Aguarela de Arlindo, retratando com fidelidade a fachada principal da Bastilha, divulgada pela revista RUA LARGA, Nº 7, Coimbra, 25 de Novembro de 1957. Logo a seguir ao cunhal vê-se o prédio onde as três Marias Camelas tiveram a sua tasca.
Chamava-se Bastilha, na gíria académica, ao edifício do antigo Colégio de São Paulo-o Eremita, que serviu de sede oficial à AAC entre 1913 e 1949.
O pavimento de entrada deste colégio estava pejado de materiais museológicos e arqueológicos, recolhidos pelo Instituto de Coimbra, os quais foram cedidos em 1912 ao recém-instituído Museu Machado de Castro. Devoluto o espaço, a AAC ocupou o piso térreo deste imóvel em 1913, graças aos esforços do Reitor Guilherme Moreira, que fora antigo dirigente associativo e um dos obreiros da transformação do Clube Académico de Coimbra na Associação Académica de Coimbra.
As instalações eram exíguas, não permitindo acobertar mais do que a Direcção Geral da AAC, a redacção do jornal oficial Via Latina e umas mesas de bilhares. O Orfeon e a TAUC recorriam a sedes provisórias noutros espaços da Alta. O andar nobre do edifício servia o Instituto de Coimbra, depreciativamente conhecido no meio estudantil pela designação de Clube dos Lentes. Em 1920, a Direcção Geral da AAC solicitou ao Reitor Doutor Filomeno de Melo Cabral a concessão da totalidade do edifício aos estudantes. Contrariamente ao que é costume dizer-se e até escrever-se, o Reitor fez apreciar esta proposta em sessão da Junta Administrativa da UC em 13/11/1920, organismo que deliberou unanimemente pela entrega do piso nobre e águas-furtadas aos estudantes. O Presidente da AAC em exercício de funções assistiu à referida sessão. O Doutor Guilherme Moreira ficou encarregue de providenciar o mais rapidamente possível uma nova sede para o Instituto de Coimbra, pois enquanto este organismo não fosse re-instalado, a AAC teria de adiar a ocupação plena dos dois andares prometidos.
Os promotores das negociações como que se esqueceram que a AAC havia surgido em 1887 com costela fortemente revolucionária e republicana. Estavam na memória os dias da Monarquia do Norte e muitos estudantes republicanos sentiam-se frustrados pois haviam treinado um batalhão académico no Quartel de Santa Clara e até ao momento o contigente não pegara em armas.
Totalmente à margem das negociações em curso entre a DG da AAC, a Reitoria e o Instituto de Coimbra, um grupo de 40 estudantes republicanos e pró-republicanos entrou em acção. Reclamando-se da herança da Revolução de 1640 e do espírito da Tomada da Bastilha (14/07/1789), os "40 conjurados" promoveram reuniões secretas, distribuiram senhas e planos de ataque, vociferaram contra a Monarquia do Norte e o ambiente à "Antigo Regime do Clube dos Lentes".
Na noite de 25 de Novembro de 1920 os insurrectos fizeram-se fotografar com escadas, cordas e lanternas e passaram ao ataque. A torre da UC foi assaltada e bimbalharam-se os sinos a rebate. O Colégio de São Paulo foi "conquistado" de roldão e os trastes do Instituto de Coimbra lançados à Rua Larga. Foi a conimbricense Tomada da Bastilha, uma facécia mítica já estudada por António de Vasconcelos e Joaquim Ferreira Gomes.
Entre 1920 e 1949 a Bastilha acobertou a Direcção Geral da AAC, a redacção da Via Latina, a Académica (Secção de Futebol), a Sociedade Filantrópica, a TAUC, o Orfeon, o Fado Académico e o TEUC.
Com o passar dos anos, as sucessivas gestões tiveram de lidar com a crescente falta de espaços. Não havia salão nobre (na altura muito desejado para bailes de gala, assembleias magnas e sessões solenes), nem balneários para os atletas da Académica, nem o tão reclamado Teatro Académico, nem condignas salas de ensaios para os organismos artístico-musicais.
Na Primavera de 1943 o Presidente da AAC Manuel Tarujo de Almeida foi chamado a uma reunião da Comissão de Obras da Cidade Universitária onde marcavam presença o Reitor Maximino Correia, o Eng. Sá e Melo e o Arquitecto José Cottinelli Telmo. Nessa reunião, a AAC foi condenada à demolição sem apelo nem agravo. Congeminou-se instalar a AAC e os organismos académicos no Colégio de São Bento, sobranceiro ao Botânico (então sede do Liceu Infanta D. Maria e do Instituto de Coimbra).
A posição de Tarujo de Almeida foi no sentido de aplaudir a proposta não discutível de Cottinelli Telmo: o edifício era acanhado em áreas e não possuía valor arquitectónico. Abandonada a solução Colégio de São Bento, em Agosto de 1949 a Direcção Geral da AAC mudou os teres e haveres para o Colégio dos Grilos (actual Secretaria Geral da UC). O adeus à Bastilha, esse seria feito na noite de 25 de Novembro de 1949, com o vento agreste da Alta a uivar na cimalha do portal. Ficaram o sentimento e a melodia de Carlos Figueiredo: "Rua Larga é..."
AMNunes
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