum destaque para Eça, Torga ou Soeiro Pereira Gomes) conotados com o universo de situações posto em cena, etc.
O regresso a ‘cenários’ mais tradicionais dá-se a partir de 1977, ano das comemorações do 65.º aniversário do OUP e do 10.º da AAOUP, e da realização de dois saraus (no Rivoli e no Coliseu, Maio e Junho do ano em causa) de colaboração recíproca. Naturalmente, os fados cabem então aos «antigos», ressurgindo em cena – bem como nas restauradas serenatas monumentais da Queima das Fitas (1979 ss.) – múltiplos cantores e instrumentistas das décadas precedentes. A título de exemplo, direi que nos 2 saraus pioneiros de 1977 actuaram os guitarristas António Cunha Pereira, Arménio Assis e Joaquim Rodrigues; os violas José Alão, Carlos Teixeira e Armando Luís de Carvalho Homem; e os cantores José Tavares Fortuna, José Vitorino Santana, Hernâni Pinto, Henrique Gameiro dos Santos e Raul Barros Leite. Este último interpretou as partes solo da «Balada da Diferença», peça para pequeno coro e solista vocal com contínuo de guitarras/violas, então composta (poema: Raul Barros Leite; mús.: Raul Barros Leite e Arnaldo Brito) e objecto de 1.ª (e até hoje creio que única…) audição pública (Coliseu do Porto, 1977/06/16).
Mantendo embora a colaboração com membros da AAOUP, o OUP procurará recriar grupos de fados a partir dos finais da década em causa, o que conseguirá, embora com resultados nem sempre muito convincentes. Mas isso é estória recente, de que será, de momento, prematuro falar.
Importa entretanto referir, para fechar, que os alvores da presente década de 90 assistiram no Porto (e na Maia) ao ensino (crescentemente metódico) de Paulo Jorge Soares (Jó Jó). Para além de formar inúmeros guitarristas, Paulo Soares está na raiz da constituição de grupos, cujo quadro institucional não é já o de um Organismo Académico mas, eventualmente, o de uma Faculdade, mormente a de Ciências; «Baladas da Despedida» de finalistas terão inclusivamente a sua marca de arranjador.
Pelo que, a presente estória quase acaba como começa: os Institutos Industrial e Comercial nos anos 30, as Faculdades nos anos 90. Pelo meio, e sempre, o mais antigo Organismo musical da Academia: a que tive a honra de pertencer.
Morelinho (Sintra), Agosto/Setembro de 1999
* In José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, I, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 115-128.
10 Ginecologista, viveu em Moçambique. Ulterior Director-Clínico da Maternidade Júlio Dinis (MJD, Porto). Nos inícios da década de 80 gravou um LP, acompanhado por António Arnaldo de Mello e Castro / João Lamego (gg.) e Agostinho de Matos / Rui Garcia de Brito (vv.), e participou num outro, com o também cantor António Rodrigues (igualmente médico); os acompanhantes são praticamente os mesmos, apenas com a substituição de A. A. Mello e Castro por Joaquim Rodrigues (v. infra). Tal como o médico e cantor lírico Álvaro Malta, ficou célebre na MJD por, não raro, trautear peças do seu reportório como forma de descontrair as parturientes…; especialmente oportuna seria então a 2.ª quadra de «Nuvens Brancas» (que por sinal fazia parte do seu reportório):
Cautela não te aborreça
A mágoa do nosso amor,
Que a vida quando começa
É por um grito de dor !
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