sábado, fevereiro 25, 2006

NOITE DE LUAR
Música: D. José Pais de Almeida e Silva (1899-1968)
Letra: António de Sousa (1898-1981)
Incipit: Eu tive um sonho, um sonho de encantar
Origem: Coimbra
Data: 1926


Eu tive um sonho, um sonho de encantar,
Um sonho medieval, de trovador...
Sonhei, Senhora, que era o vosso amor
Em certa noite branca de luar.

Namorado leal e cavaleiro,
Por minha Dama fui-me a batalhar,
Em certa noite branca de luar
Jurei sua beleza ao mundo inteiro.

Depois... o sonho morre. E, quem morreu
Já não é bem da terra nem do céu...
Saudoso adeus, dum lenço à luz do luar...

Seguimos cada qual o nosso rumo...
Desfez-se aquele sonho como o fumo
Em certa noite branca de luar.
(bis)

O texto canta-se seguido, apenas se bisando o último verso.
Esquema do acompanhamento:
1ª quadra: Si maior, 2ª Si, Mi maior, 2ª Si, Si maior /// Si maior, 2ª Si, Si maior /// Sol# menor, Si maior, Sol# menor, 2ª Sol# /// Ré# maior, 2ª Ré#, Ré# maior;
2ª quadra: Sol# menor, 2ª Sol#, Sol# menor /// Dó# menor, 2ª Dó#, Dó# menor /// 2ª Si, Si maior /// Ré# maior, 2ª Ré# , Ré# maior;
1º terceto: Sol# menor, Dó# menor, Sol# menor /// Sol# menor, 2ª Sol#, Sol# menor /// Dó# menor, Sol# menor, 2ª Sol#, Sol# menor;
2º terceto: Sol# menor, 2ª Sol#, Sol# menor /// Dó# menor, Mi maior, Sol# menor /// 2ª Sol#, Sol# menor;
Repetição último verso: Sol# menor, 2ª Sol#, Sol# maior;

Informação complementar:
Belíssimo lied em forma de soneto com versos decassilábicos, de inspiração tardo-romântica. António de Sousa, então aluno da Faculdade de Direito da UC e assíduo colaborador nas revistas literárias conimbricenses espraia-se num impossível sonho de tonalidades medievais: o poeta/ou cantor transforma-se em bravo cavaleiro medieval, batalhando em nome de fugidia dama. Acabado o sonho, esvai-se a doce miragem amorosa. António de Sousa, bastante cantado na década de 1920 por António Menano e Edmundo Bettencourt, e nos anos 50 por José Paradela de Oliveira, embora ligado a figuras do presencismo, manteve-se mais próximo do saudosismo lírico. Colaborou em revistas como a “Ícaro” e exerceu diversos cargos estudantis, só tendo concluído a formatura na Faculdade de Direito da UC em 1936. Radicado em Lisboa, exerceu modesta advocacia no Tribunal da Boa Hora, mantendo longa e discreta amizade com Armando Goes, Paradela de Oliveira, Edmundo Bettencourt e Vitorino Nemésio.
O estudante de Ciências, músico, orfeonista, membro da TAUC, notável solista de violino D. José Pais de Almeida e Silva, culturalmente activo em Coimbra pelo menos desde 1918 (em 15/06/1918 compôs a solfa de “Fado da Praia, dedicado à Exma. Senhora D. Emma Ladeira”), pôs em música esta forma tão pouco apetecida aos ouvidos dos compositores conimbricenses, recorrendo ao compasso quaternário (4/4) e aos tons de Si Maior e seu relativo menor, como tons base.
Soneto divulgado e depois gravado por Armando do Carmo Goes, em Lisboa, a 21 de Outubro de 1928, acompanhado exclusivamente em violão de cordas de aço por Afonso de Sousa: disco de 78 rpm His Master’s Voice, E.Q. 139, master 7-62205. No referido disco figura apenas o nome de D. José «Paes», o autor da música. Nesta mesma sessão, Armando Goes também gravou com Afonso de Sousa os sonetos “Rezas à Noite” (No nosso Portugal é uso antigo), e "Dobadoira" ("A Dobadoira gira, gira, gira", música de D. José Pais, letra de António Sardinha), cujas matrizes não chegaram a entrar no circuito comercial. O acompanhamento protagonizado por Afonso de Sousa, embora simples, mostra-se eficaz, catapultando a voz do intérprete.
Metros diversos das habituais redondilhas maiores já eram cantados em Coimbra antes de Armando Goes. Um dos intérpretes merecedores de destaque neste campo é justamente António Paulo Menano (padrinho de Armando Goes como cantor), com cartas musicadas, “Rezas à Noite” (música de José Coutinho de Oliveira, letra de José Marques da Cruz) e lieder de Ruy Coelho (só gravou “O Beijo”, com letra de Afonso Lopes Vieira). Das cartas gravadas por António Menano, importará salientar “Carta de Longe” (Minha adorada mulher, letra de António de Sousa e música de António Menano), e “Carta da Aldeia” (Minha querida Maria, música de José Coutinho de Oliveira, letra de José Marques da Cruz).
Além de António Menano e de Armando Goes, outros cantores/ou compositores que ousaram aventurar-se nos sonetos foram Edmundo Bettencourt, Ângelo de Araújo, Luiz Goes e Jorge Cravo. Na época em que irromperam, os sonetos e as cartas não eram repertório clássico, rejeitavam ostensivamente o acompanhamento à guitarra, e não lembravam à outiva os “fados estrófico-clássicos”. Não possuíam o carácter ambivalente e improvisatório de certas estróficas, remetendo para mundividências de salão e de palco, e admitindo desempenhos instrumentísticos menos ortodoxos que passavam pelo solo de violão, pelo piano, e por combinações do tipo piano/guitarra, piano/violino, violão/violino/flauta. Como tal, foram alvo de contestação nos meios mais conservadores. A questão que então se punha era taxativamente “música clássica” ou “fados”?!
Que seja do nosso conhecimento, nenhum outro cantor regravou esta composição.

Transcrição musical: Octávio Sérgio (2006)
Texto: José Anjos de Carvalho e António Manuel Nunes
Agradecimentos: Dr. Afonso de Sousa, José Moças (Tradisom) Posted by Picasa

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