segunda-feira, janeiro 16, 2006

Fado das Andorinhas

Música: Manassés Ferreira de Lacerda Botelho (1885-1962)
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de José Nunes da Ponte; 3ª quadra popular; 4ª quadra de autor desconhecido
Incipit: Vai alta a noite, e a lua
Origem: Porto
Data: ca. 1907-1908



(Ai2) Vai alta a noite, e a Lua
Brilha no céu de safira;
Quem tem amores não dorme
Mais, que a guitarra prefira.

(Ai2) Amor é um sonho que mata,
Sorriso que desfalece,
Madeixa que se desata,
Perfume que se esvaece.

(Ai2) Todas as noites, criança,
Vou sentar-me à tua porta
Desfolhar goivos na campa
Duma esperança já morta.

(Ai2) Guitarra, guitarra bela,
Eu venho chorar contigo;
Sinto mais suave o pranto
Quando alguém chora comigo.

Canta-se o 1º dístico, repete-se; canta-se o 2º sem repetições; na última quadra bisa-se o 2º dístico
Esquema do Acompanhamento:
1º dístico: Fá maior, 2ª Fá /// 2ª Fá, Fá maior;
2º dístico: Fá maior, 2ª Fá /// 2ª Fá, Fá maior;

Informação complementar:
Serenata estrófica em compasso 4/4 e tom de Fá Maior, tipicamente Belle Époque. Melodia singela, assente no esquema tónica e dominante, com carácter algo improvisatório, como que destinada a interpretação em ambientes exteriores. Foi gravada pelo tenor António Ferreira, por volta de 1910 no disco de 78rpm Zonophone, X-52467, que custava 100 réis em 1911. Pode dizer-se que, atendendo à tecnologia disponível na época, Ferreira canta audivelmente, não obstante o português algo macarrónico da 1ª quadra (melhor ficaria no 4º verso da 1ª copla cantar “Só que”, ou “Mas que”). Ferreira termina a sua interpretação num agradável “crescendo” ao gosto das muito apreciadas canções napolitanas.
Este “Fado das Andorinhas” deve pertencer ao ciclo das derradeiras composições de Manassés, não constando em nenhuma das três séries do seu repertório impresso por volta de 1907 na casa de Artur Barbedo, à Rua Mouzinho da Silveira, da cidade do Porto. Divaldo de Freitas, em “Emudecem Rouxinóis do Mondego”, 1972, dá a entender que Manassés emigrou do Porto para o Brasil em 1908, afirmação merecedora de algumas reservas, pois em 1909 o mesmo Manassés ainda terá prestado colaboração a uma digressão da Tuna Académica do Porto. Desconhecemos quem fosse o cantor António Ferreira, possivelmente ligado aos meios teatrais e musicais da cidade do Porto.
Esta mesma matriz fonográfica também correu no mercado com a etiqueta Gramophone 3-62343, de 78 rpm. A 3ª quadra, com ligeira variante, foi gravada por Reynaldo Varela no FADO DE REY, entenda-se Colaço (Todas as noites criança), no 78 rpm Beka-Grand-Record, 48132, e no FADO REY COLLAÇO (78 rpm Homokord 9235). Varela gravou e regravou o famoso “Fado de Rey Colaço”, por volta de 1905 (Chiadophone 40), de 1910 (Fav. 1-45585), e 1911 (Homokord 9235). A 4ª copla pertencia ao “Fado Novo Mouzão”, da autoria do fadista e guitarrista portuense António Mouzão, impresso na Casa Eduardo da Fonseca (“12 cantos populares. 12 fados para piano. 3ª Série, Porto, Eduardo da Fonseca. Armazem de musica, pianos e outros instrumentos, Praça de Carlos Alberto"), sem data. Não se trata da mesma melodia, pois Fado das Andorinhas é uma serenata cantada ao “Estilo Manasses de Lacerda”, conforme consta da etiqueta do próprio disco, enquanto o Fado Novo Mouzão é uma melodia ao estilo “fado Lisboa”. Mouzão foi uma dos mais notáveis executantes de Guitarra do Porto, além de cantor e de compositor, tendo gravado apreciável lote de discos no final da década de 1920. Era discípulo do velho João Maria dos Anjos. Na década de 1890 intregava o núcleo de notáveis da Guitarra do Porto, com Reynaldo Varela, César das Neves, Francisco Brandão e Guilherme Campos, com eles acamaradando o viola e fadista Dias de Sousa. Estes representantes do “estilo do Porto”, para recorrermos às expressivas palavras de Alexandre Brandão, animavam regularmente cafés, teatros, barbearias, casinos, restaurantes, salões de hotéis, termas, praias, bailes de carnaval, serões de assembleias e clubes recreativos.
Sem provas concretas, temos para nós que Mouzão conviveu de perto com Manassés de Lacerda na fase em que o célebre cantor estudou no Colégio de São Carlos e viveu na cidade do Porto, podendo ser autor ou co-autor de alguns espécimes impressos nas brochuras do repertório Manassés. Em 1904 Mouzão rondava os 36 anos, causando impressão a sua cabeleira precocemente branca, conforme testemunha a contra gosto Alberto Pimentel em “A triste canção do sul”, 1904, págs 270-271 (concebendo o fado como um produto mórbido-decadentista lisboeta, Pimentel vê-se obrigado a registar a prática do fenómeno na cidade do Porto). No final da década de 1920, homens como o serenateiro Carlos Alberto Leal e guitarrista Amândio Marques ainda conviveram com o “velho Mouzão”.
Os “ais” assinalados nas quadras são neumas e só se cantam nas repetições dos primeiros dísticos. Nas três primeiras coplas a música é idêntica, diferindo pontualmente no ritmo. Porém, a 4ª quadra apresenta melodia um pouco diferente, tendo merecido um destaque na transcrição musical.
Não deve esta composição confundir-se com o “Fado das Andorinhas” (Porque os meus olhos se apartem) de José Paradela de Oliveira, costumeira e erradamente atribuído ao cantor Artur Almeida d’Eça. Tivemos acesso a este esquecido espécime através dos arquivos particulares do Dr. Aurélio dos Reis, sendo de frisar que, para a época em que decorreu a gravação, voz e guitarra em afinação natural se ouvem com bastante nitidez. Ignora-se quem tenha sido o instrumentista presente nesta gravação presumivelmente realizada na cidade do Porto.
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2006)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho, António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Aurélio Reis, José Moças (Tradisom), Dr. João Caramalho DominguesPosted by Picasa

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