Ponte do Ó
Vista geral da cidade de Coimbra, com inclusão da Ponte do Ó, realizada por Carlos Relvas, nos alvores da década de 1870.
Fotografia da colecção de Margarida da Costa Alemão, editada em Alexandre Ramires, "Revelar Coimbra. Os inícios da fotografia em Coimbra. 1842-1900", Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro/Instituto Português de Museus, 2001, foto 16.
A velha ponte de pedra, construída no reinado de D. Manuel I, chegou ao século XIX profundamente assoreada. Permitia a ligação entre as duas margens do Mondego, tendo do lado de Santa Clara um largo onde carruagens, gado, soldados e viajantes, aguardavam o escoamento do tráfego. Atravessada a ponte, do lado de Coimbra, existia um arco em pedra onde eram cobradas as portagens. Durante séculos, a Ponte do Ó foi um dos locais de divertimento, passeio e convívio preferidos dos estudantes. Empoleirados nos muros do largo, os estudantes podiam observar colunas militares em andamento, camponeses com burros, carros de bois e carroças, as barcas serranas nas suas viagens entre Penacova e a Figueira da Foz, a entrada de visitantes ilustres, os almocreves, os mendigos cantadores, as mulheres nas lides da barrela, lavagem das roupas e transporte de água em cântaros, os vendedores e abastecedores da cidade. Havia ainda lugar a declamações, discursatas filosóficas, esperas de caloiros que vinham em colunas de mulas desde os lados de Lisboa e das Beiras, cantorias, toques de guitarras e violas de arame. Estes estudantes ociosos eram vistos com um misto de admiração e de temor. Tanto podiam mandar um piropo galante a uma cachopa, como desatrelar os bois a um humilde camponês, atirar uma pedra a um cavalo, obstruir o tabuleiro com pedras, ou congeminar as mais temíveis piadas, partidas e estúrdias. No início do ano escolar, os veteranos concentravam-se no Largo da Portagem e infligiam aos caloiros as mais endiabradas mortificações.
Eça de Queirós, em "José Matias", incluso na obra CONTOS, fala-nos de José Matias de Albuquerque, um hegeliano, que em Abril de 1865 veio a Coimbra. Após ceata a preceito no Paço do Conde, Eça, José Matias e os amigos, foram divertir-se para a Ponte do Ó:
"Era uma noite de Abril, de lua cheia. Passeámos depois em bando, com guitarras, pela ponte e pelo Choupal. O Januário cantou ardentemente as endechas românticas do nosso tempo:
Ontem de tarde, ao sol-posto,
Contemplavas, silenciosa,
A torrente caudalosa
Que refervia a teus pés...
E o José Matias, encostado ao parapeito da ponte, com a alma e os olhos perdidos na Lua! (Eça de Queirós, "José Matias", in CONTOS, 4ª edição, Lisboa, Editora Ulisseia, 2000, págs. 147-148, com prefácio de Maria das Graças Moreira de Sá).
AMNunes
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